As duas águas de Bauru
A falta de água na cidade atingiu, principalmente, as regiões abastecidos pelo Rio Batalha, que totalizam 38% da população, e nós fomos aos bairros ouvir essas histórias
A crise hídrica atinge o estado de São Paulo desde o início de 2014 e, entre julho e dezembro do mesmo ano, esteve em seu auge. Entre a falta de chuvas e a falta de planejamento do governo estadual, a população entrou em desespero com a impossibilidade de realizar tarefas simples, como tomar banho, cozinhar ou lavar as louças. As chuvas dos últimos meses amenizaram a crise e a situação parece estável, com seguidas altas nos níveis de água dos principais reservatórios do estado.
Em Bauru, o cenário de estiagem não foi diferente. De forma especial, durante os meses de setembro, outubro e novembro de 2014, houve pouca água disponível, racionamento e indignação dos cidadãos. Apesar dos confortos e privilégios que as classes sociais mais altas costumam viver em situações de crise, o poder aquisitivo não foi o fiel da balança para decretar qual parcela da população seria mais afetada com a falta de água na cidade – a origem da água e a altitude dos bairros foram os fatores determinantes.
Segundo o Departamento de Água e Esgoto (DAE), há, hoje, em Bauru, duas fontes de abastecimento de água: 34 poços artesianos, provenientes do Aquífero Guarani, abastecem 62% dos moradores; os outros 38% usufruem da água do Rio Batalha e sofreram com maior intensidade as consequências da estiagem – são, ao todo, 158 bairros e 130 mil habitantes alimentados com água da lagoa de captação do Rio Batalha. Durante quase dois meses, essa parcela da população bauruense lidou com o rodízio de água implementado pelo DAE, que visava compensar os baixos níveis do Batalha. Entre esse montante de bairros, há áreas populares como a Vila Alto Paraíso, como também zonas nobres de Bauru, como Jardim Estoril, Jardim América e Vila Nova Cidade Universitária, todos em regiões altas da cidade, o que dificulta ainda mais o abastecimento. No entanto, no período de maior escassez de chuvas, nem mesmo os habitantes de bairros abastecidos por poços artesianos – como Núcleo Residencial Beija-flor, Núcleo Habitacional Ferradura Mirim e Vila São Paulo – escaparam das torneiras que teimavam em não golfar água.
De bairro em bairro
O período de estiagem e, consequentemente, de crise hídrica, foi bastante severo em muitos bairros de Bauru. A falta de planejamento aliada à estiagem fez com que a população de muitos bairros vivesse a rotina da crise.
Esse panorama, de falta de água, não pegou de surpresa boa parte dos bauruenses, como nos relata Sergio Alcides, morador do bairro Vila Alto do Paraíso, um dos bairros que mais amargou a falta de abastecimento no segundo semestre ano passado. “Essa situação de falta de água é normal, todo ano é a mesma coisa. O problema aqui no Alto Paraíso é que a água fornecida para a população não vem de poços artesianos, como em muitos bairros de Bauru; a água daqui vem do rio Batalha, então qualquer problema somos bastante prejudicados.”
Embora a falta de chuva seja o culpado padrão pela crise na boca de governantes e administradores, nem só São Pedro se senta nesse banco de réus. A precaridade da rede de tubulação, seus vazamentos e cano estourados fazem parte dos relatos dos bauruenses sobre as dificuldades enfrentadas ao longo dos revezamentos. Priscila, moradora do Jaraguá, relata que mesmo morando num bairro abastecido por poço artesiano, viveu, e ainda vive, a falta de água. “A rede de tubulação no Jaraguá é horrível. Sempre tem vazamentos. A falta de água é rotina, Todo dia da uma às seis da tarde eu fico sem água”.
O relato de Priscila, porém, não é a regra quando se conversa com os habitantes desses bairros – abastecidos por poços artesianos. Nesses casos, a maior parte dos moradores minimizam os imapactos da crise. “Aqui na minha casa não faltou muita água nesse período de rodízio, acredito que por causa do reservatório e poço artesiano que temos aqui no bairro. Do final do ano passado até hoje eu fiquei sem água umas duas ou três vezes”, afirma Simone, moradora do Beija-Flor.
Caminhando pelos bairros da cidade é possível perceber, nos relatos, essa clara distinção entre os que dependem de seus poços locais ou do Batalha; tal qual, é possível vivenciar a efemeridade dos problemas, que logo se tornam lembranças e são trocados pelo lixo que não é recolhido, pelo asfalto que se esburaca. Mas a chuva ainda volta a se ausentar e água ainda volta à boca do povo.
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Reportagem: Rodrigo Berni e Vinícius Cabrera
Produção multimídia: Vitor Almeida
Edição: Michael Barbosa