A missão de ser sacerdote

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Cinco jovens optam pelo celibato e obediência longe de casa

O sino toca antes das sete, avisando a vizinhança e os seminaristas de que o dia havia começado. Em alguns minutos eles precisarão estar reunidos para as orações matinais, sendo importante resistir à tentação de fechar os olhos por mais alguns segundos.

Assim como no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, os sinos ainda são frequentes em algumas paróquias

Há pouco mais de seis meses, esses cinco rapazes seguem uma rotina rígida longe da família e dos amigos. Os horários para as orações e refeições são tão sagrados quanto a estrutura do convento onde vivem desde o início deste ano. O local pertence a uma das maiores paróquias de Santa Cruz do Rio Pardo, no interior de São Paulo.

Às tardes de terça-feira são reservadas para as aulas de espanhol com uma professora da cidade. Assim que ela entra pela porta do seminário, o sino anuncia sua chegada. Quem a recebe é Samuel de Freitas Castro, um dos mais velhos da turma, com 32 anos. “Vamos subindo às escadas para o céu”, convida, apontando para a longa escadaria que os levariam até a biblioteca, onde são ministradas as classes. As mesas escolares dispostas em formato de U torna fácil observar o rosto de cada um. Todos parecem muito joviais e fazem piadas uns com os outros, contrariando o estigma do religioso velho e austero.

Quando recebem o chamado (e atendem)

Nenhum deles sequer conhecia Santa Cruz do Rio Pardo antes de começar o  pré-noviciado. Samuel, por exemplo, havia passado sete meses na Colômbia em uma experiência de noviciado na Ordem dos Agostinianos Recoletos,  antes de decidir pela Ordem dos Dominicanos, linha seguida pelos padres do Santuário. Mas, apesar de já ter se aventurado por outros países em nome de Deus, o jovem é natural de Franca, há cerca de 400 km do seminário onde hoje vive.

Sua história com a fé começou aos 18 anos, quando se deu conta da vida vazia que levava. “Eu ia para as baladas, namorava, trabalhava e tinha uma rotina aparentemente normal. Mas eu tinha em meu interior uma necessidade pela verdade e não conseguia encontrá-la em nada, nem em festas ou relacionamentos”, conta. Apesar de nunca ter aspirado seguir a vida sacerdotal antes, um dia se pegou sentindo esse desejo. “Fui até uma igreja na minha cidade rezar e ali comecei a sentir o chamado de que encontraria o que buscava na igreja, em Deus. A partir disso foi natural considerar o seminário”.

 Alguns dos seus colegas, no entanto,  precisaram viajar mais de mil quilômetros para chegar até o seminário. Jonas Duarte de Araújo tem 22 anos e saiu de Araripina (Pernambuco) para seguir sua vocação religiosa. Sua primeira parada foi em Curitiba, onde conta que sofreu muito pela saudade que sentia da mãe. “Eu sou muito apegado a ela”, confessa. “Hoje consigo lidar melhor com essa falta que ela faz, mas continuamos nos falando por telefone pelo menos duas vezes por semana”.

Segundo ele, o segredo para aprender a conviver com a distância da família foi rezar muito. “Às vezes sentimos dúvidas em relação a vocação, sentimos falta de casa, queremos voltar, nos questionamos muito. Mas é através da oração que encontramos um refúgio”. E é a necessidade de atender o chamado de Deus que leva muitos jovens a se fixarem em novas comunidades, longe de suas famílias e amigos. “É um chamado que arde no peito como fogo, que incomoda enquanto você não atende”, Jonas afirma.

Seguindo o caminho da luz

Hoje, o Brasil é um dos países com menos padres católicos por fiéis. Mesmo tendo apresentado um acentuado crescimento de seminaristas e sacerdotes nos últimos anos, a questão da vocação religiosa é pertinente nesse cenário, já que nem todos os que recebem o chamado divino possuem as demandas necessárias para se tornar padre. “Muitos são os chamados, mas poucos são os escolhidos”, analisa Jonas.

Alex Paiá de Oliveira tem 25 anos e é natural de Sorocaba, também no interior de São Paulo. O seminarista conta que decidiu pela vida religiosa aos 14 anos, graças a influência de um amigo sacerdote. “Primeiro passei pela ordem franciscana, mas saí de lá para tentar ter experiências normais, como trabalhar. Meu falecido pai não apoiava meu ingresso nessa ordem em especial por conta do voto de pobreza e isso impediria que eu tivesse coisas no meu nome”.

Hoje, na ordem dominicana, é sua mãe quem insiste no seu retorno para a casa toda vez que telefona. “Apesar de ter muita saudade dela, principalmente depois da morte do meu pai, eu não quero voltar. Acredito que nada é maior que meu amor por Cristo”, conclui. 

Em relação a vocação para a vida religiosa, ele considera que o erro de muitas pessoas é equiparar o sacerdócio com uma profissão. “Na visão católica, a profissão é feita por Deus para tornar a sociedade melhor, com base em dons concedidos. Agora, para ser padre, é uma escolha de Deus”, aponta. “No entanto, é preciso separar a vocação do chamado. Da mesma forma que existem aqueles que sentem essa invocação divina para seguir o caminho religioso e não possuem a vocação, temos pessoas que possuem vocação, mas que jamais irão exercer o sacerdócio, pois não foram chamadas”.

Para Pedro Benedito da Gama Júnior, de 19 anos, o chamado chegou bem cedo, por volta dos três anos de idade. “Para mim, você nasce com o chamado. Na minha família ninguém ia à igreja e não tinha como eu ter o exemplo deles, logo, como explicar minha necessidade de estar perto de Deus desde a mais tenra idade?”, afirma.

“Na minha cidade natal, Artur Nogueira (SP), as pessoas se reuniam em pequenos grupos para rezar o terço na rua e eu, apesar de ser apenas uma criança, sentia um desejo muito grande de participar das orações. Depois de um tempo me tornei coroinha e antes de vir para cá, considerei ingressar à Ordem dos Beneditinos”, Pedro conta. 

Em casa, a escolha do rapaz não foi tão bem aceita. Seu pai almejava que o único filho homem pudesse dar continuidade ao nome da família e a irmã mais velha não concordou com a mudança para Santa Cruz do Rio Pardo. “Por ela eu ficaria na diocese de Limeira, perto da cidade onde ela mora”.

Diferente do que muitos imaginam, não existe uma idade ideal para iniciar na vida religiosa. “Hoje é muito comum acontecer a ordenação tardia. No entanto, isso depende muito da Ordem escolhida, da diocese e do Bispo que for ordenar”, Samuel esclarece. 

Estudar, rezar e amar ao próximo

A Ordem dos Frades Dominicanos, ou Ordem dos Pregadores, existe há mais de 800 anos e foi criada pelo sacerdote castelhano Domingos de Gusmão em Toulouse, na França, em 1215. Os primeiros frades dominicanos chegaram no Brasil em 1881 e inicialmente, se fixaram em Uberaba, no estado de Minas Gerais, onde fundaram o primeiro convento dominicano do Brasil.

Em Santa Cruz do Rio Pardo, os dominicanos se estabeleceram no final da década de 1930 na Casa São Domingos, convento cedido pela igreja do Santuário, e na paróquia de São Sebastião. Antes disso, a cidade contava com as irmãs espanholas da Companhia de Maria que, por muitas décadas, conduziram um tradicional colégio para moças.

Assim como os frades franciscanos, os sacerdotes dominicanos professam o voto da pobreza e se dividem entre a busca pelo conhecimento e a vida em comunidade. O professor de história e hoje seminarista, Marcelo de Souza, 34, optou pela Ordem dos Pregadores graças a esses dois preceitos. Diferente de seus colegas, ele afirma nunca ter sentido nenhum tipo de chama ardendo em seu peito.

Entre risos, diz que se considera desconfiado, o que pode ou não ser algo decorrente da sua criação mineira, já que é natural de Guanhães, na região do Vale do Rio Doce. “Meus sentimentos podem ser enganadores, às vezes”, pondera. “Na realidade, escolhi a vida sacerdotal porque sempre senti vontade de servir as pessoas e acredito que a igreja é a instituição que mais ajuda os necessitados”.  A tradição intelectual dos dominicanos também o atraiu, já que aprecia o estudo. “É algo que me faz muito bem”, considera.

Há seis meses, os pré-noviços se dividem entre orações, estudos e a vida em comunidade

Atualmente, os cinco seminaristas se encontram na etapa do pré-noviciado, que significa a passagem da vida secular para a religiosa. “Temos aula de bíblia, de canto, documentos da ordem, documentos da igreja e espiritualidade da ordem”, Jonas enumera. Além desses estudos, eles contam que é obrigatório ter formação em filosofia e teologia para ser ordenado.

Segundo eles, os votos de castidade, obediência e pobreza serão feitos somente daqui dois anos, após o término do noviciado, quando poderão ser chamados de frades. No entanto, a ordenação é só daqui nove anos. “São dois anos entre o pré-noviciado e o noviciado, três anos de filosofia e depois mais quatro anos de teologia”, explica Alex.

Mas, enquanto o primeiro ano não termina, os seminaristas já se preparam para as idas e vindas futuras. Alex inclusive revela o próximo destino dos seminaristas. “Em 2020, iremos para Belo Horizonte estudar filosofia na FAJE (Faculdade Jesuíta)”. Os que já se formaram no curso partirão direto para os estudos teológicos, que devem ser feitos na Espanha. “Por isso temos aulas de espanhol toda semana”, contam. 

Texto por: Mariana Pires

Produção multimídia: Geovana Alves 

Edição: Júlio César Sousa

 

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