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A construção do futuro de adolescentes que se tornam mães

Dados do IBGE apontam que taxa de fecundidade entre meninas de 15 a 19 anos caiu 1% em 10 anos e que a maioria dessas mães têm nível de instrução escolar em ensino médio incompleto

Foto: Nathalie Portela

A maternidade para meninas menores que 19 anos é uma realidade de grande parte das brasileiras. Segundo as últimas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do DataSUS, 21,2% das mães brasileiras têm menos de 20 anos. Os estudos do IBGE avaliam que estas jovens são, em maioria, negras ou pardas (69%) e tem uma média de estudo 7,7 anos, quase 2 anos a menos que as meninas dessa idade que não têm filhos.

Isa Garcia engravidou aos 17, hoje tem 18 e seu filho, Vicente, tem um mês de vida. Sua gravidez foi uma surpresa para ela e o namorado, Caio. A jovem conta que ficou bem abalada e que teve problemas de aceitação. A bauruense conta que pensou em optar pela interrupção da gravidez, mas sempre teve o apoio de sua família, namorado e amigos para que se sentisse confortável com suas decisões e também em seguir com a gestação, como acabou optando. Nessa época, a maior paixão de Isa era andar de skate e fato de que a maternidade a afastaria um pouco de uma carreira nessa área era o que mais lhe incomodava.

A pedagoga Pamela Tordin acredita que “a grande chave dessa questão é que a população não tem a real consciência da importância do estudo para cada cidadão. Estuda-se para cumprir tabela ou então porque é obrigatório. Vai-se a escola para encontrar amigos e se divertir, não que isso não seja importante, mas não deveria ser o foco. Tendo isso em vista, quando uma menina engravida, ainda em idade escolar, outras coisas passam a ser mais importante que o ‘ir à escola’”. A porcentagem de adolescentes nessa faixa etária que não tem filhos e chega ao ensino superior é de 25%, já as que são mães, 14,2%. A maioria das meninas sem filhos (54%) completam o ensino fundamental e começam o médio, e a porcentagem de mães que têm esse nível de instrução escolar é de 44%.

Isa* deixou de morar com os pais e foi dividir uma casa com os amigos. Nessa época ela já havia terminado o colegial e estava planejando cursar uma faculdade e, então, engravidou. Suas intenções eram de seguir uma carreira artística, voltada a escrita, dramaturgia ou em uma área mais artesanal. Ela explica que enquanto seu filho é muito pequeno e dependente, esses planos estão um pouco de lado, mas que pretende seguir com eles num futuro.

 

Um estudo divulgado pela Folha de São Paulo avaliou que quanto mais periférica e vulnerável a população é, mais adolescentes engravidam, param de estudar e trabalhar, e acabam por agravar a situação de pobreza na região. A pedagoga explica essa análise: “As crianças que abandonam os estudos não conseguem ver as possibilidades e oportunidades que estão perdendo ao pararem de estudar, e geralmente não tem ninguém que mostre isso a elas. Sendo assim, é mesmo um ciclo vicioso. Essas crianças crescerão e terão filhos e estes possivelmente crescerão sem entender quão importante é o estudo”. Tordin acrescenta: “Na minha opinião, a única maneira de mudar isso é com políticas públicas voltadas para a educação. Para isso, precisamos formar pessoas cada vez mais conscientes para que estas formem ainda mais pessoas; mudar esse ciclo que leva a população para a ignorância e levá-los cada vez mais a pensar e formar suas próprias opiniões, melhorando a própria vida e de quem está ao redor”.

Na história de Maria Eduarda, 19, esse ciclo não se manteve. Hoje, com um ano a mais que sua mãe tinha quando engravidou, ingressou na Universidade Estadual Paulista: “Claramente eu tive mais oportunidades que ela. Pude me dedicar somente aos meus estudos, sem ter que me preocupar em cuidar de alguém ou sustentar. Pude focar mais nos meus sonhos também e planejá-los. Ela sempre disse que queria me ver numa faculdade, então quando eu passei foi uma conquista pra nós duas”, comenta.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelas mães para seguirem os estudos é o que fazer com os filhos durante o período que estão estudando. Tordin explica que as condições vividas por muitos alunos, como má alimentação, falta de um sono adequado, mobilidade reduzida, são agravadas na situação da maternidade, mas as políticas públicas não são suficientes para driblá-las: “O governo oferece ensino nos três períodos, o que pode facilitar a vida de quem precisa de horários alternativos. Porém, o que falta, na minha opinião, é a conscientização da importância de manter o estudo, e claro, a melhoria das escolas em todos os âmbitos, desde o caminho que as crianças precisam percorrer para chegar até as escolas até a qualidade do ensino”.

Estilo de vida

Os estudos do IBGE avaliam que as adolescentes que se tornam mães praticamente dobram o tempo que passam em casa lidando com afazeres domésticos, passando de uma média de 15 para 27 horas semanais cuidando da casa. A dificuldade em administrar a vida em casa e fora dela são refletidas nos dados. Dessas mães, 5% conseguem estudar e trabalhar, 20% só trabalham e 15% só estudam. Dentre as adolescentes que não tem filhos são 59% que só estudam, 11,6% que apenas trabalham e 14,7% que dedicam-se a estudos e trabalho simultaneamente.

 

Além disso, muitas dessas meninas acabam por criar seus filhos sozinhas ou com a ajuda dos avós, sem a presença paterna, como é o caso de Eduarda. A bauruense comenta que não tem nenhum relacionamento com o pai e [sic] “nem quero ter”. “Minha mãe e minha avó foram todos os papéis que eu tive na infância e sou muito grata à elas por tudo. […] Minha família é majoritariamente composta por mulheres e, conforme eu cresci, fui aprendendo mais coisas e me aproximando mais delas e entendendo o papel delas enquanto mulheres, e o que eu queria fazer pra melhorar aquela situação”, explica.

Para Eduarda, o fato de ter sido filha de uma mãe jovem é algo diferente, mas que resulta em uma parceria interessante entre mãe e filha: “Bom, o fato de ser filha de uma mãe jovem é algo bem complexo. Por um lado, eu cresci com a minha mãe, literalmente. Ela amadureceu muito e eu sempre amadureci rápido também porque achava que ajudaria a facilitar o trabalho dela. Às vezes é ruim, não por ela, mas por você acabar criando na sua cabeça que é um fardo e tirou as oportunidades que ela poderia ter na vida, mesmo que ela jamais tenha dito algo, tinha vezes que eu me sentia como um problema. Mas o bom é que nós sempre caminhamos juntas e, por mais que tenhamos visões diferentes, somos parceiras”

No caso de Isa, durante a gestação ela recebeu apoio tanto familiar quanto de Caio, pai de Vicente, que acompanhou o período: “Ele que ficou comigo no meu trabalho de parto, que me acompanhou, ele tá comigo o tempo todo, é fantástico, um cara muito gente boa. Ele e o Vicente se dão muito bem […] Eu voltei a morar na casa da minha mãe e ela apoiou desde sempre e super cuidou de mim, me ajudava com tudo, tanto financeiro quanto apoio psicológico”. Isa conta também sobre como a criança uniu a família, “com meu pai eu tive um problema há uns anos, mas minha gestação me reaproximou do meu pai. Ele me visita semanalmente e me ajuda, financeiramente também. Está casado agora com uma moça que é super amiga, ela também fica com o Vicente. Então, assim, a criança traz muita cura e muita luz pra uma família, sabe? Ela tem essa função de reunir”.

Isa sempre quis ser mãe jovem, mas planejava fazê-lo por volta dos 23 anos. Apesar da surpresa da gestação ter acontecido antes, ela vê muitos pontos positivos em ser mãe ainda nova, como maior disposição e proximidade das vivências do filho. Apesar disso, ela reflete muito sobre as dificuldades a respeito: “É uma responsabilidade que eu ainda não queria ter, queria ter ficado mais um tempo por ai, andando de skate, eu sinto bastante falta dessas coisas de ser adolescente. Pô, eu ainda sou adolescente, né? Mas não sou mais porque agora eu tenho alguém que precisa de mim mais do que eu preciso da minha adolescência. Rolou uma grande transformação durante a gestação. Mudou assim: que eu não estava nem aí para nada, eu era uma adolescente típica, de boa, tinha todo tempo do mundo, agora eu penso no futuro, em trabalho, emprego”.

A entrevistada Isa* não quis ser identificada.

Reportagem: Nathalie Portela

Produtor Multimídia: Yuri Ferreira

Editor: Lucas Marques

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