Reforma psiquiátrica avança com novos programas de tratamento
O Movimento da Luta Antimanicomial estimula a criação de alternativas aos tratamentos violentos e invasivos
O primeiro hospital psiquiátrico brasileiro foi construído em 1830 por D. Pedro II. Sua criação foi a alternativa encontrada para lidar com as pessoas com transtornos psíquicos, que vagavam pelas ruas, ficavam presas ou estavam sob cuidados da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. A criação do chamado hospício Dom Pedro II acabou por decretar a clausura e a exclusão como modelos de tratamento aos pacientes. Com o decorrer da história e os avanços na área da saúde, os tratamentos passaram a contar com remédios e os hospitais psiquiátricos viraram verdadeiras prisões. Para lutar contra esse modelo de tratamento, surgiu o movimento da luta antimanicomial, que em 1987 deu um passo importante para a reforma psiquiátrica com a divulgação da chamada Carta de Bauru. O manifesto pedia uma sociedade sem manicômios e por cidadania aos “doentes mentais”.
O psicólogo Sérgio Moura acompanhou pacientes para internação em hospitais psiquiátricos e diz que “estes locais eram mais um depósito de pessoas rejeitadas do convívio familiar e social. Os pacientes só recebiam medicamentos para deixa-los menos agressivos e estes ficavam lá, simples assim.” De acordo com a doutora em psicologia Sueli Terezinha Martin, o tratamento proposto nos hospitais era “focado na medicação e em procedimentos de contenção violenta, como aplicação de eletrochoques, e em outros tempos a lobotomia”.
A partir de 2001, o Presidente Fernando Henrique Cardoso sanciona a lei 10.2016, que modifica o sistema de tratamento aos pacientes, proporcionando-os mais direitos, reinserção social e cidadania, além de possibilitar outros modelos de tratamentos. Dentro deste contexto, encontramos os CAPS (Centro de apoio psicosocial)- que propõe o bem estar e a inclusão, com tratamentos que ultrapassem os limites das instituições, ou seja, que envolva o contato direto com a sociedade e a família – e as Residências terapêuticas – que foram regulamentadas com a portaria/GM nº 106 – De 11 de fevereiro de 2000. De acordo com a lei, “entende-se como Serviços Residenciais Terapêuticos, moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção social.” A portaria também define o descredenciamento de leitos em hospitais psiquiátricos para cada pessoa que ingresse nas Residências.
Outro programa que visa o fim dos hospitais psiquiátricos é o “De volta para Casa” que através do “auxílio reabilitação-psicossocial”, pretende reintegrar pessoas com vínculos familiares que passaram por um longo período de internação.
Os progressos que a luta antimanicomial obteve, porém, é motivo de controvérsia. Moura considera que os avanços da luta até agora foram poucos, mas contínuos. “O maior problema que enfrentamos são os donos de hospitais e os que lucram com estes”. Já Martin acredita que houve uma grande evolução nas demandas da luta. “Temos hoje uma rede de atenção psicossocial que, embora insuficiente e com problemas, mudou radicalmente o modo de cuidar das pessoas com necessidades de atenção em saúde mental.”
Para garantir a abertura de mais CAPS e seu funcionamento, em 15 de abril de 2013 foi divulgada a portaria n°615, que “Dispõe sobre o incentivo financeiro de investimento para construção de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e Unidades de Acolhimento, em conformidade com a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)”, porém, de acordo com Moura os “CAPS em todos os estados sofrem sem ter material para oferecer nos tratamentos dos usuários, verba tem, mais, para onde vai, não sabemos. Chega a ser vegonhoso, os profissionais tem que levar até comida de suas casas para oferecer aos usuários, material de terapia ocupacional, isso é descaso com todos que lutam por um tratamento humanizado.”
Reportagem: Lara Sant’Anna
Produção Multimídia: Helena Nogueira
Edição: Monique Ferrarini