Feminicídio: Como e por que as mulheres morrem?

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A expressão máxima da violência contra a mulher é o feminicídio. As mortes de mulheres causadas por conflitos de gênero, ou seja, pelo fato de serem mulheres, envolvendo “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, são caracterizadas como feminicídio ou femicídio, de acordo com as leis brasileiras. E quem comete esse tipo de crime? Qual é a situação do Brasil no número de casos? Qual a punição para quem comete feminicídio?

A origem do crime

O feminicídio ainda é um crime comum por conta da desigualdade de gênero nas relações entre homens e mulheres, que as coloca em condição de inferioridade e passividade em relação ao homem. As advogadas Ana Paula Braga e Marina Ruzzi, do primeiro escritório de advocacia do Brasil especializado em direito das mulheres e desigualdade de gênero, explicam que “no contexto de relacionamentos íntimos, a mulher ainda é vista como propriedade masculina, e o feminicídio é uma resposta cruel para as mulheres que desafiam os papeis que lhe são impostos: boa mãe, boa esposa, recato, docilidade, passividade, entre outras”.

O que diz a lei

Pela edição da Lei nº 13.104/2015, chamada de Lei do Feminicídio, esse tipo de crime tornou-se uma qualificadora do crime de homicídio, ou seja, é uma circunstância que aumenta a pena base do crime de homicídio comum, e foi adicionado ao rol dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990), tal qual o estupro, genocídio e latrocínio, entre outros. A pena prevista para o homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos, mas é agravada em 1/3 quando o crime acontece em situações específicas de vulnerabilidade, como gravidez, vítima menor de idade, crime cometido na presença de filhos, etc.

Quem são os criminosos?

Geralmente, o feminicídio é cometido por homens – principalmente de relações íntimas, como parceiros ou ex-parceiros, e se originam de situações de abusos domiciliares, ameaças, violência sexual, ou casos nas quais a mulher tem menos poder ou menos recursos do que o homem. Segundo dados do Mapa da Violência (Flacso, 2013), dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares. Em 33,2% destes casos, o crime foi praticado por parceiros ou ex-parceiros.

E quem são as vítimas?

A população negra é vítima prioritária da violência homicida no país. Beatriz e Marina apontam que a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentou 54% em 10 anos, passando de 1.864 em 2003 para 2.875 em 2013. No mesmo período, o número de homicídios de mulheres brancas diminuiu 9,8%, caindo de 1.747, em 2003, para 1.576, em 2013. Por esse motivo, nos últimos anos, o índice de mortes entre a população negra cresceu de forma drástica. Já em relação à idade das vítimas, a maioria delas possui entre 18 e 30 anos.

O feminicídio no Brasil

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), aproximadamente 40% de todos os homicídios de mulheres no mundo são cometidos por um parceiro íntimo. Em contraponto, essa proporção é próxima a 6% entre os homens assassinados, ou seja, a proporção de mulheres assassinadas por parceiro é 6,6 vezes maior do que a proporção de homens assassinados por parceira. No Brasil, no período de 2001 a 2011, estima-se que ocorreram mais de 50 mil feminicídios, o que equivale a cerca de cinco mil mortes por ano. Acredita-se que grande parte destes óbitos foram decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher, uma vez que aproximadamente um terço deles tiveram o lar como local de ocorrência.

O mais recente estudo de homicídio de mulheres no Brasil, realizado por Julio Jacobo Waiselfisz e publicado no Mapa da Violência, mostra que, com uma taxa de 4,8 assassinatos em 100 mil mulheres, o Brasil ocupa a quinta posição do número de feminicídios em um ranking de 83 nações com dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Entretanto, como o machismo é um problema estrutural, não é só no Brasil que esse é um crime frequente. No nosso país, a maior parte dos feminicídios é cometido em contexto de relacionamento íntimo”, ressaltam as advogadas.

Apenas El Salvador, Colômbia, Guatemala (três países latino-americanos) e a Federação Russa apresentam taxas superiores às do Brasil. Mas os valores nacionais são muito superiores às de vários países tidos como civilizados:

  • 48 vezes mais homicídios femininos que o Reino Unido;
  • 24 vezes mais homicídios femininos que Irlanda ou Dinamarca;
  • 16 vezes mais homicídios femininos que Japão ou Escócia.

Nesses 83 países analisados, a taxa média foi de dois homicídios por 100 mil mulheres. A taxa de homicídios femininos do Brasil é 2,4 vezes maior que a taxa média internacional.

A pesquisa Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil, realizada em 2013 e coordenada pela técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto Leila Posenato Garcia, constata que o Estado brasileiro com a maior taxa de feminicídios é o Espírito Santo, com 11,24 mortes a cada 100 mil mulheres. A Bahia ocupa o segundo lugar, com 9,08 mortes e é seguida por Alagoas, com taxa de 8,84 mortes.

O feminicídio na mídia

De acordo com Fernanda Valente, jornalista e redatora do Justificando, os veículos midiáticos estão cobrindo cada vez mais os casos de crimes contra a mulher, porém eles não tratam o feminicídio como tal. “As narrativas de ‘crime passional’ são um exemplo disso. Quando um namorado, sob alegação de ciúme, mata a namorada, é feminicídio, mas não é chamado assim”, argumenta.

Na perspectiva da lei, os crimes passionais são agressões físicas e morais cometidas sob o sentimento da paixão (que engloba o amor, o ódio, o ciúme, o patriotismo, a piedade, entre outros) contra pessoas que possuem vínculo afetivo, seja ele sexual ou não, o que significa que os crimes passionais podem acontecer entre companheiros, amigos e familiares. Quem comete um crime passional apresenta uma necessidade extrema de dominação sobre sua vítima, autoafirmação e preocupação com sua reputação e honra. Por esses motivos, esse tipo de crime é chamado de homicídio privilegiado, no qual há uma redução da pena para o criminoso. De acordo com o § 1º do art. 121 do Código Penal,

Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Vale lembrar que a emoção não isenta o criminoso de sua responsabilidade pelo ato criminal.

Para a jornalista, o interesse da cobertura midiática desses casos pode se dar por conta de dois principais fatores: maior conscientização popular e cobrança social. “A sociedade não está mais aceitando o velho discurso de que ‘em briga de marido e mulher, não se mete a colher’. Quando há um caso de violência contra a mulher, independentemente do ambiente e forma que venha a acontecer, as pessoas cobram uma intervenção do Estado. O que eu acho problemático é a abordagem em relação ao tema, principalmente na TV. Dificilmente os meios de comunicação que estejam atrelados ao uso da imagem para narrar uma história conseguem tratar da violência com sensibilidade e sem objetificar as mulheres”, aponta.

E como a mídia pode ajudar na luta contra o feminicídio? Por meio da intensa divulgação de iniciativas que procuram explicar o que é feminicídio, o que é violência contra a mulher e como funciona a lei Maria da Penha são bons caminhos. “A imprensa, por natureza, já cumpre um papel de prestação de serviço público. No caso do feminicídio, os veículos podem ir além e oferecer assistência às mulheres que sofreram algum tipo de violência, contando suas histórias, divulgando informações e, quem sabe assim, fazer com que outras mulheres não se sintam sozinhas e tenham força para lutar por um direito fundamental que é a vida”, finaliza Fernanda.

Casos famosos

Alguns crimes contra a mulher ganharam destaque na mídia ao longo da história, seja pela forma de execução, pelo motivo dos crimes, pela punição dos criminosos ou pelo reconhecimento social dos envolvidos. Relembre alguns casos de repercussão nacional e internacional:

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Repórter: Flávia Magalhães

Produção Multimídia: Bianca Furlani

Edição: Danielle Cassita

Foto de capa: Flores trancadas em uma gaiola (Créditos: Gabryella Ferrari)

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