Por que o futebol?
Praticado nas mais diversas variações desde a Antiguidade, o futebol chegou ao Brasil em 1895 como herança dos ingleses, aqueles que o sistematizaram e deram ao esporte um código de regras. Clubes começaram a ser fundados em São Paulo e Rio de Janeiro e, logo, transformou-se na principal prática do país, assumindo uma relação de grande identificação com o brasileiro e tornando-se potência no cenário futebolístico mundial.
“Potência em termos de títulos”, completa a frase João Tidei de Lima, professor aposentado da Unesp e historiador. Seus cinco títulos no Mundial e a façanha de ser o único país a participar de todas as Copas do Mundo afirmam seu “favoritismo” no esporte.
Então a fama procede? Somos de fato o país do futebol? “Essa é uma frase de efeito”, responde o historiador. Segundo ele, a premissa de que o Brasil é o país do futebol é uma questão manipulada politicamente, um recurso usado muitas vezes com segundas intenções.
“Isso não confere com a realidade. Há países que estão aparelhados com estádios bem melhores que os nossos”, analisa. Gostar de futebol os brasileiros gostam. Mas a carência em outros setores do esporte não compensa por completo esse sentimento: “O futebol não prima pela organização, está longe de usar a prática como fator de inclusão social. Essas necessidades precisam ser atendidas”.
João Tidei ainda explica: “Sejam as federações brasileiras, seja a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), elas não atuam vinculadas com os interesses maiores dos clubes”. Os horários de jogos (às 22h no Brasil, enquanto na Europa os jogos noturnos começam às 19h, por exemplo), rápida saída de jogadores brasileiros para o exterior e a falta de utilização social dos estádios – “grande parte construída com dinheiro público” – são exemplos dos problemas enfrentados pelo futebol no país.
A interferência do futebol na vida dos brasileiros faz-se aí evidente. Aira Bonfim, pesquisadora do Museu do Futebol em São Paulo, diz que só o calendário mensal/anual, como “a quarta-feira com transmissão de jogos na TV ou o final de semana marcado pelas peladas nos campos de várzea”, já determina muitas escolhas na vida das pessoas. “Podemos ainda pensar nos nomes escolhidos em períodos de Copa, uniformes de times que vestimos, regiões que representamos nos campeonatos nacionais, rivalidades clubísticas, ou simplesmente se escolhemos torcer ou não por uma seleção”, completa.
Se o futebol então é parte da memória de muitos brasileiros, de onde vem esse gosto do país pelo esporte? “Gostaria muito de saber todas essas respostas… mas não as tenho”, declara Aira. Algumas hipóteses para a questão são a simplicidade do esporte – para a pesquisadora: “(…) um espaço, um objeto que rola e uma pessoa já são suficientes para iniciar o jogo”; seu caráter democrático, como fala também o historiador João Tidei: “Você improvisa um joguinho de futebol em qualquer terreno, e pessoas de menores recursos podem praticar”; a formação social do Brasil, país que recebeu até 1930/32 de 4 a 5 milhões de imigrantes vindos da Europa e também adoradores do futebol; as dimensões continentais. Como indaga Aira: “Mais pessoas, mais grupos, outras identidades e porque não, mais competitividade?”; e o nacionalismo. A pesquisadora, entretanto, discorda desse último: “Não acredito que seja o ‘espírito nacionalista’ que tanto perpetue o futebol no Brasil, pelo contrário, as pesquisas mostram que a paixão clubística é arrasadora comparada à Seleção Brasileira.”
A maioria das respostas a essa pergunta ficam no campo da suposição. Até os próprios brasileiros dificilmente têm uma resposta certeira. “Está no sangue”, muitos afirmam. Mas não é por isso que deixam de ter importância. Essas hipóteses são produtos dos documentos e registros da memória esportiva e individual de cada brasileiro que, como bem afirmou a pesquisadora, ajudam a entender como esse sentimento e afeição pelo futebol foram construídos na sociedade brasileira.
Conhece o Museu do Futebol? A pesquisadora Aira Bonfim nos contou um pouco sobre o Museu e seus visitantes. Um trecho da entrevista você confere aqui.
Reportagem: Maria Tebet
Produção Multimídia: Wagner Alves
Edição: Marcela Busch
One thought on “Por que o futebol?”