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Opinião |Ansiedade e tecnologia caminham juntas

Com o advento e o crescimento da tecnologia, o costume de fazer as coisas de forma lenta e paciente já sucumbiu ao boom pós-moderno

Tatatata tim tata: esse era o som que ecoava da portaria do Spazio Benfica, nos altos da cidade de Bauru, produzido por uma simples ponta de um cabo USB, que estava quente por acabar de cumprir sua tarefa de conceber energia para o smartphone branco, no qual Wal – como gosta de ser chamado pelas pessoas que conhece – se distrai durante as noites de vigia no prédio. Pelas câmeras de segurança nos elevadores, o porteiro viu que a hora de sua entrevista estava se aproximando e não conseguiu se conter, a ansiedade quase tomou vida própria e se desprendeu de si:

– Você demorou, achei que não vinha mais. Já estava aqui pensando: “Será que ela não vem? Acho que já deve ter ido dormir”. Eu estava começando a ficar chateado porque queria ajudar – desabafa Walmir Paulino Antônio.

Nascido em Garça, no começo da década de 80, Wal nunca teve aparelhos eletrônicos: o telefone e a televisão demoraram para chegar em sua residência. Fato que hoje ele lembra com pesar: “A gente era muito desinformado naquela época, tudo o que ficávamos sabendo vinha por parte de vizinhos, da TV do bar ou de uma ligação por telefone, que poderia demorar um tempão para vingar”.

O celular de Walmir é seu companheiro durante a noite (Imagem: Flávia Simão)

E no meio tempo em que dizia essa frase curta, três pessoas passaram pela entrada que o porteiro comanda três noites por semana da cabine de segurança. E não foi problema algum apertar botões, cumprimentar, pensar e conceder uma entrevista ao mesmo tempo: “Naquela época a tecnologia não era como era hoje, a comunicação não era para todos. Era orelhão com ficha, né?! E só algumas pessoas que tinham telefone. Então era muito difícil para você poder falar com alguém: era carta, telegrama. A gente tinha que ter paciência”.

E então, tudo fez silêncio. Wal tirou o celular de seu colo e começou a navegar. Em questão de segundos passou o olho pelas conversas do Whatsapp, quando uma lhe chamou atenção. Era Tereza, perguntando se poderia ligar para fazer companhia ao marido durante a madrugada. O porteiro recusou a ligação, afinal, outra pessoa já fazia esse papel momentaneamente e ainda fazia Walmir sentir-se importante ao lhe propiciar a oportunidade de dar uma entrevista. A fala gaguejada mostrava claramente que seus pensamentos vinham mais rápido do que a agilidade de sua língua em construir palavras. A ansiedade o consumia, mas isso não era problema algum. Para ninguém, afinal, a ansiedade já se tornou algo tão natural e presente que ninguém se incomoda mais com ela.

Um carro embicou no portão. Não se passaram 5 segundos quando a buzina soou: mais uma entrada foi liberada, através de uma rápida troca de olhares por parte daquele homem que se distraiu por segundos e já foi repreendido com sons agudos e cantar de pneus. Walmir levantava da cadeira, andava e remexia. Coçava olho, nariz e orelha: “Mas hoje, com o celular, é tudo uma maravilha para nós. É claro que eu tenho dificuldade com algumas coisas, para entrar em algumas ferramentas. Nós começamos a aprender no dia-a-dia. O jovem já nasce sabendo. Você acaba acompanhando o ritmo e não consegue andar sem celular, fica olhando a cada meia hora quem está online. Quer saber o que está acontecendo, quer ver tudo. É uma coisa que antigamente era mais difícil. Você mandava e esperava, esperava… Era tudo devagar”.

O relógio batia quase meia-noite quando o síndico do Benfica apareceu de shorts de pijama e blusa regata, pedindo por um isqueiro. Alegou precisar fumar, estava irritado com o barulho na república da esquina, que não lhe deixava dormir. Com um ar de repreensão, julgou a entrevista por desconcentrar Walmir de seu trabalho, mas o porteiro não se deixou intimidar. Explicou-lhe a situação, trataram-se como amigos. Algumas risadas vieram a calhar e os dois papearam por um minuto.

Wal despediu-se do homem e abriu mais uma vez o portão. Cumprimentou, fez piada e se divertiu com quem passava. E na mesma hora, já emendou: “Você quer um celular bom, quer algo para poder se sentir mais seguro, afinal, a comunicação rápida te dá segurança. Mas acho que a juventude, nós mesmos, precisamos controlar a ansiedade porque está fazendo mal para o povo. Acho que o pessoal de hoje em dia está muito sem paciência. É o emocional. Isso é uma coisa que eu, você e todo mundo temos que trabalhar”.

Mas se despedindo ao som de tatatata tim tata, Wal acredita que o mundo globalizado e a rápida comunicação são ótimos adventos da atualidade, e dá seu último recado:

Opinião:

Imediatismo, ansiedade, agitação e busca por um mundo melhor: essas são características fáceis de encontrar em adultos que viveram a fase de consagração da tecnologia nos tempos de pós-modernismo, ou, como denominou Zygmunt Bauman, Modernidade Líquida. Cada dia a informação corre de forma mais eficiente, os fios e as ondas nos ligam a lugares opostos do mundo e a gama gigante de possibilidades nos faz pensar em possibilidades melhores, em idealismos. No entanto, essa mesma era da tecnologia, essa era do virtual, enfraqueceu as relações interpessoais, tornando-as superficiais e, ao mesmo tempo, faz com que a sociedade como um todo se dissipe em momentos efêmeros, não enxergando na tentativa, uma forma de alcançar a plenitude, mas sim, uma forma de fracasso. Afinal, quase não existem imperfeições na tecnologia. A perfeição deve ser o ponto de partida e o de chegada. E isso, para Bauman, é preocupante, mas como diz o sociólogo em relação às gerações da pós-modernidade: “Sou tudo, menos desesperançoso. Confio que os jovens possam perseguir e consertar o estrago que os mais velhos fizeram. Como e se forem capazes de pôr isso em prática, dependerá da imaginação e da determinação deles. Para que se deem uma oportunidade, os jovens precisam resistir às pressões da fragmentação e recuperar a consciência da responsabilidade compartilhada para o futuro do planeta e seus habitantes. Os jovens precisam trocar o mundo virtual pelo real”.

Boom de informação, agilidade de pensamentos, quebra de protocolos e padrões, busca pela perfeição, globalização, transmídia…

E enquanto você lia isso, bilhões de pessoas se conectaram de alguma forma.

Reportagem: Flávia Gândara Simão

Produção multimídia: Laiza Castanhari

Edição: Bruna Malvar

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