Violência social: um problema de desigualdade
Assalto, roubo, furto, negligência, agressão física, agressão verbal, bullying, invasão de privacidade, preconceito… Esses são alguns exemplos clássicos de formas de violência. Mas a violência social é um problema que vai muito além, pois atinge segmentos específicos da população.
A discussão em torno do conceito de violência social é muito ampla e variada, além de abranger diversas áreas de conhecimento. Há teorias que utilizam o embasamento psicológico, voltando-se para a psique; outras que alegam que a violência está ligada à maldade, apoiando-se em conceitos religiosos; algumas que se baseiam no fato de acreditarem que a sociedade forma a violência e dita o que é ou não violento socialmente. Uma teoria que merece destaque em meio a tantas é a de Hannah Arendt, que diz que violência é o contrário de poder, é o que o limita e o que o testa.
Se para os teóricos o conceito é problemático e não-homogêneo, para a sociedade não seria diferente. As classes sociais têm suas visões com relação à violência baseando-se principalmente no meio em que estão inseridas, em suas visões culturais e políticas.
Para Lucas Ferreira, morador da periferia e porteiro de um residencial da classe média, por exemplo, violência é “tudo que vai contra a moral das pessoas, quando uma pessoa é desrespeitada ou discriminada na sociedade”. Já o professor e coordenador do Observatório de Segurança Pública da Unesp de Marília Luís Antonio Francisco de Souza diz que “uma sociedade que não discute ou cria instrumentos de compensação ou minimização da violência tem, certamente, alta tolerância a ela e, neste sentido, dá apoio, mesmo que inconsciente à violência física”.
Violência em toda parte
Os grupos sociais vulneráveis costumam ser o maior foco de violência social. Neles estão os pobres, negros, mulheres, crianças, jovens, idosos, indígenas, homossexuais e todos aqueles tachados como problemas para a sociedade. O rapper mariliense Kelvin Dom sente-se violentado a todo momento: por ser morador da periferia e negro, ele acredita que o demérito social é dobrado. “É incrível como nós sempre temos o perfil do suspeito, nunca o da vítima. Quando eu paro uma senhora para pedir informação no centro, ela se assusta e isso acontece com frequência. E não só com senhoras. Pessoas de todas as idades. Quando eu entro em um desses supermercados, os seguranças costumam me seguir e a polícia sempre se refere a mim como ‘ladrão’, nunca como um cidadão de bem, e não é só comigo, acontece com meus amigos e vizinhos, acontece com todo mundo que vem da periferia”, relata.
Thalita Liz de Lima é ortodontista e moradora de um condomínio de prédios de classe média em Bauru. No final do ano passado, ela foi vítima de furto: seu apartamento foi invadido por pessoas não identificadas e vários de seus pertences foram levados. Ela acredita que essa não foi a primeira e nem será a última vez que foi violentada e conta que a violência social está em toda a parte: “eu acho que todas as classes sociais são parte da violência hoje em dia, direta ou indiretamente”, diz.
O professor Luís Antonio expõe que “o problema é que damos mais atenção à violência criminal do que às outras formas de violência que, em geral, são mais perversas e podem deixar marcas tão profundas como um roubo ou uma agressão física”. Um bullying referente ao peso de Thalita durante sua infância, por exemplo, foi tão prejudicial para ela quanto o furto em sua residência. Para ela, “isso também é violência”.
Proteção
Os modos de se proteger da violência são diversos. Thalita, por exemplo, diz se proteger “de todas as formas possíveis” e, inclusive, colocou alarme em seu apartamento. O porteiro Lucas percebe as diferenças na forma como as pessoas são protegidas da violência em seu bairro e no bairro onde trabalha. “A polícia passa o tempo todo e me cumprimenta. Onde eu moro, quando a polícia passa, me para ou passa me observando”. Ele completa dizendo que “lá o único método de se proteger é com a polícia mesmo”.
O rapper Kelvin não procura proteger-se com nenhum aparato. Ele acredita que a melhor forma de se proteger é “não sendo uma estatística”, é contrariar as expectativas e preconceitos que a sociedade cria em torno dele.
Violência tem fim?
Segundo o livro “O que é violência”, de Nilo Odalia, o “viver em sociedade foi sempre um viver violento. Por mais que recuemos no tempo, a violência está presente, ela sempre aparece em suas várias faces”. Luís Antonio concorda e complementa, dizendo: “infelizmente, a análise comparada nos permite dizer que a violência não pode ser extinta. Nenhuma sociedade histórica conhecida viveu sem diferentes formas de violência, quer aquelas voltadas para dentro de suas fronteiras, quer aquelas voltadas para os estrangeiros”.
Para Thalita, é preciso “ter uma educação decente para, assim, ter uma política decente e uma cultura melhor. Sem essas melhoras, não tem como ter fim”. O professor completa: “não é possível que nos século XXI ainda aceitemos as condições absolutamente precárias de vida dos moradores das periferias e a baixa expectativa dos jovens em relação à educação e ao emprego”. Para ele, “o Brasil precisa garantir direitos, incluir grupos sociais vulneráveis e controlar suas instituições, sobretudo, as instituições da chamada justiça criminal, como polícia, prisões e instituições de internação de jovens”. Logo, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para chegar a uma situação mais pacificada.
A música “Concreto”, de Kelvin Dom, conta um caso de discriminação em meio à violência social urbana.
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Kelvin escreve músicas sobre a violência do Estado contra a sociedade e se sente violentado diariamente. Ele acredita que suas músicas representam “a necessidade de confortar as pessoas que também passam por isso todos os dias, mostrar pra elas que elas não estão sozinhas, pelo contrário, são a maioria”. Ele reafirma o papel da sociedade diante desse contexto: “a violência é contra mim. É de minha responsabilidade ir contra essa violência. É de responsabilidade de todos nós”, finaliza.
Reportagem: Mayara Abreu Mendes
Produção: Mayara Abreu Mendes
Edição: Carolina Ito