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A rua é das trans

As casas de prostituição, cada vez mais organizadas e famosas, mostram a expansão do “mercado do sexo e afeto”. As ruas, no entanto, ainda abrigam inúmeros profissionais, à margem das grandes casas. Escolha para alguns profissionais, único caminho para outros.

Os transexuais chegam às ruas muito jovens, inseguros e despreparados para o cotidiano violento da prostituição. Nesse momento, a única certeza que eles têm é a de que são mulheres no corpo de homens e que precisam mudar fisicamente para obter aparência compatível com sua identidade psicológica.

A prostituição é entendida como uma forma de ressocialização, além de garantir a renda de profissionais transexuais. Uma pesquisa do psicólogo da UFSCar, Marcos Garcia, sobre prostituição, identificou que à margem da sociedade, os transexuais criam um universo diferenciado entre eles que possibilita uma organização social particular.

O preconceito no mercado de trabalho e o dia-a-dia da prostituição

Segundo dados do Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil (2012), os homossexuais enfrentam discriminação todos os dias. As ramificações do preconceito também podem ser notadas nos ambientes de trabalho.

Usando seus nomes masculinos, muitos transexuais enviam currículos para empresas em busca de oportunidades de trabalho, porém quando chegam vestidas de mulher não conseguem a vaga. Hoje, a garota de programa, Layane Marchiori, 18, conta que trabalhou como recepcionista de um hotel e que sofria muito preconceito dos colegas. Um dia, recebeu um convite para conhecer o ponto de prostituição e resolveu aceitar. “Eu vim, gostei e fui influenciada pelo dinheiro”, declara.

Layane Marchiori

Foto: Maria Eduarda Amorim

Assim, como o caso da Layane, muitos transexuais com baixa escolaridade e sem qualificação profissional acabam recorrendo à prostituição. “É dinheiro fácil, pode até ser, mas também tem todo o sofrimento”, completa Layane sobre o cotidiano violento e o preconceito que sofre.

A profissional do sexo mostrou marcas de facadas no braço que sofreu de um cliente que se recusava a pagar pelo serviço. Quando começou, ainda menor de idade, ela explica que tinha mais medo de eventuais ataques do que atualmente. Para ela, a experiência da rua ajudou a ganhar mais confiança e a saber se defender quando necessário.

Os atos violentos não envolvem apenas ataques dos clientes. Os transexuais sofrem preconceito de pessoas que transitam pelos pontos de prostituição. Layane afirma que já foi atingida por uma garrafa, jogada de um carro que passava pelo local onde trabalha. “A gente é ser humano, não somos um bicho qualquer”, desabafa.

Sobre seu cotidiano fora da prostituição, ela comenta que leva uma vida tranquila, passa o dia com sua mãe e trabalha durante a noite. Sua família sabe da sua profissão e aceita. “Minha mãe só pede para eu tomar cuidado”, conta.

Quanto aos cuidados com a saúde, Layane explica que o uso de preservativo é obrigatório e que realiza exames de rotina a cada três meses.

Prostituição financia mudanças físicas e vida confortável

Os transexuais se preocupam desde cedo com a mudança física e, para isso, passam a fazer uso de hormônios. O objetivo é desenvolver características femininas e diminuir a aparência masculina. Após algum tempo, as cirurgias plásticas de implantação silicones ajudam na criação da identidade simbólica que tanto desejam.

Parte da renda que ganham com os programas são utilizadas para pagar as intervenções cirúrgicas e os hormônios utilizados diariamente. Ashley Carolina, 21, conta que tem uma vida muito confortável e que só usa roupas de grife. “Aqui em Bauru, em cinco dias, eu tiro R$2500,00”, diz ela.

A história de Ashley foge um pouco à regra, já que sua mãe também trabalha com prostituição e a ajuda a controlar o dinheiro. A transsexual conta que ganha muito mais do que se exercesse outra atividade, mas que também gasta bastante.

Ashley nunca trabalhou em outra área, mas cursar uma faculdade está entre seus planos. Ela reconhece a importância de ter uma carreira com mais estabilidade, menos riscos e preconceitos. Sobre a possibilidade de ter recebido influência de sua mãe, ela explica que não aconteceu e que trabalha com prostituição por uma escolha pessoal e financeira. “Sempre tive curiosidade sobre esta área”, afirma.

Layane e Ashley desconheciam o projeto de lei que defende a regularização da prostituição no Brasil e que, se aprovado,  garantirá direitos trabalhistas a elas como nas demais profissões, além de maior amparo do poder público em caso de violência.

Reportagem: Jéssica Santos

Produção: Maria Eduarda Amorim

Edição: Gabriel Oliveira

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