Os caminhos percorridos por quatro pessoas trans para conquistarem oportunidades
Preconceito. Violência física e moral. Dificuldade no acesso à educação. Falta de oportunidade no mercado de trabalho. Violação dos direitos. Esses são alguns obstáculos que as pessoas transexuais enfrentam ao assumirem quem realmente são. O Brasil continua sendo o país que mais mata homens e mulheres trans. Segundo a pesquisa da ONG Transgender Europe, durante o período de 2008 a 2015, 802 transexuais perderam suas vidas no país, o que evidencia uma realidade cruel e um preconceito fortemente enraizado na sociedade.
De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% desse grupo se prostitui no Brasil. A taxa alarmante mostra a dificuldade de uma pessoa trans em arranjar um emprego com carteira assinada, por exemplo. Mas, muitas vezes, o problema começa na base educacional, já que por enfrentarem os preconceitos da família e dos amigos, muitos abandonam a escola. A Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (RedeTrans) estima que 82% das mulheres transexuais abandonaram o ensino médio por conta dessa falta de apoio das pessoas próximas.
A baixa escolaridade somada ao preconceito tem um resultado claro: a falta de oportunidade no mercado de trabalho.
Experiências vividas na pele
Cézar, Kadu, Mateus e Ângela. Quatro pessoas com vidas diferentes, que encaram a luta pela sobrevivência e buscam ultrapassar a expectativa de vida de um transgênero – que é hoje, em média, 35 anos. Mais do que simplesmente sobreviver, levar a sua vida de forma digna e com oportunidades iguais às de qualquer um. No relato dos quatro entrevistados, podemos entender um pouco sobre essa realidade.
Kadu Henrique Furtado tem 29 anos e trabalha como agente de relacionamento de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). Ele estudou três anos de medicina veterinária, mas trancou o curso por não poder ser quem realmente era. “Após largar, fui procurar um emprego e conquistar minha independência. Só consegui vagas nas empresas de telemarketing, porque, assim, o cliente não nos vê, só nos ouve”, diz.
Quando o questionei sobre as oportunidades de emprego no Brasil, Kadu conta que são poucas. “A maioria das vagas são indicadas por alguém que respeita o trans. Poucas empresas permitem um plano de carreira com igualdade como deve ser. Transexuais que já estão em transição ou já obtiveram mudanças físicas conseguem com uma maior facilidade, pois fica mais fácil para as organizações”, conta o rapaz.
Cézar Sant Anna tem uma opinião parecida. Segundo ele, a maior dificuldade de inclusão das pessoas trans é as empresas não possuírem políticas reais para tal finalidade. “Não acho que somos um país inclusivo. Desde a formulação do currículo, há um receio sobre qual nome devemos colocar: o nome social ou o que consta nos documentos. Seja qual for a escolha, seremos questionados sobre nossa ‘condição’ em algum momento. É difícil encontrar um RH que esteja capacitado para lidar com essas questões”, ele afirma.
Hoje, com 31 anos, Cézar trabalha como analista de marketing e precisou se adaptar ao ambiente corporativo, mas não aceita calado o preconceito. “Sempre fui muito decidido quanto ao meu comportamento e não aceitei desrespeito por parte de chefes e colegas, porém há situações em que é preciso ter muita paciência”, comenta.
“Já ouvi de um chefe que ele me ‘pegaria’ quando eu ‘era mulher’. Isso é uma ofensa enorme quanto a minha identidade de gênero e uma falta de respeito com as mulheres no ambiente de trabalho”.
Cézar Sant Anna, profissional de recursos humanos
Segundo o Kadu, pessoas trans que já passaram pela transição ou possuem características mais marcantes têm um pouco mais de facilidade em arranjar um emprego. Mas quem me explica melhor sobre isso é a bancária Ângela Chagas.
Ela tem 34 anos e mora no nordeste, atualmente em Alagoas, mas já morou em outros estados por conta de seu emprego. Ângela comenta que as dificuldades para as pessoas trans são imensas, principalmente para aquelas que não concluíram a transição. “Pelo menos aqui onde eu moro, o preconceito é muito forte. Eles nem olham se você tem qualificação, se souberem que é trans, já dizem ‘não’. Não sou abertamente assumida trans no meu serviço, porque eu tenho medo” comenta a bancária.
Constrangimento que vai desde a entrevista até o dia a dia no trabalho
Os quatro entrevistados afirmaram que já sofreram algum tipo de situação constrangedora no âmbito do trabalho, seja em uma entrevista de emprego e/ou na rotina do serviço. E, apesar de não existir nenhum estudo científico que comprove a não competência de uma pessoa de acordo com o gênero, algumas pessoas e empresas tomam isso como verdade e não dão oportunidades de inserção ou de crescimento dentro da instituição, às pessoas transexuais.
Para contar mais sobre isso, nada melhor do que ouvir o que os entrevistados têm a dizer por suas próprias histórias.
Pessoas trans: O que tem a nos dizer?
As empresas podem mudar as abordagens para aumentar e facilitar a inserção de transgêneros no mercado de trabalho, seja abrindo vagas específicas ou conscientizando os empregados para diminuir o preconceito. Confira no infográfico a seguir.
Na última pergunta, para finalizar a entrevista, questionei: “se você pudesse dar uma dica para uma pessoa trans que está entrando no mercado de trabalho agora, qual seria?”. Todas as respostas tiveram um ponto em comum: “seja você mesmo, não desista e lute pelos seus direitos. Dê um passo de cada vez, tenha coragem e mostre do que você é capaz”.
Reportagem: Luisa Volpe
Produção multimídia: Ana Cristina Marsiglia
Edição: Gabriella Brizotti