Giz de chumbo e níquel
Polícia Militar de Goiás passa a administrar mais 10 escolas da rede estadual de ensino sob cobrança de taxas
Quatro uniformes diferentes e sapatos específicos, de uso obrigatório. O apego da Polícia Militar à uniformização – que lhes garante viagens gratuitas a seus postos de trabalho – já se reflete no valor de 500 a 600 reais cobrado dos pais de alunos que estudam no Colégio Fernando Pessoa, em Valparaíso – GO, há 40km de Brasília. Disciplina, caracterização e distinção são a defesa do Regulamento de Uniformes da Polícia Militar. A lógica – que também inclui juramento à bandeira, respeito à hierarquia e as cobranças de mensalidade, material e matrícula – promete influenciar 10 escolas públicas do estado de Goiás, cuja administração passa às mãos da PM a partir do ano letivo de 2014. A medida deriva de uma parceria entre a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria da Educação, a que compete a coordenação pedagógica, e é justificada sob o argumento da luta contra a violência nas escolas. Alguns policiais serão responsáveis pela disciplina de Educação Física, como professores. Com a mudança, chega a 19 o número de Colégios administrados pela Polícia Militar no estado de Goiás.
Além do uniforme, com a matrícula a 100 reais, a mensalidade de 50 e livros entre 400 e 500 reais, o gasto anual de um aluno do Colégio Fernando Pessoa chega a 1500 reais, valor que foge ao orçamento das famílias envolvidas. As escolas militarizadas pertencem à rede pública estadual e o Ministério Público foi acionado para apurar a irregularidade da cobrança de taxas aos alunos. A Secretaria de Educação de Goiás assegura que haverá vagas em outras escolas públicas – e essas seriam de graça – para aqueles que não tivessem condições de pagar aos serviços militares de disciplinarização.
À parte o caso dos serviços públicos pagos, a perplexidade se repete ao se observar: a violência será combatida pela militarização. A denominação “Polícia Militar” foi oficializada após a Segunda Guerra Mundial, em nome da divulgação e do prestígio da expressão ao final do conflito armado. Essa Polícia descende dos Corpos Policiais, que, à época da Guerra do Paraguai, emprestaram Voluntários da Pátria à causa, e dos Corpos Militares, que, proclamada a república, subordinam-se aos estados – como pequenos exércitos regionais, para impressionar adversários e afastar a possibilidade de intervenções federais – e complementaram o Exército Brasileiro durante conflitos como o do Contestado (1913) e a Primeira Guerra Mundial (1914). É essa a Polícia que foi acusada de execuções sumárias e de violações dos direitos humanos na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 30 de maio de 2012 – entre as recomendações da ONU, estava a abolição da Polícia Militar.
A Polícia Militar possui um Código de Leis e Condutas e um Órgão de Justiça próprios. Somente os crimes que atentam contra a vida de civis ou que não são contemplados pelo Código Militar podem ser julgados pela Justiça Comum – aquela que julga as pessoas para as quais a PM deve garantir segurança e ordem públicas. Isso faz dessa Polícia, também, a única brasileira a ser basicamente autofiscalizada. Essa situação é resquício do Regime Militar e diz muito sobre casos como o do sumiço do predreiro Amarildo – que levou milhares de manifestantes às ruas, em sucessivos protestos, a julho de 2013 – e a truculenta ação policial diante da greve dos professores da Rede Pública do estado do Rio de Janeiro, em outubro do ano passado.
À época em que são discutidos métodos construtivistas de educação, na busca de alternativas pedagógicas que permitam aos alunos um desenvolvimento autônomo da criatividade e das formas de aprendizagem e diante da recente onda de protestos, que ficou marcada por uma característica ação policial por parte dos governos estaduais, é singelamente noticiada, no limiar da normalização, a militarização – taxada – de 10 escolas públicas. Essa tal Polícia referida, pasmem, é, ainda, a que educa nossas crianças.
Reportagem: Adriana Kimura
Editora: Mariana Amud