“Fico feliz em saber que minha filha não precisa sair do estado para buscar oportunidades. Eu tive que fazer isso aos dezesseis anos”, conta a baiana Sirleide Maria Alves
A história de Sirleide é semelhante a de milhares de brasileiros que, no século XX, deixaram seus estados de origem em busca de melhores condições de vida, tentando se estruturar nos grandes centros urbanos. Nascida no interior da Bahia, mudou-se para São Paulo na década de noventa em busca de oportunidades.
Na capital, via a chance de encontrar um emprego bom e estar mais próxima da irmã, que já vivia lá. Se voltarmos um pouco no tempo, é possível compreender a motivação de tantas pessoas terem deixado as zonas rurais e o interior para viverem em grandes centros.
Capitais como sinônimo de progresso
No início do século XXI, o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o campo perdeu cerca de dois milhões de pessoas entre 2000 e 2010.
“Aqui no Brasil, os fluxos migratórios sempre foram baseados nos aspectos econômicos. Se pensarmos nos séculos XVII e XVIII, nos deparamos com a busca por metais e os fluxos em direção a parte central do Brasil, como Mato Grosso e Minas Gerais. Mais pra frente, também tivemos o ciclo do café. Enfim, a busca por melhores condições financeiras”, aponta a cientista social Juliana Corvino.
Situações semelhantes
A migração para centros urbanos está longe de ser uma realidade exclusivamente brasileira. Na região rural da China, de acordo com dados do Instituto de Desenvolvimento Rural da Academia Chinesa de Ciências Sociais, vinte e cinco milhões de casas da zona rural foram abandonadas nos últimos anos. Os trabalhadores estão sendo motivados pelo subsídio dado pelo Governo na compra de casas na zona urbana. Portanto, estão levando sua mão de obra para as metrópoles chinesas em busca de oportunidades.
Estar na capital continua sendo sinônimo de possibilidades. Mas, principalmente no século XX, com a modernização da agricultura e os grandes latifundiários interessados em investir em maquinário para substituir boa parte do trabalho humano, viver em uma cidade grande significava qualidade de vida.
Sirleide conta que, onde morava, no interior da Bahia, não havia energia elétrica, água encanada, saneamento básico e, muitas vezes, sequer alimento. “Nos anos noventa não existia Bolsa Família. Muita gente passava necessidade. Hoje, não falta o que comer. O governo, quando instaurou esses benefícios, pensou no pobre”, relembra.
Preconceito
A mudança de região exige uma série de adaptações culturais, como alimentação, ambientação e novos círculos sociais. Além de todas essas mudanças, a grande maioria dos migrantes, principalmente nordestinos, lida com a xenofobia. “As pessoas olham diferente”, conta Sirleide.
Isso se deve a uma construção de pensamento do início da industrialização da região sudeste, quando criou-se a ideia de que os migrantes estavam vindo “roubar” o emprego dos paulistas. Para Juliana, “é impossível não relacionar esse processo à forma como o capitalismo avançou para essa região que, historicamente, foi uma das que mais recebeu migrantes nesse fluxo por busca de empregos”.
Esse preconceito torna-se evidente em diversas situações, como ocorreu nas eleições de 2018, durante a qual nordestinos sofreram ataques nas redes sociais. Eleitores do presidente eleito, Jair Bolsonaro usaram argumentos preconceituosos para afirmar que nordestinos votam no Partido de Trabalhador (PT) por serem “ignorantes” e quererem usufruir do programa Bolsa Família.
“Povo nordestino votou em Haddad só por causa do Bolsa Família”. “Nordestino vota no PT, mas depois vem pro Sul procurar emprego”, “Ninguém quer trabalhar”, são alguns exemplos de mensagens divulgadas em redes sociais durante o período das eleições presidenciais. Em oito estados do Nordeste, Bolsonaro ficou em segundo lugar, atrás de Fernando Haddad.
Além disso, há resistência de diversas empresas, guiadas pelo preconceito, em contratar funcionários de outras regiões. Isso faz com que, muitas vezes, os migrantes, principalmente negros e pardos, ocupem funções de remuneração mais baixa e não conquistem tão logo a qualidade de vida que buscavam. Essas informações são evidenciadas em uma pesquisa do G1.
Inversão de comportamento
“Como o custo de vida na Bahia melhorou hoje em dia, decidi voltar pro interior. Assim, posso ficar junto com a minha família”, conta Sirleide. Atualmente, o saneamento básico, energia elétrica, acesso ao ensino e políticas públicas que incentivam a agricultura, tornaram o interior da Bahia um lugar com menos déficits que antigamente.
Hoje, com uma ação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) denominada Garantia – Safra, as secas já significam menos motivo de pavor aos trabalhadores do campo. Essa ação garante auxílio financeiro em casos de perda de mais de metade da safra. Dessa forma, os agricultores não ficam sem sustento quando a estiagem ataca os estados de Minas Gerais e a região Nordeste.
Além disso, o processo migratório rumo às grandes cidades que ocorreu antes das condições de vida no campo melhorarem gerou consequências. Com os milhares de trabalhadores rurais e outros que buscaram a cidade grande em busca de oportunidades, o superpovoamento das metrópoles começou a apresentar problemas.
Falta de mobilidade urbana, violência, desemprego, entre outros aspectos estão fazendo com que muitos repensem a vida nos grandes centros. “O número de migrantes tem diminuído por causa da estagnação econômica e desemprego nos grandes centros”, acrescenta Sirleide.
Interior como alternativa
Se pensarmos em uma explicação sociológica para esse fenômeno, nos deparamos com a Escola de Chicago. Essa linha de pensamento explica o êxodo urbano de capitais para regiões periféricas. “Podemos trazer essa linha de pensamento para o contexto atual considerando o interior como destino”, aponta Juliana.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, atualmente, o estado de São Paulo tem 3,7 milhões de pessoas desempregadas, sendo que, 2 milhões desse total habitam a Grande São Paulo.
Enquanto isso, empresas do interior têm atraído migrantes de todo o Brasil, como é o caso da cidade de Severínia, que teve aumento significativo na criação de vagas na área de tecnologia do agronegócio.
Esse também é o caso de Palestina, interior de São Paulo. As usinas de açúcar e álcool localizadas no município renderam 400 contratações nos últimos anos. As principais funções envolvem a mecanização do trabalho rural, como operação de máquinas para colheita.
Além disso, a criação de universidades públicas no interior, apesar da atual falta de investimento, também fez com que a economia de cidades do interior fosse movimentada e gerasse mais empregos, principalmente no comércio, ao longo dos anos. Quando os estudantes terminam a graduação e decidem permanecer na cidade, há ganho em mão de obra qualificada para diversas funções.
Êxodo urbano
Qualidade de vida, tranquilidade, menor índice de violência urbana, oportunidades de trabalho e vida familiar são as principais aspirações dos migrantes. Em decorrência dessas migrações, inicia-se um novo ciclo. Aos poucos, o interior está incorporando os déficits dos grandes centros, como falta de mobilidade urbana, níveis de desemprego -como há em qualquer cidade- e violência.
De qualquer forma, tanto para trabalhadores rurais quanto para outros profissionais, o interior tem se apresentado como alternativa para uma vida mais serena e com possibilidades de recomeço profissional e pessoal.
Reportagem: Rhaida Bavia
Produção multimídia: Felipe Monteiro
Edição: Giovanna Castro