Em julho de 2019 a Lei de Cotas completará 28 anos de existência. Trata-se da Lei Federal nº 8.213/1991, que em seu artigo nº 93 determina uma cota de contratação de profissionais reabilitados ou portadores de deficiência em empresas com mais de 100 funcionários.
Passadas quase três décadas de sua aprovação, empresas bauruenses demonstram um despreparo para receber trabalhadores com deficiência auditiva.
Aumenta o grau de surdez, aumentam as barreiras
Ariane Machado tem uma perda leve de audição e conta que foi perdendo o sentido aos poucos e demorou alguns meses para perceber sua condição. Tinha 22 anos quando notou dificuldade para escutar e foi procurar auxílio médico.
Dois anos depois, Ariane conseguiu um aparelho auditivo por meio do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho), que a possibilitou ouvir normalmente. “É uma lista de espera muito grande para você ser encaixada nos horários disponíveis do hospital. Por sorte, meu padrasto tinha amigos, senão eu teria que comprar”, desabafou. Cada aparelho auditivo custa em média R$5.000,00.
Ela afirma que hoje, aos 29 anos, o uso do aparelho é essencial para seu trabalho, uma vez que é auxiliar administrativa de Recursos Humanos em uma empresa de Bauru. “Eu atendo o público, sem o aparelho não consigo fazer minhas funções”, assegura.
Ela comenta que no início seus chefes não conseguiam identificar sua surdez. “Eles sabiam que eu era surda, mas queriam provas e até pediram para eu levar o exame que comprovasse a deficiência”, lembra.
Um estudo realizado pela agência Catho, entre julho e setembro de 2017, revelou que 78% dos empregados com deficiência disseram não necessitar de acessibilidade. Esse dado demonstra que aqueles que se inserem no mercado de trabalho, em geral, são os que exigem menos mudanças para atuar num ambiente.
Lei de Cotas
Aprovada em 1991, a Lei de Cotas, além de assegurar direitos às pessoas com deficiência as inserindo no mercado de trabalho, também é um alerta à função social das empresas.
Segundo a legislação, são 2% de funcionários com deficiência para companhias com 100 a 200 empregados, 3% para corporações com até 500 colaboradores, 4% em organizações que tenham até 1.000 trabalhadores e 5% para aquelas com 1.001 integrantes ou mais.
No entanto, muitas empresas contratam trabalhadores com grau menor de deficiência para preencher a vaga das cotas. Ariane faz parte dessa parcela: “Eu entrei lá para isso, para cobrir essa cota”.
Por conta do aparelho auditivo, a auxiliar de administração conversa através da linguagem verbal, mas comenta que caso precisasse usar LIBRAS não teria ninguém para se comunicar na empresa onde trabalha.
“Todo mundo deveria ter um treinamento de LIBRAS, pelo menos no setor onde ela [pessoa com deficiência auditiva] for trabalhar. Lá não tem nada disso”, reflete Ariane.
Inclusão de trabalhadores surdos
Luis Mateus da Silva Souza, professor EBTT e voluntário da Associação de Surdos de Bauru (ASBA), afirma que o uso da Língua de Sinais é fundamental em qualquer espaço.
A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é uma das línguas oficiais do Brasil reconhecida legalmente em 2002, e possui estrutura e regras próprias.“Sem ela não é possível se comunicar plenamente com surdos em espaços sociais, principalmente no ambiente de trabalho. A empresa deve oferecer cursos de LIBRAS para os servidores que atuam na instituição como um todo”, indica Luis.
Ainda sobre a importância da LIBRAS: “A aprendizagem da língua de sinais não deve ser vista como uma forma de ajudar o surdo – não é. O surdo tem direito à comunicação e não pode deixar de ser surdo a hora que quiser, mas o ouvinte pode aprender a Língua de Sinais”, ressalta.
Segundo o professor, além da inclusão, algumas das alternativas seriam otimizar os processos por meio de catálogos, dar orientações visuais para os surdos conseguirem executar as funções de forma correta, e sempre que houver formação do servidores as empresas precisam oferecer o serviço de tradução e interpretação.
De acordo com pesquisa da agência Catho, 44% dos trabalhadores com algum tipo de deficiência já perderam alguma seleção por problemas de acessibilidade. Essas adversidades motivaram pedidos de demissão de 37% dos profissionais com deficiência.
A Startup Somos Mais tem como objetivo facilitar o encontro de pessoas portadoras de deficiência e empresas. Segundo Adriana Kaku Defende, uma das criadoras da empresa, a maior parte dos locais em que entrou em contato não são preparados para receberem trabalhadores com deficiência, mas todas demonstraram interesse.
E seguem resistindo
Instituído em 14 de julho de 2005, pela Lei n° 11.133, o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, 21 de setembro, serve para lembrar a todos sobre a importância da promoção de direitos humanos para pessoas com deficiência.
A data foi escolhida em função da proximidade com o início da Primavera e o Dia da Árvore, que representam o renascer das plantas e simbolizam o sentimento de renovação das reivindicações em prol da inclusão e da participação plena de todos.
Reportagem: Paula Bettelli
Produção multimídia: Ana Cristina Marsiglia
Edição: Gabriella Brizotti
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