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Depressão pós-parto: um lado obscuro da maternidade

Negligenciado no meio acadêmico, esse transtorno acomete mais de 25% das mães só no Brasil

A maternidade ainda é um assunto muito glamourizado. Com tantas informações sobre a beleza de ser mãe e o sentimento de ter um novo bebê em casa, muitos não se atentam sobre as várias mudanças emocionais e físicas por qual a mulher passa durante a gravidez e no pós-parto. Segundo uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e publicada na revista científica Journal of Affective Disorders em abril do ano passado, uma em cada quatro mulheres no Brasil sofrem de depressão pós-parto.

Após o nascimento de um bebê, acontece uma queda hormonal  considerável, o que gera em algumas mães o estado de “tristeza materna”, também conhecido como baby blues. Geralmente os sintomas são parecidos com a Depressão Pós-Parto (DPP), em que a mãe sente medo, culpa, irritabilidade, ansiedade, tristeza e indisposição, porém a diferença está na duração e intensidade desses sentimentos. Outra doença muito confundida com a DPP é a Psicose Pós-Parto, no qual a mulher não tem nenhum sentimento responsivo pelo filho, colocando-o em risco.

Para a psicóloga, Milena Valelongo Manente, mestre no assunto e especializada em Terapia de Casal e Família, as causas normalmente estão ligadas aos fatores de risco que facilitam o surgimento da patologia, como a presença de conflitos conjugais, a ausência do cônjuge durante a gestação, histórico pessoal de depressão e de outros transtornos mentais, ausência ou fragilidade da rede de apoio e carência socioeconômica. Manente ressalta que ainda existem poucos estudos sobre a doença e também pouco suporte emocional para mulheres grávidas.

A Depressão Pós-Parto afeta todas as mulheres, independentemente da idade, classe ou etnia, porém a pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz e pelos estudos da Manente em seu mestrado, as mais atingidas são as mães de maior risco, ou seja, acometendo muito mais mulheres e populações socialmente desprivilegiadas.

 

Um caso diferente de depressão pós-parto para cada mulher

O psiquiatra e escritor Wilson Daher destacou que em seus 46 anos de exercício se deparou com inúmeros casos de Depressão Pós-Parto e constatou que não há um padrão único para este transtorno. Como já foi citado, as causas para o aparecimento da DPP podem ser diversas. Uma delas, que influenciou L.R., administradora, 28 anos, foi a expectativa que pairava sobre a maternidade. “Acredito que as pessoas precisam parar de romantizar a maternidade. Ser mãe é muito bom, mas todas terão os momentos de frustração, dor, ansiedade e medo”, afirma.

Mãe de uma menina de um ano, L.R. teve depressão pós-parto durante oito meses. Além da romantização da maternidade, outro fator principal que influenciou foi a dificuldade em amamentar. Para a psicóloga, Milena V. Manente, mais uma publicidade que prejudica as novas mães é a pressão de que o aleitamento é natural e fácil, “Essa mulher precisa ter uma disposição para o aleitamento: há fatores favoráveis para que ele aconteça. Na minha pesquisa percebi que existe pouca informação sobre a amamentação na gestação, o que existe é um boom de informações no pós-parto, ainda na maternidade”

Foi um momento muito doloroso para administradora. Segundo ela, seus pensamentos tinham altos e baixos: algumas vezes ela se sentia apaixonada pela bebê, outras ela não se sentia mãe. “Eu me sentia culpada por ter esses pensamentos, então, comecei a machucar o meu braço. Apertava-o com as unhas até sangrar. Eu queria me castigar”. Graças ao apoio de sua mãe, de seu marido e do pediatra de sua filha, L.R. se recuperou e hoje não imagina sua casa sem uma criança. Para ela, é provável que a psicoterapia tenha feito a diferença no seu processo de cura.

 “Pensei em procurar o psicólogo ou psiquiatra, mas devido a correria do dia a dia deixei de lado” L.R.

Com uma história diferente, M.P., 52 anos, também sofreu de depressão pós-parto, segundo ela, foram mais de 5 anos. Hoje com dois filhos, suas gestações foram de alto risco, com 30 anos teve seu primeiro filho, e com 33, engravidou sem querer e teve seu filho mais novo. Foram momentos complicados para ela, pois quando seu segundo menino nasceu, ele foi isolado, devido ao diagnóstico de uma bactéria de meningite no filho mais velho, e a mãe se viu impossibilitada de qualquer contato inicial com o filho.

As causas para que ela ficasse nessa condição foram se acumulando: seu leite não descia, seu filho tinha fome e, para completar, as pessoas a pressionavam para que amamentasse. “Meu filho me rejeitou. Ele detestava meu colo, minha pessoa… tudo em mim. Cada vez que eu chegava perto dele, ele ficava muito bravo e berrava. E eu ficava cada vez mais triste”.

 

 Eu fui emagrecendo, me sentindo cada vez mais cansada, abatida, triste e brava ao mesmo tempo” M.P.

 

O diagnóstico veio tardio. Alertada por uma colega de trabalho, que a indicou um médico, M. começou a superar a doença. “Fiz várias consultas. O médico foi um amigo, me acolheu, era mais que médico, era psiquiatra, terapeuta, confidente, e eu fui tomando os florais, me acertando, e consegui sair da depressão pós-parto depois de um tempo”, relatou M.P.

Mesmo que muitas mulheres não procurem um tratamento com psiquiatra ou psicólogos, todas precisam de uma rede de apoio, seja da família,  dos amigos ou de um médico não especializado. Dependendo do diagnóstico, a Depressão Pós-Parto deve ser tratada com remédios e terapia. O mais importante na superação dessa condição pelas mulheres é a ajuda de pessoas próximas, como o psiquiatra Wilson Daher apontou “A compreensão e apoio familiar são de extrema importância, ao lado da medicação antidepressiva e, se necessário, terapia de apoio”

Ter um filho é sinônimo de beleza e de emoção, entretanto, a mídia e a sociedade devem levar em consideração a duplicidade que envolve a maternidade: existe a saúde da mãe e a saúde do bebê. A pressão em cima mulher em saber cuidar de uma criança, ou até mesmo sobre o próprio desejo de ter um filho ou não,  é extremamente grande na sociedade em que vivemos. Muitos estudos apontam que não existe instinto materno, as mulheres se tornam mães com o passar do tempo. O aprendizado acontece no do dia-a-dia ao lado do filho.

A Depressão Pós-Parto ainda é pouco estudada. As mães que sofrem dessa doença devem ser libertas do estigma que as ronda, o de que elas não sabem exercer a maternidade. Esse julgamento acaba isolando ainda mais a mulher depressiva.

A taxa de mulheres que sofrem a DPP pode ser ainda maior. O tema deve ser discutido mais abertamente, pois, enquanto ele ainda for tratado como tabu, mães continuarão a ser julgadas por sofrerem de um transtorno do qual elas não têm culpa.

Confira mais informações sobre Depressão Pós-Parto no vídeo a seguir:

 

Reportagem: Patrícia Konda

Produtora Multimídia: Luana Brigo

Editor: Vitor Azevedo

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