É que Narciso acha feio o que não é espelho
Mariana Torres
A beleza sempre foi vista como mais uma forma de alcançar a felicidade, mas suas formas são efêmeras
Acordar, se preparar para a rotina, talvez comer alguma coisa, mas, com certeza, se olhar no espelho antes de sair de casa. Tudo isso faz parte do contexto da maioria das pessoas que vão ler esta matéria. E por que será que as pessoas se olham tanto no espelho? Vivemos em uma sociedade em que Narciso, personagem da mitologia grega e símbolo da vaidade, mal seria notado. A beleza se tornou uma cartilha de leis a serem seguidas por todos, em que cada uma delas é bem específica e não pode ser desrespeitada. Assim temos um exército de pessoas iguais, mas ainda assim belas. Esse padrão que a maioria segue nem sempre foi igual ao de hoje e não é o mesmo em todos os lugares do mundo.
Para Cláudio Bertolli, professor de antropologia da UNESP, “historicamente o corpo foi necessário para o tecido social de maneiras diferentes”. No início do século XX, por exemplo, a imagem da mulher esteve muito atrelada à questão da família, ou seja, a imagem materna.
Por causa disso o padrão de beleza feminino estabelecido era o da mulher mais rechonchuda, de ancas largas. A partir dos anos 60, com a ascensão do movimento feminista, o que era considerado belo começou a dialogar com a mulher que buscava igualdade de gênero e cada vez mais se tornava autônoma. O padrão de beleza se desenvolveu até chegar ao que é hoje, em que o corpo feminino deve ser saudável, ágil e atraente, configurando uma mulher magra, com seios e glúteos relativamente avantajados.
Embora o homem também tenha passado por essas mudanças no que diz respeito aos padrões impostos pela sociedade, há, historicamente, uma ênfase do conceito de beleza ligado à feminilidade. Célio Losnak, professor de história da UNESP, tem estudos na área e explica que ao longo do tempo houve diversas influências na formação desses padrões de beleza. No século XIX, a medicina tinha grande domínio na formação desses paradigmas. A beleza estava totalmente associada à ideia de saúde e produtos de beleza eram considerados “medicamentos”. Era o tempo da cura da feiura.
Depois disso o cinema e a imprensa são, para Losnak, os grandes autores dos arquétipos de beleza difundidos, tanto para o homem quanto para a mulher. “Com certeza na segunda metade do século XX é que esses padrões vão ser mais difundidos pelo cinema e pela TV, atingindo mais intensamente as classes populares”, esclarece o professor.
Hoje em dia um outro componente incide fortemente sobre a formação desses valores do que é belo ou não. O mundo da moda, de acordo com a estilista Luísa Luz, formada em design de moda pela universidade FUMEC, seleciona as tendências que são incorporadas pelo imaginário das pessoas. Para ela, a moda tem um papel fundamental na consolidação dos modelos de beleza desde os anos 60 com Twiggy, ícone da moda e estilo da época. Mas, assim como os outros formadores dessas “regras”, a moda contribui para a constituição de uma consciência que atrela beleza à felicidade. “Se esse padrão se torna um desejo geral, se para você ser aceita tem que estar linda e na moda, então você entende que tem que sacrificar seu dinheiro com água termal ou sei lá o que. A moda contribui para a inversão de valores também, no fim das contas.”, completa Luísa.