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71 pelo financiamento

Resultado da manobra política articulada por Eduardo Cunha divide opiniões entre especialistas

No último dia 26, os deputados federais se reuniram para fazer uma votação – como, aliás, é cabido ao Legislativo – referente à famigerada reforma política. A matéria levada em consideração era o financiamento privado de campanha eleitoral. No sistema político brasileiro, os candidatos às eleições e os partidos recebem, para a realização das campanhas, doações de empresas e de pessoas físicas. A votação de 26 de maio, se pelo sim, aprovaria a constitucionalidade desse sistema. Não aconteceu.

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Financiamento privado prevalece consideravelmente em relação ao financiamento público no atual cenário brasileiro (Arte: Keytyane Medeiros e Rodrigo Berni)

De um dia para o outro, à parte o efeito de expressão e, portanto, literalmente no dia 27, a mesma matéria foi levada a nova votação pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e recebeu o Sim. Dessa vez, o texto descartava a possibilidade de que empresas (pessoas jurídicas) doassem diretamente a candidatos, deixando à responsabilidade dos partidos a redistribuição do financiamento recebido. A mudança partiu de 71 deputados que modificaram seu voto em relação ao dia anterior. Mas por quê?

É difícil compreender o que acontece no Poder Legislativo. Da política, ele é a parte das Leis – e todos sabemos o quanto é penoso chegar a conviver, compreender e debater a política, especialmente quando da ordem do jurisdiquês tão intocável. Na matemática simples, é difícil conceber que um deputado eleito democraticamente possa ter menos votos que um outro não eleito, mas o voto proporcional permite essa façanha às eleições brasileiras.  Em termos de representatividade e quando tão custosamente tentamos nos lembrar de quem contemplamos com o nosso voto nas últimas eleições, também fica complicado entender como nossos representantes puderam mudar de ideia tão repentinamente.

O advogado especializado em direito constitucional e administrativo Rafael Almeida Ribeiro esclarece que é extremamente comum que a mesma matéria seja votada mais de uma vez em pouco tempo na Câmara. Nesse caso, segundo o jurista, a primeira votação teria sido resultado de questão fechada – situação em que os parlamentares são direcionados a votar conforme a decisão geral do partido -, enquanto, no dia seguinte, os deputados teriam sido liberados para votar cada um por si – ou pelo povo. Desse aval dos partidos em autonomia aos representantes do povo teria resultado a expressiva mudança de votos entre as quais 68 partiram de ‘não’ para ‘sim’. Note-se, no entanto, que no PRB, 18 deputados trocaram o voto e a unanimidade veio no segundo dia, quando ‘cada um por si’, os 20 representantes do partido votaram ‘sim’. Apesar da reprovação convicta do dia 26, o PSB foi o único partido em que houve mais mudanças pela rejeição à emenda.

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Mudança de votos de 71 deputados determina a aprovação do financiamento privado para campanhas eleitorais (Arte: Keytyane Medeiros e Rodrigo Berni)

Na visão do cientista social Leo Pinho, a manobra política de Eduardo Cunha em conduzir uma segunda votação da mesma matéria constitui “uma violação grave do rito democrático de aprovação do Legislativo”. Leo afirma que a manobra política seria reflexo da forte defensoria do presidente da Câmara pelo financiamento privado. Para Leonardo, a mudança repentina para a aprovação da proposta desmoraliza o Legislativo e demonstra que muitas negociações que acontecem dentro do Congresso se desenrolam à parte as motivações ideológicas e a representação do povo pelo bem público. Ele argumenta que o financiamento privado, ao impor a lógica de interesses privados à máquina pública, é um dos principais expoentes da corrupção na política brasileira.

Rafael Almeida Ribeiro, defensor do financiamento privado, aponta que o problema da corrupção está associado às licitações que resultam dos acordos, principalmente entre empreiteiras e partidos. Esses acordos são um sistema em que muitas das doações de empresas para partidos e candidatos são projetadas – segundo Leo Pinho – como vias de investimento, supondo o posterior lucro – uma troca de favores. Na opinião de Rafael, a corrupção não parte das doações, mas dos acordos que asseguram o favorecimento de empreiteiras ‘doadoras’ em licitações abertas pelo governo após as eleições. A questão é: quais motivos levariam uma empresa a doar grandes quantidades de dinheiro a um partido?

O advogado salienta que a formação de agrupamentos na Câmara dos Deputados é um processo natural. Ele explica que as doações de fontes privadas devem ser permitidas para que determinadas empresas e pessoas físicas possam interceder pelos interesses dos grupos a que pertencem através do financiamento. A exemplo disso, Rafael menciona que a Unimed – o maior sistema cooperativista de trabalho médico do mundo e também a maior rede de assistência médica do Brasil – seria uma pessoa jurídica a colaborar com doações em nome da classe dos médicos, por motivos ideológicos.

Entre as possíveis propostas de financiamento para campanha eleitoral está o inteiramente público, bandeira do PT. Para Rafael Almeida, a opção por esse tipo de financiamento implicaria na criação de mais impostos, visto que o Fundo Partidário – de onde parte a parcela pública dos recursos para campanha atualmente – não seria suficiente para suprimir as demandas. Leo Pinho, por sua vez, ao admitir que o financiamento exclusivamente público resultaria em campanhas mais econômicas, afirma que essa redução de recursos, ao subverter a  hegemonia capitalista hoje regente da lógica dos partidos, possibilitaria a participação de setores menores no processo eleitoral – como é o caso de correntes sindicais e do movimento estudantil -, criando condições de pluralidade para a democracia brasileira.

Política, legislação e economia são três tabus que mantêm o eleitor leigo distante da problematização do que aconteceu entre os dias 26 e 27 de maio na Câmara dos Deputados. E a complexidade da questão não confunde somente aos que estão de fora.  A explicação para a mudança de votos, mesmo entre deputados, juristas, cientistas sociais e políticos, divide opiniões. A alteração do texto pode ter sido decisiva; negociações políticas, à parte o interesse público, podem ter condicionado deputados a ofertas irrecusáveis; as reuniões dos partidos entre as votações podem ter sido o grande motivo… Uma hipótese levantada por alguns dos próprios parlamentares é a de que a votação da proposta de financiamento só teria acontecido pela necessidade de tornar constitucional a prática que, parte da realidade brasileira há anos, está prestes a passar por julgamento no STF sob acusação de inconstitucionalidade.

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Reportagem: Adriana Kimura

Produção Multimídia: Keytyane Medeiros e Rodrigo Berni

Edição: Vitor Almeida

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