A vida rítmica e harmônica
O cotidiano das pessoas também é música. Não apenas os clichês barulhos, conversas, sons; mas também o ritmo de suas rotinas, a harmonia da convivência com as pessoas ao redor, a intensidade com que vivem. Confira aqui o perfil de três pessoas que, por trabalharem com música, transformaram-na em elemento fundamental de suas vidas
Tic tac tic tac tic tac. O tempo passa e as pessoas mudam, mas a música é eterna. Eterna porque está sempre presente, eterna porque transforma ao mesmo tempo em que mantém. Olhe ao redor: tudo no seu cotidiano é música. As vibrações são invisíveis, mas os ruídos incomodam, os ritmos orientam, as melodias harmonizam.
Para algumas pessoas, música é realmente tudo. Faz parte de quem elas são, de onde vivem, e cada nota marca um passo diferente em sua trajetória. Para quem trabalha com ela, nenhum som passa despercebido. Suas histórias viram uma grande canção, que mistura compassos e descompassos para continuar sendo vida escrita.
Para essa reportagem, conseguimos conversar com três dessas pessoas. Aqui, tentamos exprimir em palavras a intensidade das mudanças que a musicalidade trouxe para suas rotinas. Escute com a gente!
A música na vida de um Dom
Música é coisa de família para Dom Black. Aos 5 anos, ao invés de ouvir conselhos do pai, teve de aprender sobre a vida com Tupac Shakur. Depois vieram Racionais MC, Tim Maia, os outros parentes, as influências da black music… O menino ouvia tudo com muito cuidado e admirava o carinho com que essas pessoas conversavam com ele.
A mãe de Dom Black não gostava de rap, não senhor: as letras tinham muito palavrão e as histórias de vida eram muito tristes. Era engraçado ver o moleque dançando Michael Jackson em casa, mas isso não ia ajudar em nada o menino que não gostava de ir à escola. Acontece que, para entender música, ele precisava aprender – e a leitura e os documentários o levaram para o caminho das rimas, das batidas, do argumento. Agora, a música o leva para o caminho dos saraus, das universidades, do teatro e dos shows.
Hoje, Dom Black canta para centenas de pessoas e constrói para elas o mesmo tipo de discurso poderoso que aprendeu quando criança. Inspira os outros a respeitarem, a sentirem, a lutarem. Seus sons são simplíssimos, mas suas palavras são fortes, concretas; a mensagem é mágica. Não é poesia, mas incentiva as pessoas malucas a imaginar; não é literatura, mas explica a rotina muito bem. E seus fãs, ah, esses não são pessoas quaisquer; são irmãos que apoiam, que compartilham histórias e que o enchem de forças para continuar.
Quando o cotidiano esbarra no erudito
José Paulo Castro Berbel tem 66 anos, mas a música o fez imortal – não só porque ocupa a cadeira nº 72 na Academia Nacional de Música, com sede no Rio de Janeiro, mas porque deixa um legado de aprendizado para muitos outros músicos. Berbel ensinou e continua sendo ensinado, escutou e se deixou ser ouvido e, ao mesmo tempo em que cria arranjos, absorve do mundo todos os sons e ritmos que pode.
Para ele, a harmonia da vida vem da própria natureza. José sabe identificar momentos intensos, mas também tem calma para aproveitar a sintonia entre as cores, as formas, os seres. Entende que o equilíbrio vem com o tempo, com o crescimento regular e compassado, e reconhece na música seu sustento – seu trabalho e sua segurança. Ser maestro o ajuda a ter disclipina em situações difíceis, a praticar mais diante das dificuldades, a reger sua família com educação e amor.
A união de Berbel com a música é eterna. Sua paixão, ainda criança, se desenvolveu em história complexa, com altos e baixos coordenados para formar uma melodia real. A peça de sua vida não anda sem música e a música, de certa forma, não vive sem ele, já que depende de suas experiências para ganhar sentido. Eles não se separam; se completam.
Compasso apressado
Para falar da influência da música na vida de Walter, tem que se falar de pressa, de correria. Isso porque, mesmo com o dia lotado de coisas a fazer, ele encontrou tempo para um bate-papo coerente – e mostrou que a cadência harmônica das nossas vidas só pode ser criada e sustentada por nós mesmos.
Walter Claro é ritmo acelerado. No total, são nove bandas de rock: um conjunto polifônico, já que ele cria e reproduz. Somam-se 25 alunos de guitarra e violão e duas mulheres em sua vida – também apaixonadas por música e abraçadas pela sensibilidade que ele conquistou através dos sons. O resultado não é proporcional, mas o deixa muito realizado.
A presença da melodia veio discreta, com balanço leve na infância, até que se tornou composição inevitável em seu cotidiano. Para ele, os ritmos e riffs estão presentes nas pessoas, na profissão, na musculação. Nesse exercício, até o fôlego é compassado: e não podia ser diferente, já que ele realmente respira música. E é bem nesse inspira e expira sonoro que se encontra a afinidade de todos os músicos: os laços do som são invisíveis e essenciais às suas vidas, como o ar.
Colaboração: Amanda Tavares