Acompanhe um dos casos de injustiça cometidos no sistema carcerário brasileiro
O começo do ano de 2019 alterou a vida e a história de alguns dos moradores do bairro de Guaratiba, zona leste do Rio de Janeiro. Dentre os afetados pelo caso, está Leonardo Nascimento, de 26 anos.
Desempregado e com o fim do auxílio-desemprego, o homem passava mais tempo dentro de casa, acompanhado de seus familiares. “Nesse período, eu costumava ficar mais com a minha família, principalmente, com a minha mãe. Minha família é bastante unida, então ficava com eles e meus amigos”, comenta Leonardo.
No início da noite do dia 15 de janeiro, em uma terça-feira, o assalto a um mercado provocou a morte de um jovem, que tentava proteger a mãe. No mesmo dia, Leonardo foi jogar bola com os colegas e logo retornou a residência.
“Na quarta-feira, eu também passei o dia todo em casa com a minha mãe. A tarde, meu primo me chamou para ir a oficina buscar o carro da esposa dele. Então, saí e, na metade do caminho, minha mãe me liga, dizendo que estava cheio de policiais civis na porta da minha casa, me procurando”, relata Leonardo.
Ainda sem entender o que estava acontecendo, pediu ao primo que retornasse a sua casa para que o caso fosse esclarecido. Quando chegou ao local, viu que era acusado de matar o jovem durante o assalto ao mercado, na noite anterior.
Sou o Leonardo, em que posso ajudar?
Segundo a Constituição Federal, o artigo 5º e inciso LVII garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Além disso, de acordo com o artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei”.
Apesar dos direitos garantidos aos cidadãos, a prática promove atitudes divergentes da lei. Leonardo Nascimento foi algemado na porta de sua casa e encaminhado a 43ª Delegacia de Polícia de Guaratiba, sob acusações de ter cometido o crime contra o jovem.
“Eu falava ‘não, pelo amor de Deus, sou incapaz de um crime desses. Não fui eu, não fui eu. Não sei o que está acontecendo, não fui eu’. Estava abalado, mas, mesmo assim, estava tranquilo, porque sabia que não tinha cometido o crime. Eu ia chegar na delegacia, ia fazer o procedimento e ia ser liberado”, relata Leonardo, que foi preso logo em seguida.
Ele passou por audiência de custódia, onde não pode ser ouvido. Sua advogada pode depor, mas, ainda assim, ele teve a prisão decretada até o próximo julgamento, que seria seis meses depois. Então, foi preso em flagrante e, depois do reconhecimento de quatro pessoas, teve a prisão transformada em preventiva.
Um rapaz tranquilo e amigo de todos
Assim, Leonardo ficou detido por sete dias no presídio de Benfica. Passava seu tempo conversando com os 85 companheiros de cela e jogando damas. Por estar em uma cadeia de triagem, só tinha contado com sua advogada e não sabia da movimentação formada pelo seu caso. Familiares e amigos se reuniam diariamente em frente ao presídio para manifestar o descontentamento com a situação e declarar a inocência do homem.
“Apesar de existirem elementos mais do que suficientes para não justificarem a prisão dele, foi necessário um movimento social para libertá-lo. O que não deveria ter vinculação com o Poder Judiciário. A ideia de justiça é que você não julga a pessoa, você julga fatos. E todos os fatos apontavam para não ter sido ele o autor dos disparos”, comenta o advogado criminal, André Pereira*.
Após sete dias de cobertura midiática do caso e recolhimento de provas dos familiares, Leonardo Nascimento foi solto na noite do dia 23 de janeiro.
“Não tem como explicar como foi sair. Foi uma emoção muito grande, uma alegria tremenda. A todo momento que estava lá dentro, só pensava como estava aqui fora. Minha família, minha mãe, minhas irmãs, o tempo todo só pensava neles. Quando consegui sair e ver o pessoal lá na frente da prisão, me esperando para dar uma abraço, foi bastante gratificante”, lembra emocionado o rapaz.
O Leonardo continua a mesma pessoa
A vida e a rotina de Leonardo foram completamente alteradas após o fato. Mas o principal foi o dia 25 de março, em que seu processo foi arquivado e sua ficha criminal limpa.
“Eu consegui um emprego e já estou trabalhando. Muitas pessoas mandam mensagem de carinho e apoio. Recebo, também, convites de palestras para poder falar sobre racismo. Poder ajudar ao próximo com nossa história está sendo bastante gratificante”, comenta Leonardo, que também trabalha como DJ.
O passo a passo da justiça
Desde a autuação até o julgamento de um indivíduos existem várias etapas. Esse processo é garantido por lei, de acordo com a penalidade infligida. Conheça, a seguir, as modalidades de prisão empregadas no país.
*O nome do entrevistado foi alterado para preservação da identidade.
Repórter: Maria Eduarda Guelfi
Produtora Multimídia: Aline Campanhã
Editor: Rafael de Toledo