“Este marketing veio pra ficar”, opina pesquisador do movimento LGBT
Luiz Henrique Coletto é mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e comenta o impacto das propagandas direcionadas para o público LGBT+. Coletto é também jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pesquisador do Movimento LGBT Brasileiro e vice-presidente da Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS).
Repórter Unesp: Na sua opinião, o destaque do tema LGBT+ na mídia acrescenta à causa ou atrapalha? De que maneira?
Luiz Henrique Coletto: Não existe um resultado único e esperado. O que a mídia produz é, em parte, o que a cultura produz. Logo, os debates contemporâneos que ocorrem nos ambientes escolares, públicos, midiáticos, no cinema e em outras artes, e na própria Universidade, são os debates culturais. Então, no caso das publicidades que incluem uma representação justa e diversa da população LGBT, elas certamente ajudam. Porque são formas de incluir na esfera da representação sujeitos que são parte da sociedade, ou seja, cidadãos e, nesse âmbito, consumidores. Os debates que se desenrolam depois podem tanto ser positivos quanto negativos. Com base na minha experiência quanto à relação entre mídia e pautas da população LGBT, e na pesquisa que fiz durante o mestrado, creio que os debates impulsionados pelo campo midiático sejam, na maioria das vezes, positivos hoje. O registro negativo fica, sobretudo, para o caso de travestis, mulheres transexuais e homens trans: as representações dessas pessoas são raras, quase sempre negativamente estereotipadas, e profundamente problemáticas no caso do jornalismo, que não costuma respeitar a identidade de gênero desses sujeitos (como no uso de artigos e pronomes inadequados).
RU: Na maioria das vezes, as representações feitas da comunidade LGBT são consideradas estereotipadas ou irreais. Afinal, essas representações também são válidas ou apenas causam uma reação negativa naqueles que supostamente são representados?
LHC: Primeiro, as representações na teledramaturgia (e no cinema de um modo geral) são muitíssimo mais diversas atualmente do que no passado. Diria que, na última década (2005-2015), houve um aumento tanto numérico quanto qualitativo nas formas de representação: desde papeis mais próximos de estereótipos do passando quanto personagens mais complexas e menos óbvias no que diz respeito aos grandes tropos de “bicha afeminada”, “lésbica masculinizada” e “travestis e transexuais caricatas”. No caso da publicidade, na verdade, houve uma gradual “saída do armário” no caso de grandes empresas brasileiras – especialmente daquelas cujas matrizes estão em países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França e outros. Por lá, as publicidades que incluem pessoas LGBT são bem mais frequentes. Se olharmos o caso d’O Boticário e depois as mensagens que inúmeras outras empresas e instituições (Correios, Vivo, Microsoft, UFSC e até a Presidência da República nas redes sociais) lançaram em alusão ao Dia do Orgulho LGBT (28 de junho), veremos que o debate avançou. Se eu pudesse dar um palpite mais descompromissado com os dados que temos até agora, mas baseado na tendência internacional no Ocidente e nas pesquisas de opinião aqui no Brasil, diria que a aceitação da diversidade sexual é um fato consumado no país, e que sua plena aceitação depende de mudança geracional associada à melhor educação, mais igualdade social e maior cultura política. Novamente, o que tem ficado com saldo mais negativo (ainda que haja avanços nesta seara da mídia/cultura) é a diversidade de gênero, já que a representação de pessoas travestis e transexuais na televisão e na publicidade está muito aquém do que deveria. Se formos olhar a diversidade dessas próprias representações de pessoas LGBT, que é o aspecto da profundidade que mencionei no começo, veremos limitações, mas que são globais em relação ao padrão de representação por meio do consumo: poucas pessoas negras e poucas pessoas que não sejam magras.
RU: A publicidade tem demonstrado abraçar a discussão da diversidade, apesar de ainda “engatinhar”. O senhor acredita que a comunidade LGBT+ está de fato recebendo maior espaço ou essa mudança de postura da propaganda não passa de um marketing momentâneo?
LHC: Não diria marketing momentâneo, porque ele certamente veio para ficar. O espaço também é maior agora, sem a menor dúvida. O que não se pode perder de vista nessa análise é que estamos falando de uma sociedade capitalista e de empresas cujo objetivo primaz é a obtenção de lucro. Toda campanha publicitária é analisada a posteriori em termos de resultados obtidos, seja em fortalecimento da marca, aumento de valor de mercado da mesma e, por fim, aumento de vendagem do produto associado à marca. Ou seja, há objetivos claros. Se eles podem ser atingidos e mesmo potencializados por certas campanhas, tanto melhor para as empresas. O caso d’O Boticário é interessante porque, a meu ver, ajudou a inaugurar certo paradigma no Brasil que já ocorria em outros países: a tentativa de boicote a uma marca que produz inclusão de pessoas (ou casais) LGBT em suas campanhas, e o consequente debate social em torno disso. Tentou-se fazer o mesmo contra a apresentadora Ellen DeGeneres e a rede de cafés Starbucks nos Estados Unidos há poucos anos; os boicotes foram um fracasso, e o mesmo aconteceu aqui no Brasil com a tentativa do pastor Silas Malafaia e outros similares: fracassaram no boicote, e a marca “O Boticário” saiu mais valiosa do que quando entrou nessa campanha. Então este marketing veio pra ficar, o que não significa que toda peça publicitária com pessoas LGBT será bem sucedida. São análises complexas que envolvem timing, público-alvo, conceito etc. Vamos ver o que acontece daqui para frente.
Entrevista: Marina Spada
Produção multimídia: Giovanna Hespanhol
Edição: William Orima