Sequelas da violência na história da humanidade
A violência é tão antiga quanto o homem, porém, estudos divergem quanto à sua inerência à espécie. À medida que a vida coletiva se desenvolveu, instrumentos e formas de organização foram planejados com a intenção de proporcionar ao homem maior controle do meio e dos seus semelhantes.
Nos primórdios da civilização humana, a violência foi praticada como uma forma de sobrevivência frente às adversidades impostas pelo ambiente. Para sobreviver, o homem tinha que subtrair alimentos da natureza através da coleta e da caça.
Em sua obra O que é violência, o historiador Nilo Odalia afirma que não se pode deixar de reconhecer que uma das condições básicas da sobrevivência do homem diante da hostilidade da natureza foi sua capacidade de praticar uma forma de violência “desconhecida pelos outros animais”.
Nesse sentido, a professora de psicologia, Nilma Silva, diz que a força era empregada para construir instrumentos facilitadores da exploração do meio natural e para a autodefesa dos indivíduos. Periodicamente, a migração se fazia necessária devido ao esgotamento da terra e, aos poucos, isso se tornou elemento de conflito.
O filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço frequentemente é tomado como exemplo para ilustrar um dos primeiros objetos transformados em instrumento pelos ancestrais humanos, o osso. Em uma das cenas, um macaco ergue um osso que, a partir de um efeito especial, é transformado em espaçonave, numa clara representação da evolução dos artefatos feitos pelo homem através da legitimação da violência.
O legado violento da antiguidade clássica
Nesse período, formas de organização foram criadas para regular as relações de convivência e estabelecer as responsabilidades de cada indivíduo no conjunto social.
A tradição greco-romana deixou como legado: o sistema de diferenciação entre seus cidadãos ou, em outras palavras, institucionalizou a violência social. Em Esparta, os indivíduos eram divididos em classes sociais de acordo com sua origem. Os cidadãos legítimos deveriam se dedicar ao aperfeiçoamento do corpo, de suas forças e defender a cidade no caso da eclosão de uma guerra. Aos demais indivíduos era vetado o direito de participação na vida política, devendo trabalhar para manter a economia e a manutenção da organização vigente.
Atenas foi a cidade-estado em que o cidadão deveria se dedicar ao desenvolvimento de seu intelecto em detrimento do trabalho físico. Este ficava a cargo dos escravos que, assim como em Esparta, deveriam produzir para abastecer a comunidade e possibilitar a comercialização de produtos.
Em Roma, a diferenciação dos grupos sociais se assemelhava à organização grega e a vida política era regulada pela legitimação da violência social. As leis foram desenvolvidas como instrumentos asseguradores dos privilégios dos pequenos grupos sob a maioria marginalizada.
A queda do império greco-romano e a conquista de suas terras por outras civilizações não implicou a destruição do seu sistema de regulação social. Os privilégios foram mantidos aos descendentes dos cidadãos legítimos e estes passaram a impor sua soberania no sistema feudal.
Para Nilo, a violência está presente na sociedade desde os tempos mais remotos e sua prática levou ao aperfeiçoamento de suas várias faces. As desigualdades são responsáveis por essa forma de comportamento humano e sua manutenção gerou conflitos que conduziram ao aprimoramento das técnicas de eliminação e subordinação do outro.
A violência em tempos medievais
Os senhores feudais detinham a terra e os instrumentos utilizados para seu cultivo. Nela, os escravos trabalhavam e, em troca, recebiam alimentação, moradia e proteção. Essa organização era estabelecida através de contratos de fidelidade que legitimavam punições àqueles que desobedecessem às regras de organização do feudo.
Durante a Idade Média, a violência era utilizada com a finalidade de punir transgressões, educar e intimidar a proliferação do senso crítico entre os grupos sociais marginalizados. Este foi um dos períodos históricos mais violentos, no qual a aplicação das punições era convertida em espetáculos sangrentos para demonstrar o poder da estrutura social vigente.
Milhares de homens foram guilhotinados, enforcados e torturados cruelmente em praça pública sem qualquer possibilidade de defesa. A Igreja e o Estado cumpriam a função de juízes e sentenciavam de acordo com o grau do embate representado pelas ações contrárias ao sistema de classes.
O homem moderno e a complexização da violência
Historicamente, fé e religião são instrumentos de suporte do homem e potenciais geradores de discórdias. A Igreja Católica, instituição religiosa mais influente da história, desenvolveu papel político em conjunto com o Estado e ajudou a elaborar sistemas de segregação entre os indivíduos através da venda de indulgências e castigos a praticantes de heresias e violações à ordem social.
Na Modernidade, o homem se sente mais independente e capaz de compreender seu papel social. A racionalidade humana é tomada como a referência máxima dos comportamentos dos indivíduos e tal concepção leva ao afastamento entre religião e assuntos burocráticos da vida cotidiana.
O desenvolvimento do comércio impôs a necessidade de expansão dos domínios de terras entre as grandes nações mercantilistas que se lançaram na corrida pela conquista de novos territórios. Nesse contexto, os países passaram a investir na navegação marítima e em sistemas de defesa de suas posses.
A tecnologia dos transportes e da violência seriam empregadas para defender interesses nacionalistas baseados na estrutura capitalista de mercado. A partir daí são delineadas as marcas desse sistema econômico e organizacional da sociedade.
Para Nilma Silva, o capitalismo é, por natureza, discriminatório e gerador de conflitos. Seu funcionamento prevê a desigualdade e, portanto, a ocorrência de atos violentos como forma do homem defender seus interesses.
As descobertas e o direito de exploração de terras geraram conflitos entre Itália, Inglaterra, Espanha, Portugal e outros países. Uma das consequências desse embate foi a eclosão da Primeira Guerra Mundial e a divisão indiscriminada do território africano.
A violência na contemporaneidade
A indústria de aparatos de guerra recebeu investimentos maciços e acelerou a competitividade para garantir a segurança nacional dos países envolvidos no conflito. O impacto humano foi expressivo, porém incapaz de por fim a defesa dos interesses particulares das nações.
Como extensão da primeira, eclode em 1939 a Segunda Guerra Mundial. De proporções mais devastadoras, devido à evolução dos equipamentos, esse conflito representa a máxima da habilidade humana para empreender destruição e terror. Em 1945, o mundo assistiu os ataques norte-americanos a Hiroshima e Nagasaki e pôde constatar a amplitude da criação humana para sua autodestruição.
Durante a Guerra Fria, capitalismo e socialismo disputaram áreas de influência ideológica, política e econômica. Conflitos de naturezas diversas repercutiram e fizeram milhares de vítimas, ao passo em que se lançava a nova demanda mundial: fontes de energia.
A diplomacia é uma forma de conciliação, realização de acordos formais entre países e uma maneira racional de se resolver conflitos sem a utilização da violência em sua forma explícita. Ela não garante a solução permanente dos problemas, mas auxilia no controle do homem em querer demonstrar sua capacidade de empreender a violência.
O percurso histórico da violência social mostra que, ao passo em que o homem se desenvolve e passa a viver em sociedades complexas, a violência perde sua característica natural de autodefesa e é convertida em instrumento de organização coletiva.
Reportagem: Jéssica Santos
Tirinha: Carolina Ito
Edição: Carolina Ito
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