Agronegócio, moradores de rua e política, os temas são diversos, mas o denominador é comum, alunos que passaram pela Unesp e tiveram destaque no mercado
“Quando a minha mãe morreu eu tinha 11 anos, e quando o meu pai morreu eu tinha 10. Eu tinha uma tia que era a única parente daqui de Bauru. Ela acolheu eu e meus irmãos até conseguir a nossa tutela. Quando conseguiu, nos colocou para a rua”, conta Eunice Campos, 57 anos, que durante 12 anos fez das ruas seu lar. A moradora de Bauru é uma das personagens da reportagem multimídia Marias das Ruas, que discute sobre a situação de mulheres de rua em Bauru e São Paulo.
A reportagem foi desenvolvida para o 9º Prêmio Jovem Jornalista, do Instituto Vladimir Herzog, em 2017, pelas estudantes de jornalismo, Daniela Arcanjo e Ana Carolina Moraes, que, na época, estavam no último ano da graduação. Nos textos e vídeos disponíveis na plataforma da Marias das Ruas, Daniela e Ana dão voz aos personagens que, talvez, nunca antes tivessem sido ouvidos. Esse feito é resultado da participação das jovens jornalistas no Prêmio Jovem Jornalista, que financiou os custos da reportagem.
Histórias de sucesso
“Entrei em 2012. Foi uma ótima experiência. Consegui aproveitar tudo que a universidade oferecia. Fiz iniciação científica, intercâmbio e participei dos projetos de extensão oferecidos” comenta Paulo Beraldo, sobre sua passagem pela Unesp. O ex-aluno do curso de jornalismo e atual repórter no Estadão, ele recebeu seis prêmios durante sua trajetória na universidade, a maioria por matérias relacionadas ao agronegócio.
A sensação é muito boa porque é de ver que o trabalho está caminhando na direção correta. Para além disso, sempre me sinto orgulhoso de poder levar o nome da Unesp cada vez mais longe e retribuir, de alguma maneira, o tanto de portas que a universidade me abriu”, enfatiza Paulo, que em 2016 venceu a 9º Prêmio ABAG/RP de Jornalismo com uma reportagem sobre Adidos Agrícolas.
O texto destaca a importância desses profissionais para o agronegócio brasileiro. Eles são responsáveis por aproximar mercados, firmar acordos e aumentar as exportações. Desde de 2014, Paulo já explorava essa temática. Naquele ano, ele criou o De Olho no Campo, um site informativo sobre a temática, com destaque especial para as novas tecnologias presentes no campo.
“Fui ampliando, melhorando e tocando após a universidade. Ele já recebeu quatro prêmios de jornalismo por matérias especiais publicadas ali”, comenta Paulo. Quem também foi reconhecida por um de seus projetos durante a graduação foi a jornalista Agnes Sofia Guimarães. Ela, juntamente com sua companheira de curso, Letícia Ferreira Campos, foi uma das vencedoras da 7ª edição do Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão.
Naquele ano, 2015, o tema do prêmio era liberdade de expressão e Agnes e Letícia propuseram uma pauta sobre mulheres ativistas e comunicadoras vítimas de violência de gênero, que foi selecionada e financiada pelo prêmio. “O dinheiro foi suficiente para que viajássemos em quatro estados e conversássemos com mais de 34 pessoas”, afirma Agnes. O resultado da empreitada foi o webdocumentário Margaridas não se Calam, que não está mais disponível na internet.
A dupla procurou abordar em seu projeto os diferentes tipos de violência contra a mulher e, para Agnes, esse foi o diferencial de seu trabalho. “Acredito que a pauta foi escolhida porque violência de gênero era um tema que estava começando a ser discutido, mas não com a amplitude proposta pela nossa pauta”, explicou.
O papel da Unesp
“A Unesp como um todo tem um papel central no prêmio. Quando digo ‘como um todo’, falo de todos mesmo, os funcionários, os professores, os alunos”, enfatiza Daniela Arcanjo, do Marias das Ruas. A jornalista conta que muito antes de participar do Prêmio Jovem Jornalista já havia tido experiências durante a graduação envolvendo causas sociais e direitos humanos que, como ela mesmo destaca, foram fundamentais para sua formação acadêmica.
Daniela foi editora-chefe do Jornal Voz do Nicéia, um projeto de extensão da Unesp, campus de Bauru, voltado para um bairro da cidade. Além disso, durante o terceiro ano da graduação, a jornalista foi a responsável por fundar o Fatos da Rua, um jornal que conta com a participação de pessoas em situação de rua. Eles, além de colaborar com o desenvolvimento do jornal, ainda vendem os exemplares. E foi a partir desse convívio que Daniela teve a ideia do Marias das Ruas.
A respeito disso, a professora e coordenadora do curso, Angela Grossi, destaca o caráter reflexivo dos profissionais graduados pela instituição. Para ela eles possuem uma visão abrangente dos mais diferentes temas, aplicando-a em seu dia a dia profissional. “O Curso de Jornalismo da Unesp prepara o profissional para atuar no mundo, isso devido a nossa preocupação de fazer com que se compreenda não só as rotinas produtivas existentes no jornalismo, mas também a relação com a sociedade, com a política, com a cultura”, comentou Angela.
Agnes também se lembra da Unesp com carinho. “Foi maravilhoso estudar em um ambiente permeado por cursos diferentes e por pessoas de várias partes do país, com certeza tive grandes lições dentro e fora das salas-de-aula”, diz a jornalista. Paulo Beraldo também destaca a importância do curso para sua formação. “Tive orientação de bons professores, dicas de onde e como melhorar, contatos com outros colegas. A Unesp tem e teve parte fundamental nos frutos que eu colho hoje. Foi a semente disso tudo”. Atualmente, Paulo, Agnes e Daniela exercem o que aprenderam na Unesp, a profissão de jornalismo.
Nem tudo são flores
Embora a Unesp tenha um papel crucial em muitas dessas histórias, os alunos ressaltam alguns problemas pelos quais a universidade passa e que, consequentemente, se tornaram obstáculos. Para Agnes, o racismo e o machismo presente no ambiente acadêmico foram alguns deles. “Alguns professores tentaram nos prejudicar, algo que considero normal em quatro anos sendo hostilizada por puro preconceito e sexismo”, destaca Agnes, que considera o prêmio recebido como um “cala boca” para muitos desses professores.
Já Daniela ressalta que quando a universidade pública passa, sendo sucateada, seria muito difícil entregar um produto de qualidade sem ajuda externa, no caso, o investimento do Prêmio Jovem Jornalista. “Nesse momento de corte de verbas que a Unesp vive, foi muito interessante ter dinheiro suficiente para viajar para São Paulo, fazer um site de forma mais profissional, enfim, não acabar gastando dinheiro para realizar um projeto”, destaca Daniela.
A jornalista ainda ressalta: “ É claro que eu tenho críticas ao corte de verbas, à falta de políticas de permanência estudantil e tudo mais. Obviamente minha formação poderia ser ainda melhor se esse tipo de demanda fosse atendida no câmpus. Mas há uma outra forma de ver a universidade, que é incluindo a potência transformadora das pessoas que acreditam em uma universidade mais inclusiva, com mais recursos”.
Em números
Esses são apenas alguns dos exemplos de alunos do curso que tiveram seus trabalhos reconhecidos e premiados em grandes concursos. Ao longo de seus 35 anos de existência, completos em 2019, o curso já formou cerca de 2300 profissionais. Desses, muitos são condecorados por seus trabalhos sobre os mais diferentes temas. Política, tecnologia, causas sociais, audiovisual e agricultura são apenas alguns dos assuntos abordados.
No entanto, a universidade não tem contabilizado o número de quantos prêmios seus alunos já ganharam. Para a coordenadora Angela, esse fato se deve a dificuldade de sistematização desse processo. “Nem sempre somos informados da premiação e em outros há um descompromisso com a preservação da memória”, comenta a professora, que defende a necessidade de registrar os feitos dos alunos.
Texto: Luigi da Fonseca Rigoni
Produção multimídia: Paula Berlim
Editora: Heloísa Teixeira Manduca