Nº 10 – 2014 | Prostituição
Madrugada gelada de domingo. Um homem trabalha solitário em um trailer de lanches na cidade de Marília, servindo comida e bebida aos últimos sobreviventes da noite. N., que aparenta ter cinquenta e poucos anos, começa a contar sobre seus relacionamentos com uma espontaneidade quase inocente. Confiança imediata que se aprende na vida boêmia, em que tudo parece permanecer no anonimato.
– Eu saio de madrugada do serviço todo dia e, às vezes, saio com umas meninas, diz N.
– Você é casado?
– Sou. Minha mulher tá em casa cuidando dos filhos.
– Se você é casado, por que procura prostitutas para fazer sexo?
– Ah, porque o homem gosta de sair da rotina, né? Tudo que sai da rotina é melhor.
– Mas você não pode sair da rotina com a sua esposa?
– É difícil…, comenta encabulado.
– Por quê?
– Porque mulher casada se dá mais ao respeito, né?
A prostituição é uma prática milenar que passou por diversos momentos em sua relação com as normas e condutas sociais. Na história, pessoas ligadas a essa atividade já foram demonizadas, criminalizadas e, hoje, discute-se a proposta de regularização da profissão.
No Brasil, a prostituição não é ilegal, mas a contratação de pessoas para se prostituírem ou o fomento à atividade é considerado crime. Mesmo que as prostitutas não sejam penalizadas, não existem mecanismos para que tenham seus direitos reconhecidos, incluindo direitos trabalhistas e amparo do Estado em situações de risco.
Se a preocupação dos que são contra a atribuição desses direitos é de que a mulher ou homem que se prostitui é tratado como um objeto e de que a atividade é uma forma de mercantilização do corpo, também é preciso repensar o quanto outras profissões – se não todas – envolvem a exploração da força de trabalho física e intelectual, em maior ou menor proporção.
O objetivo da edição foi confrontar visões comuns sobre a prostituição, seja ela feminina, masculina, transexual ou homossexual, e apurar porque a prática é colocada nos lugares mais marginalizados da sociedade. Mas a discussão vai além. O que essas mulheres e homens estão, de fato, comercializando? Seriam apenas seus corpos ou também desejos, fetiches e a chance de fugir da solidão por alguns minutos ou horas?
Histórias como de Suely, Sabrina, Layane, Ashley Carolina, Valéria, Alan, Leticia, entre outros personagens, ajudam a responder essas questões, oferecendo a oportunidade de entender o universo da prostituição e suas contradições.
Carolina Ito – Editora-chefe
(carolina.ito33@yahoo.com.br)
NESTA EDIÇÃO:
Perfil: A estrada de Leticia para longe do senso comum
A responsabilidade não é só delas
Homens e travestis esbarram no preconceito
“Como você sofreu violência se o cliente estava pagando?”
Projeto de Lei Gabriela Leite propõe regulamentação da profissão
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