Apesar dos direitos serem garantidos no papel, mães encontram obstáculos dentro das empresas que trabalham
Naturalmente, a maternidade traz inúmeros desafios às mães no que diz respeito a aspectos da rotina. Somado a isso, uma das principais dificuldades é a relação da mãe com seu emprego desde a gravidez até após o nascimento da criança. Vivemos em uma sociedade na qual as mulheres lutam há tempos para conquistar seu espaço no mercado e para garantir sua participação financeira e social. Para equilibrar todos esses fatores e preservar a saúde e bem estar de mães e dos bebês existe a licença maternidade.
Entendendo os números
No Brasil as regras da licença maternidade são bem definidas. Todas as mães têm o direito de tirar 120 dias de licença maternidade 100% remunerada – benefício que pode ser iniciado até 28 dias antes do parto ou com o nascimento do bebê. Para funcionários públicos ou empresas que aderem ao Programa Empresa Cidadã, o prazo pode ser prorrogado por mais 60 dias. As regras também valem para casos de adoção – desde que a criança tenha menos de 12 anos – e guarda judicial. Tanto em empresas públicas como privadas esses direitos são assegurados.
Também é imprescindível a garantia de emprego durante o período que vai da confirmação da gravidez até 5 meses depois do parto e a dispensa para o período de pelo menos 6 consultas médicas. Após o nascimento do bebê são necessários dois intervalos de 30 minutos para a amamentação da criança por dia. Finalmente, em empresas com mais de 30 mulheres é obrigatória a presença de uma creche ou pagamento de auxílio-creche.
De maneira geral, esta regulamentação parece abranger diversas necessidades, mas o Brasil ainda passa muito próximo do mínimo aceitável. No que se diz respeito aos direitos da gestante, a Organização Mundial do Trabalho recomenda o mínimo de 14 semanas de licença maternidade e o Brasil passa a linha de chegada com apenas 17 semanas. Outros países da América Latina não são melhores nesse sentido: os únicos países que ultrapassam o Brasil são Venezuela, Chile e Cuba, com 26, 24 e 18 semanas, respectivamente.
N. C, mãe, 25 anos, é um exemplo de que nem sempre bastam as leis que estão no papel. “Eu tirei a minha licença antes do parto, mas pelo estresse do trabalho. O período foi muito curto, os 4 meses não dão nem pra terminar a amamentação do bebê e, pelo menos a empresa que eu trabalhei, lidou muito mal com o direito dos intervalos para amamentação” aponta.
E os pais?
Na discussão sobre a licença maternidade também é importante incluirmos os pais. Leda Böger, diretora executiva do Instituto Consulado da Mulher afirma “Há que se falar disso também, visto que a educação dos filhos e o perpetuar da família é tarefa de ambos. Este é um ponto normalmente esquecido num modelo patriarcal onde primariamente se entende que apenas à mulher cabe a tarefa do cuidado.”
Os direitos do pai afirmam essa relegação do papel do homem na educação dos filhos, no Brasil a licença paternidade é de meros 5 dias (20 para funcionários públicos) e pouquíssimos países oferecem mais do que 2 semanas do benefício (Suécia, Islândia e Finlândia, por exemplo). Outros países como a Nova Zelândia oferecem opções mais flexíveis, onde a licença (remunerada ou não) pode ser compartilhada entre mãe e pai.
Essas regras reforçam o estereótipo de que a mãe é exclusiva responsável pela criação dos filhos e ao mesmo impede que progresso seja atingido nesse sentido.
No futuro
O Brasil se encontra em um período de incertezas na política e na economia – o que envolve discussões sobre reformas trabalhistas e previdenciárias. Ao mesmo tempo, a aprovação da lei da terceirização ainda pauta muitos debates. Neste cenário, é importante levantar o assunto licença maternidade e o que tais mudanças podem acarretar para as mulheres e mães em geral: os benefícios permanecem os mesmos?
Em 31 de março deste ano o presidente Michel Temer sancionou a Lei nº 13.429, conhecida como Lei da Terceirização. A principal mudança que a aprovação da medida irá trazer para o mercado de trabalho é o fato de estar liberada a contratação de funcionários terceirizados para atividades-fim da empresa contratante, não apenas para atividades-meio, como previa antes o código de leis. Entre a população, a aprovação levantou debates sobre como a medida pode afetar alguns benefícios garantidos – como por exemplo a licença maternidade.
No entanto, em primeira instância a alteração na lei não traz nenhuma mudança entre o que já está estabelecido e garantido às mães. O que muda é quem é responsável por conceder tais direitos: quem fornece a mão de obra é quem deve possibilitar os benefícios, não mais quem contrata os serviços.
Outro tópico bastante debatido nos últimos meses é a reforma trabalhista. Com propostas de alterações no esquema de férias, jornada de trabalho e intervalos, o texto da reforma, redigido pelo deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), sofreu mudanças até os últimos dias antes de ir à votação. A versão final do projeto inclui assuntos relacionados aos direitos da mulheres, de forma que tais não possam ser suprimidos ou reduzidos – um deles sendo a licença maternidade nos termos que é seguida hoje.
Proteção falha
Enquanto os direitos da gestante parecem bem definidos e relativamente simples, a realidade nem sempre é essa. Assim como no outro caso relatado acima, M. S. é uma mãe jovem, com 22 anos, e que também sofreu dificuldade no trabalho durante o período de gestação e licença maternidade. “Eu estava passando por humilhações por parte da diretora da empresa e chegou um momento em que optei por abrir mão dos meus benefícios em troca de paz e tranquilidade”, conta. Segundo ela, o desligamento dela com sua empregadora garantiu que sua gravidez fosse saudável. “O que, se permanecesse na empresa, provavelmente não aconteceria”, conclui.
Ambos relatos explicitam um grande problema enfrentado pelas gestantes no mercado de trabalho. Apesar de estarem garantidos por lei, os benefícios e proteções se desmancham e se mostram falhos facilmente. Em ambos os casos, nossas entrevistadas sofreram e foram privadas de seus benefícios por superiores, causando situações que poderiam facilmente gerar complicações e prejudicar a saúde tanto da mãe como de seus filhos.
Os relatos se assemelham, inclusive, no pedido de privacidade para essa matéria: o medo pela estabilidade do emprego e pelo futuro da gestante começa muito antes do parto e não termina com o fim dos cinco meses da garantia de emprego. São em momentos como esse em que o debate e luta pela proteção e melhora desses direitos é necessária, assegurando um futuro mais seguro e saudável para mães, pais e a nova geração.
Reportagem: Felipe Navarro
Produtora Multimídia: Giovana Romania
Editora: Bárbara Paro