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“Artesão não é ladrão”

O mote vem de um maluco de estrada. É a sua defesa quando
o  choque  entre  diferentes  conceitos  de  liberdade acontece

Praça Rui Barbosa cheia, fato comum em meio a uma tarde de segunda-feira bauruense. Entro na roda da malucada, cinco sujeitos ao todo, três hippies e dois de seus amigos que dali a pouco eu descobriria que me dariam trabalho ao longo da conversa. De pronto recebo um sorriso de Zóio e Tubarão, os mais velhos e experientes entre os três hippies. Dezoito e vinte e sete cidades, respectivamente. Os olhinhos vermelhos do mais novo, Allison, me acompanharam da chegada até o momento em que me sentei ao lado deles.

O falatório dos dois amigos destoava da vibe pacífica de que estavam cercados os três “malucos de estrada”, como se definiam. Ainda assim, o embalo das falas mansas de Tubarão e Zóio era contagiante. Diziam viver cada dia como se fosse o último, e pareciam transmitir a ideia a partir de cada palavra.

“Liberdade é desapego, é ter nesse martelinho, nessa nossa arte, tudo aquilo de que precisamos para viver um dia após o outro, para cair na estrada e poder conhecer o canto que eu quiser”. Tubarão descrevia a ideia com tranquilidade e sem hesitar. Cheio de certeza da felicidade de que dispõe, conta de como resolveu largar tudo e seguir a estrada.

“Tava na rua, com uns nove anos de idade, vi a malucada fazendo uma arte e me interessei. Com uns quatorze, quinze anos arrumei um alicate, juntei minhas coisas e sai fora”. Ouço dos outros dois histórias parecidas, contadas entre uma volta e outra das linhas no tear. Zóio interrompe seu trabalho entre uma resposta e outra, mas logo volta, atento, às linhas que tem na mão.

Falam de dificuldades, “perrengues”, por que já passaram. As histórias encontram um ponto comum: a ajuda que sempre encontram de outros malucos. “Nós somos uma família, dividimos tudo. Um pão no meio da malucada significa alimento pra todo mundo. Um ensina o outro, um fortalece o outro”. A explicação, de Zóio, por aquilo que ele em seguida define como a base do movimento. “A gente não é materialista, as vezes um papelãozinho serve de cama, às vezes a gente arranja um conforto. Mas a real é que não ligamos, a gente quer é rodar, é fazer nossa arte”.

Tubarão termina o brinco de pena que fazia durante a nossa conversa. Me mostra, com um sorriso no rosto, estende junto com os demais trabalhos, e volta para completar seu “brother”, como o chamava.
“Muita gente quer ser a gente, mas nem todos conseguem. A BR é feita pra todo mundo, mas nem todo mundo é feito pra ela…”. Tubarão é interrompido por um de seus amigos. Sai de perto por um instante, irritado. Volta, acende um cigarro, e retoma após um trago. “Minha mochila e meu martelinho são tudo o que eu tenho e tudo que preciso”.

Definição “maluco de estrada”

Malucos de Estrada – A reconfiguração do movimento “hippie” no Brasil from Coletivo Beleza da Margem on Vimeo.

Ver mais em: http://belezadamargem.com/

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