Especulação imobiliária e suas consequências
No caldo da especulação imobiliária encontra-se de tudo: imóveis caros em áreas desvalorizadas, (des)vantagens para a população, o esmagamento de comunidades que já existem por condomínios fechados que vêm se instalar e aumentar o custo de vida para as outras famílias. A especulação pode trazer a extinção de organismos vivos da cidade.
A especulação imobiliária (a compra e venda de imóveis e terrenos que movimenta altas quantias de dinheiro) traz benefícios para quem realiza as transações financeiras. O mesmo não acontece para quem sofre as consequências.
O Bairro Ferradura-Mirim, regularizado e devidamente inserido no cadastro de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), ainda sofre com falta de infraestrutura, do mesmo jeito que seu “vizinho”, denominado apenas Ferradura. Neste último, a regularização ainda tarda (bem como benefícios da urbanização). Os preços dos imóveis estão no alto e segrega-se mais ainda quem já está segregado. Outra ocupação em Bauru, o Jardim Niceia, também é afetado pela especulação, só que na região o problema é outro: condomínios fechados e loteamentos aproveitam-se do alto valor do lote no local para expandir, porém os altos muros com cerca elétrica começam a invadir o espaço do Niceia, que já tem seus papeis de regularização na Prefeitura.
Em outra abordagem, os pontos de valorização e desvalorização de um imóvel ou bairro também entram na equação: quais são as consequências financeiras da especulação imobiliária? Bons pontos de transporte, boas escolas e parques elevam as vantagens. Da mesma maneira o fazem os shoppings. Mas não são somente benefícios – como se observa na região do centro de Bauru, onde o novo empreendimento Shopping Boulevard Nações estaria causando transtorno e aumento de IPTU.
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(fotos: Mariana Torres)
No meio do caminho havia uma ocupação
Uma pequena excursão ao bairro Ferradura, em Bauru, pode nos mostrar vieses das consequências sociais que a especulação imobiliária pode causar. Natasha Lamonica, arquiteta urbanista da Secretaria de Planejamento de Bauru, explica que existem dois diferentes “Ferraduras” no mesmo espaço: o primeiro é o bairro Ferradura-Mirim, devidamente regularizado e contabilizado nas taxas municipais para a habitação (IPTU, por exemplo). Ele se encontra em um dos lados da Avenida Jorge Schneyder. Do outro lado, o bairro apenas denominado Ferradura, as casas que circundam a região mais precária, com barracos e ruas de terra, dispõe de asfalto, luz e água (embora essa última seja um problema por lá); esta região é considerada uma ocupação irregular, e as casas não pagam o IPTU. Onde, portanto, entra a especulação imobiliária nesse caldo?
Os “Ferraduras” não estão em uma área valorizada de Bauru, mas ainda assim existe uma ocupação na área, o que caracteriza problemas provenientes da especulação imobiliária. A cidade de Bauru apresenta dinâmicas de compra e venda de terrenos e imóveis que caracterizariam uma grande especulação no setor – um dos motivos é a região do cerrado que circunda o município. Porque é um ecossistema em extinção, é proibida a construção e loteamento em áreas de cerrado, o que barra a expansão em algumas direções.
Uma cidade que oferece serviços como Bauru, mas que não produz em grande escala industrial não deveria passar por processos tão significativos de comércio de imóveis. A previsão da prefeitura de Bauru para 2014, por exemplo, é um salto de 50 para 70 milhões de reais em arrecadação com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Uma análise das finanças públicas do governo do município, divulgados no site do IBGE apontam uma discrepância entre a arrecadação de verba referente à indústria, serviços e a arrecadação proveniente da habitação.
Guilhermina Mandotti, que vive desde 1999 no Ferradura-Mirim, paga o IPTU desde que se instalou no bairro. Ela diz que nunca teve problema com correspondência ou com a falta de água. Maria Elvira Lenharo, também moradora do Ferradura-Mirim, acrescenta: “Nunca faltaram serviços aqui no bairro”. Já do outro lado, a situação muda. Geni Lima, moradora do Ferradura, recebe luz, nem sempre tem água e não paga o IPTU. Mas gostaria que uma regularização fosse feita. “Seria bom pra receber o correio e pra arrumar tudo por aqui”, completa.
O que se vê nos bairros, tão próximos um dos outros, é que a especulação imobiliária segrega os que já estão segregados. Nota-se que o bairro regularizado, Ferradura-Mirim, sofre com falta de infraestrutura básica: algumas ruas ainda são de terra, os ônibus não circulam pelas ruas paralelas às avenidas e a oferta de serviços é limitada: o deslocamento em direção ao centro, que concentram órgãos públicos e outros serviços é dificultado pelo péssimo transporte público de Bauru; ainda assim, a compra de um imóvel no bairro não sai por menos de 150 mil reais. Tendo em vista essas condições, parece redundante afirmar que as condições são piores do lado sul da Avenida Jorge Schneyder. A referida parte é, como um todo, ocupação. O retângulo de asfalto que circunda o interior tampouco é regularizado. Porém, segundo Natasha Lamonica, existe um projeto de regularização que está em andamento. “[A regularização] é um processo bem complexo. A do Ferradura está em andamento há cinco anos. Parte do bairro tem previsão de ser regularizado em aproximadamente um ou dois anos, e a outra parte em pelo menos cinco anos”, acrescenta Lamonica. Ainda que a arquiteta afirme que não há “nenhuma história mais emocionante envolvida” na regularização da ocupação e da alta especulação imobiliária na região, não é errado afirmar que a população do local sofre com o mercado imobiliário despropositadamente aquecido em Bauru.
Domingo no shopping e segunda no banco
No imaginário popular do brasileiro moderno, sábado é dia de escolher uma roupa melhor e ir “bater perna” no shopping center. Grande fenômeno desde os anos 1980, os centros de compra arrastam milhares de pessoas aos seus corredores e às suas praças de alimentação. Em Bauru não é diferente; o Bauru Shopping, primeiro da cidade, há anos não comporta o enorme contingente de pessoas que buscam essa opção de entretenimento. O Shopping Boulevard Nações, inaugurado no final de 2012, aparenta dividir o os afoitos compradores com o outro estabelecimento.
De arquitetura moderna, ele se destaca em uma paisagem antes intocada pelo moderno – o centro da cidade. Obras viárias de duplicação e asfaltamento foram realizadas no entorno do centro de compras e uma nova iluminação foi instalada nos arredores. Para Cleuto Cordeiro, que há 29 anos vive na Rua Tupiniquim, rua que agora “morre” na avenida defronte ao Boulevard Shopping, afirma que as mudanças vieram apenas para melhor. “Valorizou o meu pedaço. As taxas municipais ainda não aumentaram, a avenida agora tem duas pistas e minha esposa e filha aproveitam o shopping”. Ainda que Cleuto veja vantagens, o aumento do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) é certo para este ano. Mesmo que não seja um imposto progressivo, como havia sido proposto pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (o qual pessoas que vivem em bairros mais valorizados paguem IPTU mais alto do que aqueles que vivem em bairros desvalorizados), a Câmara aprovou um aumento de até 22% no imposto, o que pode aumentar a inflação para 30% no município.
Comerciante instalado há oito anos na Rua General Marcondes Salgado, recentemente duplicada para a chegada do shopping, Luís Henrique Barros, dono da Baurumaq diz que a construção do centro de compras apenas trouxe prejuízos: “Enquanto o shopping era construído, minha loja sofreu prejuízos físicos, como poeira que sujou a fachada e danos ao meu telhado, e ainda não fui ressarcido”. Luís Henrique acrescenta que o ponto de carga e descarga que era localizado na frente de sua loja foi deslocado para a esquina posterior. “Eu recebo equipamentos de porte industrial e não consigo descarrega-los no meio do dia, porque nunca há vaga livre”, afirma. Para ele, o shopping não é uma vantagem, inclusive porque sabe que o IPTU irá subir por conta do Boulevard Nações.
Ainda que seja uma vantagem para proprietários de imóveis ao redor de estabelecimentos como shoppings e outros centro de compras (hipermercados, por exemplo), esse tipo de construção aumenta o valor do imóvel no local. Os preços sobem, mas, muitas vezes, não se vê melhorias efetivas – pode faltar água e policiamento nas regiões. A população se sente beneficiada até certo ponto, uma vez que as vantagens aparecem primeiro do que as desvantagens.
Da portaria para fora
Outro caso de ocupação em Bauru, o Nicéia, perto do campus da Unesp, passa por um estrangulamento causado pela especulação imobiliária que insurge nas proximidades da universidade. Circundada por condomínios de classe média alta, a ocupação sofre com problemas inerentes às ocupações urbanas, mas também com os limites dos residenciais, que avançam cada vez mais. Os condomínios, cercados por altos muros e portarias, abrigam poucas casas cada um. O condomínio Chácara Odete, defronte a entrada do Niceia, possui 46 famílias que desfrutam das comodidades; o Residencial Sauipe tem 64 casas habitadas e o Residencial Tavano, 57.
Moradora do Nicéia há vinte anos, Cícera Lim aprova a chegada dos condomínios. Cícera diz que, por conta dos loteamentos, muitas ruas de acesso se abriram ao redor e incentivou a regularização do Niceia. “Mas eu lembro que houve uma história que eles [os condomínios] queriam despejar os moradores, mas nada aconteceu”, conta. Cícera afirma ter a sensação de segurança, transmitida pelos condomínios. Outra moradora, Cláudia Peres, também não vê desvantagens. “Tirou o mato daqui do bairro, mas em segurança não mudou”.
O crescimento dos condomínios fechados é um fenômeno em crescimento no Brasil e também em Bauru. O advento dos bairros fechados vem dos anos 1970, beneficiados pelo aquecimento imobiliário em São Paulo e no interior; foi nos anos 1990, entretanto, que o boom dos condomínios atingiu a população de classe média alta. Uma das principais causas é a falta de segurança nos bairros abertos. A grande quantidade de condomínios também desenvolve outros fenômenos, como a instalação de serviços ao redor e, por vezes, dentro dos loteamentos fechados – um exemplo é Alphaville, que surgiu em meados de 1970 em São Paulo. Outro fenômeno causado pelos condomínios é a especulação imobiliária; não só as casas dentro desses bairros fechados são extremamente valorizadas como regiões menos abastadas ao redor perdem valor. Uma casa no Condomínio Chácara Odete, já citado nesta reportagem, não sai por menos de 800 mil reais para compra. Enquanto isso, o Jardim Niceia perde espaço para se desenvolver, mesmo com a regularização em andamento. Com fronteiras limitadas pelo crescimento dos condomínios, as casas caem de preço, sem contar com a constante ameaça de despejo por parte das administradoras de tais bairros fechados. O espaço perto dos condomínios fica extremamente valorizado e unidades habitacionais como ocupações e favelas que estão nos arredores são cada vez mais compelidas a sumir.
Obviamente que a regularização do Jardim Niceia é a maneira mais eficaz de garantir que os moradores não sejam despejados, mas ainda assim os condomínios oferecem risco para essas comunidades. Mesmo que se cerquem de muros altos, vigias e portarias complexas, esses condomínios fechados não podem extrair um organismo vivo da região, não importando quantas praças recreativas ofereçam.
OBSERVAÇÃO: A reportagem não conseguiu confirmação que diga se todos os condomínios da região são regularizados de acordo com leis municipais.