Prendam o bandido! Atendam às vítimas?
Quando o assunto é violência um dos aspectos mais debatidos pela população e pela grande mídia é a punição dos culpados. Mas e as vítimas? A forma como os violentados lidam com o trauma vivido nem sempre recebe atenção.
Essas vítimas não são negligenciadas apenas pelos que produzem conteúdo, ou pelos que recebem a informação por meio dos meios de comunicação. Segundo Akemi Kamimura, mestre em direitos humanos pela USP, reduzir o enfrentamento da violência ao plano repressivo-punitivo e focar as ações no agente violador pode trazer consequências: “outras questões relevantes, como o contexto dessa ocorrência, mecanismos de resolução de conflitos, vítimas de violência, redes comunitárias, dentre outras, deixam de ser devidamente consideradas para efetivo rompimento do ciclo de violência”, explica.
O Relatório Mundial da Violência da Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a violência em quatro diferentes grupos: a sexual, a psicológica e a que envolve maus tratos e negligência. Lígia Costa Leite, professora e pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, ainda destaca a violência silenciosa que está presente no dia-a-dia dos violentados, e mina sua saúde física e mental, “sua característica principal é o fato de ser naturalizada por quem a sofre, quem pratica e quem a observa. Ela se encontra no cotidiano das desigualdades sociais, na ausência de políticas públicas resolutivas e no não cumprimento das leis”, aponta.
Políticas de assistência
No Brasil, as políticas públicas de apoio às vítimas de violência são, em sua maioria, específicas, atendendo o tipo de violência ou a vítima em questão. Existem políticas voltadas às crianças e mulheres, as vítimas de violência fatal, sexual, vítimas de tortura, entre outras. Paolla Santini, psicóloga e pesquisadora do Laprev (Laboratório de Análise e Prevenção da Violência), utiliza como exemplo a Lei “Maria da Penha” (Lei nº 11.340), que atende mulheres vítimas de violência. Ela afirma que, apesar de estar em vigor há oito anos, muito ainda precisa ser melhorado para que a lei seja colocada em prática plenamente: “os profissionais da rede de proteção necessitam de capacitação contínua e os casos denunciados devem ser devidamente julgados para que a população se sinta segura ao fazer a denúncia e receber amparo necessário”.
Apesar da existência de políticas públicas, muitas delas não atendem de forma eficiente essas vítimas. “O atendimento às vítimas de violência exige profissionais qualificados, vocacionados e compromissados com o serviço prestado. É importante que a equipe seja ao menos multidisciplinar e que tenha certa estabilidade e coesão”, afirma Akemi. Ela ainda destaca que os serviços ou profissionais específicos – como psicólogo, assistente social e advogado – voltados a vítimas de violência, nem sempre trocam informações e estratégias uns com os outros, “isso desconsidera a pessoa em atendimento e pode reiterar a violência sofrida e resultar em incoerências nos encaminhamentos realizados ou desconsideração das reais demandas daquela pessoa em atendimento”, observa.
Além dos problemas relacionados ao atendimento, muitos desses programas de atenção à vítima de violência enfrentam outras dificuldades cotidianas. Problemas financeiros ou de infraestrutura, por exemplo, refletem diretamente na equipe de atendimento e nos serviços prestados, e chegam a interromper tratamentos e impedir que vítimas sejam devidamente atendidas: “Isso é um absurdo, mas ilustra essa fragilidade institucional e o grau de (falta de) consolidação da política pública de atendimento às vítimas de violência”, completa Akemi.
A solução é prevenir
Os problemas nas políticas de atendimento às vítimas de violência no Brasil são reais, mas passíveis de soluções. Profissionais treinados e com conhecimento mínimo sobre os direitos humanos, disponibilidade de recursos, infraestrutura de qualidade e vítimas cientes de seus direitos são aspectos importantes, mas há uma medida que tornaria mais branda a necessidade de todas as outras citadas: a prevenção.
A ênfase dos projetos e políticas públicas de combate à violência é na repressão e na punição. As ações de prevenção ficam em segundo plano. Segundo Akemi, isso ocorre por diversos fatores, dentre os quais destaca “a própria complexidade da prevenção e uma cultura repressiva-punitiva”. Não é simples analisar causas e fatores de risco, além de adotar medidas de prevenção antes que a violência aconteça. “A prevenção da violência requer estratégias conjugadas e coordenadas que aliem ações e políticas de diversas áreas e setores”, explica Akemi.
Lígia Costa Leite exemplifica a importância da prevenção da violência: “no Brasil, se discute a redução da maioridade penal ao invés de se colocar em prática todos os artigos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que facilmente dariam uma nova perspectiva social e psicológica para aqueles que no futuro serão adultos”.
Apesar de não existir a garantia de sucesso, o atendimento de qualidade às vítimas de violência pode resultar no rompimento de um ciclo: a violência recebida, dentro de contextos específicos, pode resultar na repetição de atos violentos se não houver a atenção adequada às vítimas.
Akemi ainda destaca que se o atendimento às vítimas de violência for frágil, reproduzindo as dinâmicas de violência e desconsiderando as pessoas como sujeitos do direito, “isso trará reflexos para a sociedade, provavelmente sob a forma de reprodução da violência, desconsideração quanto aos serviços e políticas de atenção às vítimas, e talvez descrença nas instituições de segurança pública e justiça”. Por outro lado, se o atendimento tiver por premissa o respeito aos direitos humanos, e considerar os direitos das vítimas “talvez ele possa sensibilizar algumas pessoas que as vítimas têm direitos, assim como os agressores e todos nós. Isso não significa que qualquer um possa fazer o que quiser irresponsavelmente e sem consequências”, conclui.
Reportagem: Paula Reis
Produção: Isis Rangel
Edição: Mariana Ribeiro