Futuras mães encontram dificuldades por conta de sua condição social, instituições de amparo podem ser uma alternativa
A cada 20 segundos, nasce uma criança no Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. Quando se imagina a chegada de uma criança, as pessoas, normalmente, pensam em um lar, em uma família e em uma recepção estruturada para essa nova vida. No entanto, a realidade, muitas vezes, é completamente diferente, afinal, muitas mulheres brasileiras têm suas gestações em situações desfavoráveis. Existem mães e fuadras mães que estão morando na rua, que são usuárias de drogas, que estão em situações financeiras extremamente frágeis ou que estão presas. A maternidade nessas circunstâncias passa longe de ser um cenário ideal para se constituir uma família. É uma condição de vulnerabilidade social, em que mãe e filho precisam de ajuda para conseguirem superá-la.
O IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, desenvolveu o Atlas de Vulnerabilidade Social que analisa indicadores e aponta resultados referentes a vulnerabilidade social nos mais de 5 mil municípios brasileiros. O Atlas define vulnerabilidade social como “ausência ou insuficiência de alguns ativos, recursos ou estruturas (como fluxo de renda; condições adequadas de moradia; acesso a serviços de educação, dentre outros) que deveriam estar à disposição de todo cidadão, promovendo condições de vida e de inserção social favoráveis.”
Um dos indicadores desta pesquisa é o IVS de Capital Humano, que diz respeito a perspectivas de inclusão social dos indivíduos nas áreas de saúde e educação. A média brasileira neste quesito é 0,362, o que indica que o Brasil está no patamar médio da vulnerabilidade social se comparado a outros países. Não existem, porém, dados específicos que indiquem o número de grávidas nessa situação, mas tendo em vista que as mulheres são a maioria da população e que pessoas em situações vulneráveis possuem menos acesso a educação sexual e métodos anticoncepcionais, esse grupo social se mostra numericamente relevante.
Apesar do quadro preocupante, foi possível encontrar somente um projeto de lei que se refere diretamente a essas mães. O projeto de lei PL 4641/2016, proposto pelo deputado Federal Flavinho (PSB-SP), prevê a proteção e a extensão de benefícios do SUS às gestantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica e em situação de rua, e a gravidez decorrente de violência sexual ou que põe em risco a saúde da mãe. No momento, a lei aguarda o parecer do relator na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER).
Gravidez em situação de vulnerabilidade social
Na periferia da cidade de Boituva mora Ana Cláudia Aparecida da Silva, 21 anos. Ela divide sua casa, de 3 cômodos, com mais 16 pessoas e está grávida de 9 meses. Ao perguntar para Ana se ela está preparada para a chegada da criança, ela afirma que “sim, todos estamos muito felizes com a chegada do Miguel.” A ideia de ter um quarto de bebê, um berço só para ele, nem passa por sua cabeça.
Ana Cláudia teve acesso à tratamento médico no SUS e não enfrentou nenhum tipo de problema por isso. Afirmou que seu médico “era bom e que cuidou bem dela”. Já sua mãe, Margarida de Fátima Paulino Telles da Silva, 45, que tem 8 filhos, teve uma experiência traumatizante com o SUS. Margarida contou que na sua nona gravidez, em 2014, o bebê estava em uma posição que exigia cesárea e que ao chegar no Posto de Saúde para fazer o parto não houve médico para atendê-la. A criança acabou falecendo ainda dentro de sua barriga e por lá ficou durante 3 dias.
A família moveu uma ação contra o SUS, mas não teve resultado. Elas, ao mostrarem a foto do bebê que nem chegou a respirar, contaram com tristeza que não tinham mais condições de lutar na justiça.
Problemas de saúde
Estar em situação de vulnerabilidade implica em questões sérias relacionadas a saúde. A Doutora Mary Uchiyama Nakamura, professora associada da disciplina de obstetrícia fisiológica e experimental do Departamento de Obstetrícia – UNIFESP, explicou que gestantes moradoras de rua são “submetidas ao estresse, o que leva a complicações de estresse crônico, condição que apresenta sintomas como hipertensão arterial e distúrbio do sono.” Além disso, elas podem sofrer desnutrição, o que restringe o crescimento do bebê.
Já usuárias de droga se encaixam num cenário ainda mais grave. Nakamura afirma que “a própria droga é uma substância vasoconstritora, o que causa redução no aporte de circulação sanguínea”, o que pode causar déficit no crescimento fetal, inclusive também no sistema nervoso e cognitivo. Ainda é possível que ocorram “complicações maternas, como síndromes hemorrágicas da primeira metade (abortamento) e da segunda metade (descolamento prematuro de placenta e placenta prévia”. Tais problemas podem levar a mãe até à óbito.
O stress, para qualquer gestante, pode fazer com que a mãe corra “risco maior de entrar em trabalho de parto prematuro, desenvolver pré-eclampsia e até mesmo descolamento prematuro de placenta ou placenta de inserção baixa”, completa a doutora.
Instituições de amparo à mulheres
Em 2015, foi realizada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) uma pesquisa em uma instituição localizada em Maringá-PR especializada em acolher mulheres gestantes com as suas famílias. Os resultados indicam que, atualmente, as maioria de mulheres que procuram auxílio de instituições são as “oriundas de questões sociais como o uso de substância, vítima de violência e situação de rua.”
Existem instituições especializadas em acolher gestantes em situação de vulnerabilidade em diversas cidades. Em São Paulo, há a maternidade Amparo Maternal, que presta atendimento humanizado de excelência no pré-natal, no parto e após o nascimento. Dentro da maternidade, existe a divisão “Centro de Acolhida”, que oferece abrigo provisório para gestantes em risco social, estendendo-se ao período pós-parto até o sexto mês de vida do bebê. A instituição foi contada, mas não pode fornecer informações, já que preza pela anonimidade das mulheres que procuram sua ajuda.
Em Bauru, por exemplo, não existe nenhum centro especializado. As futuras mães podem procurar abrigos, como o Albergue Noturno, que “atende a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados”. Joyce Rosa, assistente social da instituição, conta que quando mulheres grávidas procuram pelo albergue, elas “são acolhidas emergencialmente e no dia seguinte são referenciadas e encaminhadas para o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP).”
No ano de 2017, Rosa relata que atenderam duas gestantes. “Um caso foi encaminhado para o Centro POP e posteriormente para uma Casa de Passagem Feminina e o outro caso estava de passagem por Bauru e seguiu para casa dos familiares em outro município”, explica.
A doutora Mary Nakamura frisa que é de extrema importância que gestantes tenham acompanhamento médico durante toda a gestação. Em casos de usuárias de drogas, por exemplo, “os psiquiatras devem avaliar a gravidade, indicando a paciente para tratamento ambulatorial ou hospitalar. Como existe limitação em prescrição medicamentosa, é fundamental acompanhamento também com psicólogo durante todo o período gestacional.”
Questões legais
Mas como fica a situação da criança ao nascer em uma situação como uma dessas? Cristiane Demasceno, advogada militante há nove anos, especialista em Direito Processual Penal e conselheira da OAB-DF, explica que a mãe “não vai perder a criança pelo fato de morar na rua ou ser usuária de drogas, só se isso colocar a criança em situação de vulnerabilidade.” Ou seja, somente se a mãe deixar seus filhos sozinhos dias após dias, maltratá-los, ou deixá-los em situação de perigo que “essas ações podem ser motivos suficientes, previstos no Artigo 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente, para a mãe perder o poder familiar.”
Demasceno explica ainda que tudo depende muito do magistrado: “existem juízes que são mais radicas e tem outros que não. O ideal é colocar a mulher em situação de segurança para ela poder ficar com a criança.” O processo não é tão simples. Antes do juiz destituir o poder familiar dos pais, “o ideal é que ele procure família extensa da criança, como avós, tios, primos, para só depois dar continuidade no processo.” Mesmo assim, “se esses familiares não quiserem, eles não são obrigados a ficarem com a criança.” A denúncia pode vir de pessoas alheias a situação e o Conselho pode agir imediatamente para tirar a criança da situação de risco, pelo menos por um curto período de tempo. Se os familiares não desejarem criar o bebê, este vai para adoção.
A advogada compartilhou um processo que está envolvida atualmente. “Maria* tem 40 anos e está encarcerada, com uma pena alta. Ela era moradora de rua e já teve outros filhos, que foram disponibilizados para adoção.” Essa mulher entrou para a prisão grávida e passou por uma situação chamada de hipermaternidade, “é um fenômeno que ocorre com mulheres encarceradas e que passam 24 horas com as crianças, criando um apego muito forte com seus filhos recém-nascidos”. Até então, Maria não havia desenvolvido esse apego com seus outros filhos.
No entanto, o juiz tirou o poder familiar de Maria, apesar de que apenas o fato dela estar encarcerada não ser motivo suficiente para isso, já que apenas um crime contra a criança poderia justificar a alienação do bebê de sua mãe. Cristiane foi acionada e contou que Maria está desesperada por ter sua filha tirada dela. Esse é um caso em andamento e “muito emblemático de mães que estão em situação de vulnerabilidade”.
*Para preservar a identidade, a mulher será chamada de Maria.
Reportagem: Julia Gonçalves
Produtora Multimídia: Luana Brigo
Editor: Vitor Azevedo