Desde que o conceito do trabalho foi criado na sociedade, existem mais trabalhadores do que patrões.
Passamos séculos no campo, servindo a senhores feudais e depois a barões de café, para no século XIX migrarmos para os centros urbanos e vivermos um outro tipo de escravidão – mais arrojado, poluente e barulhento – sob o olhar ganancioso dos empresários e donos de indústrias.
Durante todas essas décadas, levantes foram feitos e revoluções orquestradas debaixo do teto das fábricas, sendo o sindicato fruto dessas movimentações, criado com o propósito de mediar os interesses da classe trabalhadora com os patrões.
Os próprios direitos trabalhistas são uma conquista consideravelmente recente na linha do tempo servil. No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) só veio a tomar forma no dia 1º de maio de 1943, após decreto do então presidente Getúlio Vargas.
No entanto, hoje, 77 anos depois, nos pegamos regredindo essa conquista por meio de projetos de emendas constitucionais, como a Reforma da Previdência, que hoje tramita pelo senado, em busca de aprovação.
Caso instituída, essa emenda irá alterar dramaticamente o futuro dos trabalhadores brasileiros. Não só o tempo de contribuição irá aumentar, como a idade mínima de aposentadoria para professores, agentes penitenciários e socioeducativos, policiais civis e federais e mulheres.
No caso delas, devemos nos atentar para o fato da jornada de trabalho dupla e todos os prejuízos físicos e psicológicos que esse aumento de anos servindo acarretará na vida das trabalhadoras.
Como um ciclo, o trabalhador moderno se vê no papel daqueles do início do século, que se organizavam em busca de direitos básicos, como férias e salário justo. Hoje, o proletário deixou de se reunir nas fábricas, mas descarrega suas frustrações atrás da tela de um computador. Práticas como denunciar patrões abusivos por meio de vídeos flagrantes, expor prints de vagas com exigências que flertam com a escravidão e relatos virtuais de funcionários sobrecarregados são comuns e vez ou outra dão as caras no feed.
Um exemplo recente veio em formato de narrativa, causando rebuliço nas redes sociais. O texto, cujo título impressiona, relata a agonia dos funcionários de uma das maiores livrarias do país diante do declínio do mercado editorial e situações de abuso e assédio no ambiente de trabalho.
Hoje, a luta se tornou globalizada. As armas de combate mudaram e a consciência em relação aos direitos trabalhistas ainda permanece no imaginário do proletariado. Talvez pudéssemos comparar esse senso de justiça coletiva com os arquétipos estabelecidos por Carl Jung, no início do século passado.
A consciência de classe é presente, mesmo que aparentemente não ativa. Mas é surpreendente a rapidez como ela se torna atuante, ainda mais se diante dos arquétipos de barões e senhores feudais.
Mariana Pires, editora da Ilha 2, sobre relações trabalhistas, da edição 56 do Repórter Unesp