O sexismo é um problema que está atrelado às mais diversas áreas da nossa sociedade. E de uns anos para cá, a questão da mulher, em todos os âmbitos, se tornou cada vez mais pautada, promovendo discussões inclusive à desigualdade de gênero no cinema, e que precisa ser mudada. Apesar dos avanços, tanto nas ações quanto nas discussões sobre o tema, a população demonstrou ter muita resistência para entender a problemática.
Desigualdade de gênero no cinema
A maior dificuldade não está apenas nas relações interpessoais que um filme provoca, está em colocar as mulheres em uma posição secundária nas produções. Há cerca de 30 anos, uma cartunista chamada Alison Bechdel criou um teste de avaliação, capaz de dizer, em uma análise, se a trama de um determinado filme faz bom uso de suas personagens, femininas ou não. Basicamente o enredo precisa cumprir três requisitos: ter duas personagens femininas que possuam nome, pelo menos uma cena em que essas duas personagens conversem entre si, e o assunto abordado por elas não pode ser sobre homem.
Recentemente esse teste – que ganhou a alcunha de Teste de Bechdel – se popularizou bastante. Em 2013, uma rede de cinemas na Suíça adotou a análise da cartunista como um critério para recomendar um filme para os visitantes do estabelecimento. Além dessa repercussão na internet, vários sites da mídia categorizaram alguns filmes como aprovados ou não segundo essa métrica. E, em muitos casos, vários filmes clássicos ou renomados apresentam problemas com as mulheres em sua trama, que ficam em segundo ou até terceiro plano.
Por exemplo, entre nove filmes indicados ao Oscar este ano, apenas dois passaram no teste, sendo eles Arrival (ou A Chegada, no Brasil) e Hidden Figures (ou Estrelas Além do Tempo, no Brasil). O segundo possui uma temática que justamente exalta mulheres negras na NASA. Vários filmes premiados como Moonlight: Sob a Luz do Luar, Manchester À Beira-Mar, La La Land: Cantando Estações, A Qualquer Custo, Até o Último Homem, Um Limite Entre Nós e Lion: Uma Jornada Para Casa falharam em uma ou mais regras propostas por Benchdel.
Os problemas envolvendo a desigualdade de gênero no cinema também perpassam questões salariais, exigências de estereótipos estéticos, e até a idade limite para interpretar certos papéis que os homens não possuem. Várias ações das próprias mulheres que trabalham no cinema denunciaram esse tipo de situação, como no artigo publicado pela atriz Jennifer Lawrence, que denuncia o recebimento de um cachê inferior do que a de seus colegas de trabalho do sexo masculino, pela gravação do filme A Trapaça. Enquanto Lawrence recebeu 7% dos lucros obtidos pelo filme, Bradley Cooper e Christian Bale receberam 9%.
Emma Watson, que foi embaixadora da ONU Mulheres, também abordou a questão do sexismo na indústria cinematográfica. Ela relatou sua experiência em entrevista ao jornal The Guardian:
“Eu notei o sexismo em Hollywood quando parei para pensar que fui dirigida por 17 diretores do sexo masculino e apenas duas vezes por mulheres. E dos produtores com quem trabalhei, 13 foram do sexo masculino e apenas uma foi mulher”.
No fim do ano passado, a atriz Mila Kunis também decidiu expor as dificuldades pelas quais as mulheres passam para trabalhar em Hollywood. Por meio de uma carta pública, a atriz contou várias situações ao longo de sua carreira em que ela foi, segundo a atriz, “insultada, marginalizada, recebendo salário menor, ignorada e subestimada”. Em um dos casos ela relata que chegou até mesmo a ser ameaçada por um produtor, que disse que ela não iria mais conseguir grandes papéis caso não posasse seminua para a capa de uma revista masculina.
A onda de assédio em Hollywood
Apesar da noção que a sociedade tem a respeito do cinema como algo distante e divertido, fazer um filme envolve muito trabalho. E, como em qualquer ambiente de trabalho, o abuso sexual não deveria estar presente. No entanto, a lista de diretores, produtores e atores que foram acusados de assédio, agressão ou abuso sexual é longa.
A seguir, vamos mostrar alguns dos casos de assédio envolvendo a indústria do cinema:
Mesmo sendo vasto o número de acusações desse tipo, principalmente em Hollywood, não são raros os casos em que os acusados saem impunes. Em muitos outros exemplos, os atores, produtores, diretores retornavam às gravações no ano seguinte às acusações (isso quando paravam de trabalhar).
No caso Weinstein, houve algumas consequências: o produtor foi expulso da Academia Britânica das Artes Cinematográficas e da Televisão (Bafta), além de estar enfrentando um processo pelas acusações. Nos outros casos aqui citados, até o momento não houve consequências. Ratner se considerou inocente, enquanto Hoffman apenas pediu desculpas publicamente.
A ideia de não existir consequências para a maioria dos casos, gera a desconfiança por parte da maioria das mulheres em também tomar coragem e denunciar. Os casos que vieram a público podem ser apenas a ponta de um iceberg de extensões monumentais.
Segundo relatos, as investidas sexuais acontecem mediadas por interesses econômicos. E infelizmente, na maioria dos casos, as mulheres encontram-se em uma posição desvantajosa, devido ao fato de ainda serem minoria em posições de trabalho fora das telas. Algumas das atrizes que denunciaram os assédios, foram excluídas de produções.
No Brasil, não são facilmente encontradas acusações de assédio de mulheres que trabalham no cinema. Mas, nas telenovelas (que estão inseridas no ambiente de maior audiência de produção audiovisual no país) alguns casos vêm sendo expostos, como por exemplo, da acusação da figurinista Su Tonani contra o ator José Mayer. Segundo Tonani, o ator chegou a tocar sua genitália de forma não consentida. Esse caso gerou repercussão negativa no país, e o ator foi suspenso da próxima novela, que irá ao ar em 2018.
Sexismo no cinema: dados e debate
Um levantamento da New York Film Academy (NYFA), uma escola de cinema norte-americana, analisou os 500 filmes mais bem-sucedidos entre 2007 e 2012 e comprovou que a desigualdade de gênero está presente nas grandes telas. Conheça os principais pontos do estudo:
- Há menos mulheres que homens em produções cinematográficas
Em média, para cada 2,25 homens há apenas 1 mulher atuando no cinema. Os números são controversos, já que as mulheres compram metade dos bilhetes de filmes vendidos nos Estados Unidos. Isso demonstra que a representatividade feminina não se reflete nas telas. O estudo revelou que somente 10,7% dos filmes apresentaram um casting equilibrado, em que metade das personagens eram femininas.
- A diferença também está nos salários
O estudo traz uma lista da Forbes de 2013 e revela que a soma do valor das 10 atrizes mais bem pagas é de 181 milhões de dólares, enquanto que o valor dos 10 atores mais bem pagos totalizou 465 milhões de dólares. Uma diferença de 284 milhões de dólares. E tem mais: a atriz que mais ganhou dinheiro no ranking, Angelina Jolie, ganhou a quantia equivalente ao 9º e 10º atores que mais faturaram.
Veja no infográfico abaixo outros pontos do estudo e também de uma pesquisa realizada pelo site de jornalismo de dados sobre cultura pop, Poligraph.
A cineasta e documentarista Lilian Santiago ressalta que a questão da mulher ser apresentada com roupas provocativas e em cenas com nudez parcial demonstram que a indústria do entretenimento ainda se move pela fetichização do feminino. “A objetificação da mulher funciona plenamente na publicidade e nesse tipo de entretenimento. É importante fazermos projetos que realmente nos representem, muito além do fetiche ou da objetificação do feminino”.
3. A evolução da presença feminina foi mínima atrás das câmeras em 14 anos
O estudo mostrou que, entre 1998 e 2012, a presença das mulheres nos bastidores foi pequena. Para se ter uma ideia, no cargo de produtora, em 1998, as mulheres representavam 24%, já em 2012 chegaram a 25%. A maior evolução foi entre as escritoras que saíram de 13% em 1998 e foram para 15% em 2012. O pior quadro está na função de cinegrafista: em 1998 o índice era de 4% e em 2012 caiu para 2%.
Veja no infográfico a distribuição das mulheres em cargos de bastidores:
E no Brasil?
Por aqui, as desigualdades permanecem nas telas, conforme estudo sobre gênero no cinema brasileiro, realizado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA).
Entre os filmes com público superior a 500 mil espectadores de 1970 a 2016, 98% de um total de 498 filmes foram dirigidos por homens. Isso significa que cerca de 10 filmes tiveram mulheres como diretoras. Na visão da cineasta, a consequência é uma representação feminina estereotipada.
“Acho que vale muito mais a pena ver o quanto o número de cineastas mulheres vem crescendo, dirigindo filmes importantes, mas que não ocupam este espaço restrito e estereotipado”, comenta.
Já sobre a mulher em frente às câmeras, constatou-se a presença de protagonistas femininas em 39% dos filmes. Diante desse cenário, Santiago aponta que o maior desafio é produzir histórias que sejam significativas tanto para as roteiristas, diretoras, técnicas e atrizes. “Muitas vezes estamos num ambiente que nos desrespeita, fazendo histórias que nos desrespeitam. Novos caminhos precisam ser traçados”, enfatiza.
E como resolver essa desigualdade?
“[A desigualdade entre os gêneros] não é um problema focalizado somente no cinema. É um problema social”. A fala é da professora livre-docente em História da Comunicação e da Cultura Midiática na América Latina, Maria Cristina Gobbi, e traz uma questão fundamental: o sexismo no cinema é um reflexo da sociedade.
Para a professora, que é especializada em diversidade cultural, a cultura machista está presente em muitos países e em diversos espaços da sociedade. Por essa razão constatar a desigualdade de gênero no cinema não é algo surpreendente.
Uma atitude simples, em 2016, deixou um exemplo de como é importante a mobilização para quebra de preconceitos e desigualdades promovidas por organizações com repercussão mundial. A hashtag #OscarsSoWhite (#OscarsTãoBrancos, em português) foi amplamente divulgada nas redes sociais, inclusive por famosos, para denunciar que nenhum ator ou atriz negro tinha aparecido entre os 20 indicados nas quatro categorias de atuação.
De acordo com a BBC, a Academia que escolhe os indicados ao Oscar prometeu aprovar um novo planejamento para melhorar a diversidade entre seus membros e dobrar o número de mulheres até 2020.
Para a professora, a desigualdade de gênero é um desafio globalmente crítico. “É uma doença crônica, cujo tratamento tem sido lento e cruel para as mulheres”. Para refletir dentro das telas, as mudanças também precisam ser realizadas na sociedade.
“É fundamental a transformação na cultura através de uma ampla discussão com variados setores sociais. Não há receita pronta, mas para que a mudança seja efetiva é primordial a participação da sociedade e que a mulher não acredite que o sexismo é ‘normal’ e denuncie”, finaliza Gobbi.
Já é possível observar alguns avanços na desigualdade de gênero no cinema:
A esperança é de que as desigualdades entre os gêneros no cinema mundial saiam de cena.
Texto: Aressa Joel, Luis Negrelli e Thuany Gibertini
Produção multimídia: Camila Gabrielle
Edição: Fernanda Cotez Redivo
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