Food trucks apimentam mercado gastronômico
Produtos orgânicos, preparo impecável e relações intimistas com a clientela. São esses alguns dos requisitos de que se apropriam os chefs que apostam na comida sobre rodas. Os chamados food trucks movimentam as ruas e a economia alimentícia de grandes centros urbanos europeus e norte-americanos. E, graças ao empenho de chefs motivados, agora estão presentes também nas principais cidades brasileiras.
Dado o sucesso de eventos como a Feirinha Gastronômica e o Chefs na Rua, que reúnem chefs e cozinheiros amadores para oferecer de maneira ampla pratos elaborados a preços mais acessíveis, a pressão para que a comida de rua tivesse respaldo legal aumentou. Com a sanção, em novembro do ano passado, do projeto de lei que regulamenta esses serviços, o esperado é que os food trucks se espalhem e cresçam em toda a cidade ao longo deste ano.
Chefs renomados apostam nessas alternativas. Jorge Gonzalez e Márcio Silva, criadores do Buzina Food Truck, são um exemplo de sucesso da nova tendência. “A gente queria uma certa liberdade para fazer comida de qualidade a um preço justo”, contam. Diante dos preços salgados dos restaurantes paulistanos, os chefs propuseram “simplificar e mostrar que dá para oferecer uma comida boa sem ter que cobrar tanto”.
Planejamento e atenção aos desafios
Para que se viabilizem, projetos como este precisam de um cuidadoso planejamento. Além do veículo e dos equipamentos, a disponibilidade de energia e água são alguns dos desafios enfrentados pelos donos dos trucks. “São várias questões de logística que precisam ser pensadas, planejadas e organizadas”, comentam Jorge e Márcio. A bordo do Buzina, os chefs comportam uma cozinha praticamente profissional, e ligam tudo por tomada ou gerador de energia.
Os empecilhos são claros para qualquer um que comercialize alimentos nas ruas, dos clássicos pastéis de feira e carrinhos de cachorro-quente ao mais sofisticado food truck. Quando há chuva ou vento, o consumidor não aparece. Estar livre, sobre as rodas, no entanto, é o que fortalece o trabalho de Jorge e Márcio. “Em um mundo ideal, você tem um espaço verde e livre para comer, ouvir um som gostoso e relaxar”, analisam. “As relações que a gente constrói têm mais peso do que as desvantagens de estar na rua com um food truck“, completam.
Restaurantes na rua
Além dos empresários que investem nos food trucks, restaurantes também renovam seu modo de atuação para obedecer ao movimento de valorização da comida de rua. São muitos os profissionais que saem de seus ambientes de trabalho e levam seus pratos às feiras gastronômicas. “Isso faz com que os chefs fiquem mais conhecidos e também é uma ideia legal, porque ele acaba promovendo o seu estabelecimento”, destaca a chef paulistana Talita Vitoreli, que já participou de duas edições do Chefs na Rua e da Feirinha Gastronômica.
Fora das barracas, a novidade é a venda de alguns itens do menu pela própria janela do restaurante. Um exemplo é o projeto Tem Tacacá no Tietê, criado por Mara Salles no Tordesilhas, localizado no bairro dos Jardins, em São Paulo. Às quintas-feiras, a chef serve na rua o mesmo tacacá que é vendido no restaurante. “Imagine que revolução você servir comida de rua no bairro mais sofisticado de São Paulo”, provoca Talita.
Entre outras iniciativas, estão a de Andrea Kaufmann, do AK Vila, que monta diariamente uma barraca em frente ao restaurante com opções de pratos em conta (falável no pão por R$10 ou sanduíche de cordeiro por R$15, por exemplo), ou o Obá, que toda última quinta-feira do mês serve na rua tortillas de milho recheadas.
Sofisticação ou disseminação da cultura gastronômica?
O toque gourmet dos food trucks é o principal contraste que se estabelece em relação à comida de rua tradicional. Segundo os chefs do Buzina Food Truck, essa tendência não está ligada à sofisticação do cardápio. “Se você olhar o nosso cardápio, não tem nada que você nunca tenha visto na vida ou experimentado”, explicam. O foco é maior no ingrediente do que na sofisticação dos pratos, e consiste em “produzir uma comida de boa procedência a preço justo. A chave é essa”, concluem.
São muitos outros os exemplos de food trucks que produzem pratos diferenciados. O Rolando Massinha, que vende diversos tipos de massa em uma kombi, e o Astor Truck Bar, um bar sobre rodas, são alguns deles. O destaque desses serviços, para Talita, é o fato de “trazerem a gastronomia como patrimônio cultural, mais do que por simplesmente tornarem os chefs mais conhecidos ou por trazerem mais gente para o restaurante”, opina. “Eu acho que os chefs que trabalham com a comida brasileira têm essa obrigação, e se cobram muito quanto a isso, de mostrar o que é a nossa cultura”.
Comida nas ruas bauruenses
Em Bauru, o principal ponto de consumo de comida de rua, a Praça da Paz, ainda desconhece essas novas possibilidades. Ainda assim, produtores e consumidores mostram-se otimistas com a proposta de consumo de comidas mais saudáveis e também mais sofisticadas. Algumas dificuldades são ressaltadas: “nessa praça não tem banheiro, a prefeitura não liberou para que fosse feito. E também não tem água”, denuncia a funcionária Bete Bombonato.
A lanchonete Lelo’s Lanches, em Bauru, é exemplo do inverso do que ocorre na capital de São Paulo. O estabelecimento surgiu como um trailer que, durante 18 anos, serviu lanches e batidas embaixo do viaduto por onde cruzam as avenidas Nações Unidas e Duque de Caxias. Lelo, o criador do estabelecimento, abandonou o trailer e observa que estar em um local fixo encarece a manutenção do restaurante, mas destaca que “a clientela aparece mais, vêm mais famílias e o lugar é mais seguro”.
Sobre a evolução da comida de rua, Lelo titubeia. “Aqui dentro já é difícil, porque às vezes pode cair um cabelo no prato, um bichinho pode ficar na alface. Como você vai controlar isso na rua, a comida na rua? É difícil”, pondera.
Reportagem: Amanda Lima
Produção: Paula Monezzi
Edição: Paula Reis