Questões políticas, vontades econômicas
No Brasil uma malha ferroviária ainda diminuta degrada-se em oposição ao crescimento incessante do transporte rodoviário (e da economia de suas empresas beneficiadas). Em Bauru, não é diferente.
“Eu fico indignado”, exalta-se João Tidei de Lima quando fala da situação das ferrovias que passam por Bauru. “A cidade é um exemplo de sucateamento ferroviário, com gente querendo tirar os trilhos”, opina o professor aposentado da Unesp e conhecido historiador em Bauru.
Bauru nasceu dos trilhos. No entroncamento de três estradas de ferro, surgiu um vilarejo no qual viu-se a população saltar de 500 para 10 mil pessoas em 5 anos. Toda vida social e econômica andava junto com os vagões. Bares, clubes e mesmo um time de futebol veio daí. Mas, afinal, por onde andam os trens de Bauru?
“Isso não é uma questão de nível local”, lembra Tidei. Data-se da década de 50, o presidente Juscelino Kubitschek, em seu projeto desenvolvimentista, troca a preferência do transporte ferroviário pelo rodoviário e investe na construção de estradas em detrimento dos trilhos. Isso porque a Wolkswagen investia forte no país para a produção de carros aqui, bem como na compra da borracha cuja extração seguia forte no norte do país. Por força econômica, deu-se a escolha política.
Bauru seguiu a tendência. Hoje três empresas fornecem o serviço de transporte público na cidade: Cidade Sem Limites, BauruTrans e Grande Bauru. Todas pertencem a um mesmo dono.
“É uma relação de negócios. As empresas que operam no Brasil exercem uma relação de grande poder. Por exemplo, o grupo Constantino opera em vários âmbitos. As três empresas são do mesmo grupo econômico, que é o grupo Constantino”, explica o vereador Roque Ferreira.
Muito embora a relação de poder econômico aconteça ela não é explícita. Roque argumenta que muitos dos problemas do transporte público de Bauru são resoluções municipais e não privadas. Um exemplo é o preço da tarifa, ela é unitária independente do número de empresas e fixada pelo poder executivo. Mas isso não impede a pressão política.
“Normalmente, quem faz a pressão para reajuste de tarifa são as empresas privadas . Todo sistema é modelado para garantir lucro. No feriado, é difícil de usar ônibus, já que 75% deles são retirados”, argumenta o vereador.
Já Tidei acredita que o caminho é a cobrança popular para interação das malhas ferroviárias e urbanas. “Nos países mais desenvolvidos, os dois meios andam juntos e se complementam. Bauru tem quase um anel ferroviário em volta de si, por que não se usa?”, questiona o professor.
Ele mesmo responde: “foi falta de vontade política”. Por outro lado, houve a pressão econômica das empresas de transporte. Assim, há o questionamento: para mudar a vontade política é preciso primeiro mudar a vontade econômica?
“O transporte (público) tem que ser público em toda a sua extensão. Porque essa empresa tem que operar com eficiência, qualidade e ser autossustentável, sem pegar parte desses lucros para capitalizar contas privadas”, pontua Roque.
Ou seja, para ser 100% pública, é preciso ser 0% privada.
Reportagem: Wagner Alves
Produção Multimídia: Gabriel de Castro
Edição: João Vitor Reis
One thought on “Questões políticas, vontades econômicas”