Assexualidade: não, não é uma doença
Uma pessoa que declara não sentir atração sexual por nenhuma pessoa de qualquer gênero, pode ser vista como uma celibatária, tímida ou “enrustida”. Entretanto esse preconceito atinge um grupo de pessoas que não são nenhuma dessas três coisas.
A vida não é uma propaganda de margarina, e também não se restringe a um certo comercial de perfumes. A sexualidade não é dividida apenas entre heterossexualidade e homossexualidade. Há aqueles que não se encaixam nesses padrões e acabam não sendo representados: é o caso dos assexuais.
Assexualidade é o termo usado para definir pessoas que não têm desejo sexual, de modo não patológico, ou seja, não é uma doença e não está associada a problemas psicológicos nem a uma disfunção hormonal. De acordo com o grupo brasileiro Comunidade Assexual A2, a assexualidade não impede a formação de laços afetivos e/ou românticos.
Elisabete Oliveira, especialista em estudos da sexualidade, gênero e diversidade sexual e pesquisadora da assexualidade no Brasil, explica que a maioria dos assexuais acredita que a assexualidade seja uma orientação sexual tão legítima quanto as outras. “Muitos assexuais sentem atração amorosa, apaixonam-se como qualquer outra pessoa, porém sem o desejo de fazer sexo com aquela pessoa. Essa atração amorosa pode ser por pessoas do sexo oposto, por pessoas do mesmo sexo ou por pessoas de qualquer dos sexos”, explica.
Dentro da categoria dos assexuais existem os chamados demissexuais, quando a pessoa pode sentir atração sexual, desde que possua um forte vínculo emocional com o objeto de sua atenção. Nathalia*, 21 anos, é dona do blog Sobre o Cinza e, há três anos identifica-se como demissexual. Ela conta que o processo de autoaceitação pelo qual passou foi doloroso.
“Sempre achei que fosse doente por não sentir atração sexual por outras pessoas; quando descobri que havia pessoas ‘assexuais’, senti-me mais contemplada, embora ainda não fosse exatamente isso que eu era. O termo ‘demissexual’ surgiu na minha vida, então, e me senti feliz por não ser mais doente”, relata Nathalia. Já para Jéssica*, 22 anos, que se define como demissexual desde o começo do ano passado, o processo foi mais fácil: “ainda estou aprendendo novas nomenclaturas e conceitos, aproximando-me mais do que significa ser demissexual, porque é algo que até pouco tempo não existia pra mim externamente, nunca tinha ouvido falar”, explica.
A pesquisadora Elisabete Oliveira ainda aponta que, de acordo com o estudo que realizou para seu doutorado, esse processo de autoidentificação e aceitação costuma se iniciar na escola, durante a puberdade. É nessa época em que os assexuais percebem uma diferença entre si e os colegas e começam a tentar entender os motivos por trás disso.
“Essas hipóteses vão desde a timidez, religiosidade, personalidade, algum problema de saúde, até mesmo a suspeita da homossexualidade, seja colocada por colegas ou família, seja pelo próprio sujeito”. No entanto, a identificação como assexuais para todos os entrevistados de Elisabete somente aconteceu durante suas buscas na internet.
Em outubro de 2004, a rede televisiva CNN divulgou os resultados de uma pesquisa conduzida no Reino Unido por Anthony Bogaert, então professor da Brock University no Canadá, segundo a qual, um em cada 100 adultos havia se declarado assexual. Apesar disso, a comunidade assexual ainda busca se fortalecer e estabelecer um espaço saudável para a discussão sobre o tema e para o convívio de seus membros.
Em seu blog, Sobre o Cinza, Nathalia desabafa que, mesmo dentro da comunidade LGBT+ há preconceito contra os assexuais e demissexuais. “Se não fôssemos, não teríamos tantas pessoas envolvidas com a militância LGBT afirmando que não existimos, que ainda não encontramos a pessoa certa, que um dia vamos entender que somos lésbicas, gays, heterossexuais e vamos parar de afirmar que não temos interesse por sexo”, relata em um post.
Jéssica explica que, como namora um rapaz heterossexual, muitas vezes tem que explicar para os outros que não sente atração pela maioria das pessoas, mas que nem todos entendem isso. “As pessoas acham que todo mundo sente atração sexual por um determinado grupo, seja o mesmo gênero, seja por outro ou outros. Mas quase ninguém aceita que uma pessoa não sinta algo na maior parte das vezes, ou nunca”, desabafa.
Ela conta que muitas vezes pessoas das quais esperava um apoio maior demonstraram não entender como a questão da sexualidade ocorre. “Muitas vezes, as pessoas que deveriam mais entender isto são as que tentam arranjar maneiras de ‘me curar’, porque funciono de forma diferente. Como se a não atração fosse algo a ser consertado”, afirma Jéssica.
Esse preconceito, de acordo com a pesquisadora Elisabete, ocorreria porque somos ensinados que o desejo sexual faz parte da nossa biologia, e, portanto, quem não sente essa atração teria alguma doença. “Muita gente não acredita que existem pessoas que não têm interesse pelo sexo. Pensam que elas são doentes, esquisitas, estranhas ou que são homossexuais que não têm coragem de se revelar”, complementa.
Elisabete, no entanto, espera que as novas pesquisas sobre a sexualidade humana, principalmente sobre a assexualidade, possam ajudar a diminuir o preconceito que ainda existe em relação a grupos como os assexuais e os bissexuais, que não se encaixam na lógica de divisão da sexualidade entre heterossexuais e homossexuais.
Saiba mais:
A invisibilidade dentro do movimento LGBT+
Reportagem: Bianca Arantes
Produção multimídia: Amanda Moura e Marília Garcia
Edição: Nathália Rocha