Brasil se consolida como destino para imigrantes que buscam oportunidades de emprego. No entanto, burocracias na legislação trabalhista dificultam a estadia e diminuem as chances de trabalho formal no país para quem vem de fora
“O Brasil surge na imigração”, diz o cientista social Leonardo Luz relembrando a chegada dos portugueses ao Brasil. Ainda como uma imigração espontânea, ela abriu margem para que outras movimentações ocorressem no país. Historicamente, a chegada dos povos africanos durante o período de escravidão marca a primeira movimentação no Brasil com foco em trabalho – sendo uma migração forçada, como explica Leonardo Luz. “Em um primeiro momento, existe essa visão do imigrante como parte da cadeia produtiva e mais um elemento a ser explorado, sendo essa a situação dos negros e indígenas”.
Posteriormente, o cientista social destaca que a chegada dos imigrantes europeus passa a ser parte de um projeto de limpeza étnica nacional. “No auge das ideias higienistas, por volta do século dezenove, acreditava-se que o atraso brasileiro em relação às outras potências mundiais se dava pelo grau de mestiçagem da nação”, explica. Nesse cenário, as políticas públicas brasileiras passaram a incentivar a vinda de povos brancos para o Brasil.
Novo fluxo de imigração
Atualmente, a Polícia Federal estima que a população estrangeira no país gira em torno de 750 mil, o que equivale a 0,4% em um total de 204 milhões de habitantes. Apesar desse número ter crescido nos últimos anos, o Brasil tem ainda menor concentração de imigrantes que países vizinhos, como Argentina (4,9% da população) e Paraguai (2,4% da população).
Os dados coletados mostram que desse total de imigrantes em terras brasileiras, mais da metade têm entre 19 e 30 anos, ou seja, estão em idade produtiva. O último anuário fornecido pelo SINCRE (Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros) mostra que entre 2011 e 2017 foram concedidas mais de 337 mil autorizações de trabalho no Brasil. No entanto, as mulheres representam apenas 10,7% desse total.
A tabela revela que os imigrantes de países que apresentam os menores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), possuem as menores médias salariais entre os imigrantes no Brasil.
Costurando fio à fio
Entre o número de estrangeiros no país, destaca-se a entrada de pessoas de outros países latino-americanos. Os bolivianos representam o maior fluxo migratório, ocupando o primeiro lugar nos dados prévios da Polícia Federal – que conta com 106 mil imigrantes (entre 2000 e 2016).
Eles estão inseridos majoritariamente na categoria de trabalhadores da produção de bens e serviços industriais e representam cerca de 42% desta mão de obra – boa parte atuando como costureiros.
Essa foi a realidade do boliviano Juvenal Bazan Villca, de 32 anos. Nascido na cidade de Cochabamba e formado em Odontologia, ele chegou ao Brasil em 2014 buscando realizar o sonho de uma Pós-Graduação na Universidade de São Paulo (USP). “Apenas um estrangeiro é aceito por área, e eu fui o escolhido para uma turma com mais onze brasileiros”, afirma orgulhoso. Nos primeiros meses no país, Juvenal ficou na casa de uma médica, “ela me considerava como um filho”.
Com medo de incomodar, ele passou a buscar oportunidades de emprego na cidade de São Paulo. “Quando cheguei ao Brasil, me disseram que eu deveria costurar porque os lugares forneciam comida e teto”. Foi assim que ele encontrou a “casa de costura”, próxima ao terminal da Penha (São Paulo), em que trabalhou por três meses.
Juvenal dormia em um quarto pequeno que cabia apenas uma cama e uma mesinha. Ele e mais duas famílias estrangeiras comiam e trabalhavam no mesmo local. “Dava dó, as famílias não podiam sair muito de lá porque tinham que costurar para sobreviver”, conta.
O expediente era das sete da manhã às sete da noite, inclusive aos finais de semana. Por mês, Juvenal conta que tirava entre R$600 e R$700, dependendo da produção. “Nós recebíamos por peça de roupa e cada uma saía por mais ou menos R$1, algumas por R$0,50”. Além disso, ele também afirma que não tinha conhecimento das leis trabalhistas e que não possuía vínculo empregatício.
Um recomeço para Juvenal
Ao começar as aulas da Pós Graduação, Juvenal teve que buscar outras fontes de renda para que pudesse conciliar o trabalho com os estudos. “Cheguei a trabalhar como dentista, mas apenas na universidade. A permissão que eu tinha só me autorizava a trabalhar lá e também não podia receber por isso”.
Assim, ele passou a atuar em consultórios da área e ganhava cerca de 40% dos serviços que prestava. “Eu ajudava outros dentistas, trabalhava como recepcionista, secretário, qualquer coisa que precisasse nos consultórios dentários”, afirma. Como assistente, Juvenal trabalhava de segunda a sábado, das 9h às 12h e das 14h às 18h, e o salário chegava a dois mil reais.
Contudo, a costura voltou para sua vida ainda no Brasil. Após terminar a primeira especialização, ele ingressou em um segundo curso na USP e, para conseguir uma renda extra, foi trabalhar com um amigo no bairro do Brás. “Fui vender roupa e como já sabia negociar, ajudava ele das quatro às nove da manhã”. O trabalho era esporádico e Juvenal recebia quarenta reais pelo dia mais o café da manhã.
Ele regressou à Bolívia em 2018 para realizar mais um sonho: estudar Medicina. “Enquanto eu estava no Brasil, me disseram que medicina dava dinheiro. Depois de quatro anos em São Paulo, eu voltei para a Bolívia para me especializar em Medicina. Quando terminar os estudos, pretendo retornar ao Brasil”, revela. O dentista destaca que a formação que adquiriu na USP rendeu bons frutos. Hoje, Juvenal atua como professor e realiza conferências em diversas cidades de seu país de origem.
“Imigração é muito difícil”
As universidades brasileiras também foram a motivação para que Mustafa Umut Kafadar decidisse criar raízes no Brasil, mais especificamente na cidade Bauru, centro-oeste do estado de São Paulo. O turco, nascido na cidade de Istambul, veio ao país em 2006 por meio de um intercâmbio cultural realizado pelo Rotary Internacional – associação que une voluntários para serviços humanitários.
Ao chegar em terras bauruenses, Mustafa conta que foi muito bem acolhido e aos poucos percebeu que poderia ter um futuro por aqui, tanto por ter gostado do país como pelas oportunidades de emprego. “Terminando o intercâmbio eu voltei pra Turquia, mas fiquei com saudades. Gostei muito daqui e quis voltar (…) Naquela época, a oportunidade de trabalho parecia melhor também. Como eu falo inglês e maioria das pessoas aqui não falava, parece que eu consegui emprego mais fácil do que conseguiria lá”.
Depois de dois meses em Bauru, Mustafa conseguiu um estágio na Volvo – multinacional automobilística – mas passou por algumas burocracias para se regularizar como estudante. Ao procurar a universidade na época, não obteve respostas precisas. Ele conta que não conseguia se matricular na faculdade, pois esta exigia o visto. No entanto, a embaixada precisava da matrícula para emitir este documento. “Entrei e fiquei ‘Para onde vou agora?'”, lembra ele.
Sem ter quem o orientasse, Mustafa decidiu buscar informações por conta própria. “Eu mesmo abri as leis e comecei a ler, com isso, percebi que eu precisava da garantia de matrícula, e não a matrícula em si. Expliquei isso para a faculdade e eles emitiram este documento e, assim, consegui emitir o visto.”
Além disso, o estágio que estava realizando só era permitido porque não contava como atividade remunerada, que é vetada a estrangeiros com documentação de estudante. Assim, Mustafa só conseguiu ter direito a trabalhar após casar-se com uma brasileira. “Quando casei tive direito ao trabalho. (…) Uma das formas mais fáceis [de conseguir o direito] era através de casamento”, conta.
“Para alguém conseguir trabalhar aqui sem criar família é muito difícil. Você tem que comprovar muita coisa, ter pós-graduação, experiência de pelo menos 2 anos na área para tirar um visto que vai valer apenas dois anos. Imigração é muito difícil.”
Mustafa Umut Kafadar
“Mas não foi por isso que casei”, brinca Mustafa. Agora brasileiro, ele afirma que não pretende sair do país. “Amo minha esposa e já criamos nossa vida aqui. No momento, a gente tá feliz demais.” Saiba mais sobre a história do Mustafa no vídeo a seguir:
Os caminhos de quem busca ficar
As burocracias enfrentadas na legislação que rege à imigração incentivam a clandestinidade, de acordo com o advogado trabalhista Marcelo Martins Cesar. “A entrada clandestina gera muitos problemas ao migrante, que é obrigado a trabalhar em sub empregos, em péssimas condições e com salários baixíssimos”, explica.
Não há números exatos sobre a imigração ilegal no Brasil, no entanto, movimentos no Senado para a desburocratização resultaram na nova Lei da Imigração, que regula a situação de estrangeiros no país.
O advogado explica que o Brasil não não faz distinção com imigrantes e a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) asseguram os direitos trabalhistas dos nacionais e dos estrangeiros. No entanto, para garantir oportunidades de emprego regulamentadas é preciso tomar alguns cuidados. Saiba mais abaixo.
- Antes de virem ao Brasil, o estrangeiro deve estar munido de passaporte válido de seu país, com visto* emitido pelo Consulado Brasileiro. Cidadãos dos Países integrantes do Mercosul não necessitam de visto para entrar no Brasil.
- Para trabalharem, de forma regular, devem procurar o consulado de seu país e solicitar visto de trabalho.
- As Leis Trabalhistas Brasileiras são aplicadas ao estrangeiro sem qualquer restrição, integrando toda a Consolidação das Leis do Trabalho “CLT”.
- O Imigrante que se sentir ou verificar algum tipo de abuso, pode acionar órgãos como Delegacias do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Sindicatos mediante denúncias. Pode ainda, procurar o Judiciário para buscar seus direitos e fazer sua Reclamação Trabalhista.
- As obrigações da empresa que contrata um imigrante como um nacional é realizar o registro em sua Carteira de Trabalho, realizar o cadastro do empregado junto aos órgãos do trabalho, pagar os salários, benefícios assegurados pela CLT e Convenções Coletivas de Trabalho da Categoria, recolher o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e realizar o depósito do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Reportagem: Maria Gabriela Zanotti
Produção multimídia: Ana Cristina Marsiglia
Edição: Gabriella Brizotti