O outro lado do armário: a publicidade abraça o LGBT+
Temas como a união civil e a adoção de crianças por homoafetivos têm ganhado certo destaque na mídia. Seguindo essa linha de debate, diversas empresas passaram a investir em propagandas que mostrem a diversidade sexual e de gênero.
Quem assiste pela primeira vez à propaganda de O Boticário para o 12 de junho não nota, de início, nada diferente das “publicidades de margarina”. O que rendeu denúncias, ameaças de boicote e revolta em parte do público aparece nos últimos segundos: abraços.
Casais, heterossexuais e homoafetivos, presenteando seus companheiros com perfumes e abraçando-se chocou a sociedade brasileira. Não foi a primeira vez que uma empresa investiu em uma propaganda que abraçasse a causa da diversidade: marcas como Mondelez, McDonald’s, Magnum, Coca-Cola, dentre outras, já davam mostras de apoio à causa. Em alguns países como França e Estados Unidos, o número de publicidade que tenta representar a comunidade LGBT já é muito grande – o que não necessariamente acompanha a aceitação da audiência.
Em uma pesquisa da agência de publicidade J. Walter Thompson, divulgada em reportagem do jornal Folha de S. Paulo, demonstrou-se que os americanos são menos temerosos em assumir que se incomodam em ver casais homossexuais na propaganda. A mesma pesquisa aponta que 80% dos brasileiros são supostamente liberais, porcentagem que cai para 66% quando confrontados com um material publicitário com representação homoafetiva; 48% dizem não entender a necessidade. A audiência aceita, mas nem tanto.
A comunidade LGBT+ tem aparecido nas propagandas como coadjuvante de produtos para héteros há um bom tempo, mas agora passaram a ser o público-alvo. Seja em publicidade ou em telenovelas, as representações levantam questionamentos e muitas vezes são consideradas estereotipadas ou irreais. Para Adriana Baggio, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e pesquisadora na área de publicidade, “algumas representações, se ainda não próximas da realidade, pelo menos se afastam do estereótipo mais pernicioso”, pontua. Ela lembra que novela e publicidade, sendo produtos de consumo de massa e que dependem da opinião pública, só arriscam esse tipo de representação se há certeza de ressonância positiva. “Talvez signifique uma maior abertura da sociedade, mas provavelmente as representações serão limitadas a certos padrões mais ‘aceitáveis’”, explica.
Com uma representação apontada como ainda deficiente ou incompleta, pensa-se se há apenas contribuições ou também “perdas” à comunidade LGBT. “Eu não recebo o mesmo impacto que integrantes da comunidade, mas penso que a representação, o destaque, é positivo na medida em que promove o debate. Quando assuntos ou segmentos sociais sem visibilidade ganham espaço, há um ganho por permitir o questionamento de noções pré-estabelecidas”, finaliza Baggio.
A propaganda de O Boticário veio no embalo das novelas que trataram da causa, das votações irlandesas pelo união civil entre pessoas do mesmo sexo, da polêmica posterior da Parada do Orgulho LGBT em São Paulo, dentre muitos outros “ganchos” recentes sobre o tema. Para a publicitária, mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria e pesquisadora de recepção da publicidade, Laura Wottrich, observando que o Brasil ostenta a liderança no ranking de violência contra homossexuais, a reação negativa da propaganda era previsível.
“Segundo a International Lesbian and Gay Association, em pesquisa de 2014, um homossexual morre no país a cada 28 horas. O que esperar da reação da sociedade a uma publicidade inclusiva, que representa os homossexuais não de forma cômica ou estereotipada, mas sim como pessoas normais que são, com direito a afetos e a representatividade?”, questiona. Ela ainda salienta que, nos anos 1990, um descontentamento com uma publicidade ficaria restrita à “mesa do jantar”; no entanto “hoje é possível argumentar e nos unir em prol das causas”, avalia.
Quando a audiência recebe uma propaganda de forma tão polêmica, dividindo opiniões e gerando um extenso debate – que muitas vezes chega até ao discurso de ódio e à extrema intolerância – fala-se a respeito da imagem institucional da empresa. Para Wottrich, numa propaganda como a de O Boticário, a empresa assume uma posição relacionada à sua imagem como inclusiva, amiga da causa. Podem ocorrer boicotes à marca ao mesmo tempo em que é possível ganhar um grande apoio de outros setores da sociedade. É necessário, assim, esperar para avaliar as vendas da empresa e se a postura será mantida em campanhas seguintes. “Melhor perder o cliente do que ser vinculada a preconceitos. Foi-se o tempo em que o cliente tinha sempre razão”, finaliza.
Reportagem: Marina Spada
Produção multimídia: Giovanna Hespanhol
Edição: William Orima