Não contém glúten
Notícias de uma semana sem glúten
Uma dieta que dura sete dias precisa ser muito radical para representar um sacrifício de resultados observáveis. Eu me lembro do Regime Japonês, por exemplo, de que eu teria participado em colaboração para um movimento em família. Como concluiremos a seguir, alimentar-se é um ritual social e uma dieta impactante precisa do apoio daqueles que partilham a mesa. O Regime Japonês não tem muita relevância jornalística isoladamente e não tenho grandes motivos para acreditar que dessa vez seria diferente de tentar não desmaiar e de me esconder para comer biscoitos água e sal.
A dieta vegana foi uma forte opção à experiência de uma semana. Eu, pessoalmente, sofreria sem ovo, requeijão e – por último e menos importantes – uma eventual picanha, um bacon corriqueiro (no carbonara, onde, aliás, o menor problema seria a carne)… Os bifes já foram substituídos a ovos e enlatados por muito menos desde que pararam de cozinhar para mim. Mas o veganismo, como acabei por me convencer, é um posicionamento político-ideológico. E não há como experimentar esse tipo de coisa em uma semana.
À parte as intolerâncias bastante expressivas, a lactose é eliminada das dietas também por opção. O leite parece ser o vilão da vez. A tendência das embalagens pró-saúde é anunciar – ao que parece, berrando a letras garrafais – ZERO AÇÚCAR, ZERO GORDURA, ZERO LACTOSE, contando vantagens. Mas, ainda sobre embalagens, eu diria que a grande questão é: qual é a do glúten?, porque sabemos que somente ele tem as letras garrafais asseguradas por Lei.
Conforme explica a nutricionista e coordenadora do curso de nutrição da Faculdades Integradas de Bauru (FIB), Débora Tarcinalli, o Glúten é uma proteína que contém duas frações, a gliadina e a glutenina, que se encontram naturalmente na semente de muitos cereais, como trigo, cevada, centeio e aveia (numa menor proporção). Segundo Débora, é importante que as embalagens indiquem a presença do glúten pois trata-se de uma proteína difícil de se identificar e, a nutricionista destaca, “se o portador da Doença Celíaca ingerir inadvertidamente o glúten, pode ter a superfície intestinal destruída por anticorpos do próprio organismo, o que resultará em má absorção de nutrientes”.
Decidi tirar o glúten da minha dieta por sete dias, ainda sem saber o que isso significava. Eu pensei: vou começar por acatar o aviso tão caprichado das embalagens – (NÃO) CONTÉM GLÚTEN; e ainda é disso que se trata. Não houve acompanhamento nutricional especializado, apenas me certifiquei – ou tentei me certificar – de não ingerir glúten e soube, desde o início, que não duraria muito. Ajudou bastante pensar diante de um pão de mel: tudo bem, isso fica para a semana que vem.
Mas onde está o glúten? No primeiro dia da minha dieta restritiva, eu sabia que o perigo estava nos carboidratos. Saí de casa com um Yakult no estômago e passei, sinceramente, fome. Eu me protegi de pãezinhos, salgados, tortas, bolachas, torradas e descobri que dificilmente se encontra algo que salve um café da manhã sem glúten, especialmente na rua. O máximo que cantinas, cafés, padarias e o fast food fazem pelos que sofrem da doença celíaca (intolerância a glúten) são biscoitos de polvilho e pães de queijo.
O segundo dia foi inteligente. Cozinhar sem glúten, em casa e com tempo, é simples. Arroz, tapioca, batata, mandioca, milho, frutas, verduras, carne, leite e ovo são permitidos e sempre fizeram parte da minha dieta. Mas, nem só de almoços e jantares em casa a vida é feita. Sabendo que no terceiro dia eu viajaria por quatro horas e meia, partindo ao meio-dia, fui ao Pão de Açúcar procurar por um snack sem glúten. A única opção nesse sentido era um biscoito de arroz integral a cinco/quase seis reais e nenhum sabor que extrapolasse o limite de sua composição: arroz e sal.
Durante a viagem, almocei biscoitos de arroz e de polvilho. Aprendi que não é uma boa ideia achar que eles só acabam quando terminam. A impossibilidade de comer um salgado e acabar logo com a questão “almoço” prolongou minha fome convertida a entupimento. Não fiquei satisfeita, mas os biscoitos de polvilho já bastam pelo ano. Os de arroz, como pegavam gosto do que eu pusesse neles, foram tolerados por mais dois dias.
A segunda metade da dieta aconteceu em São Paulo. Encontrei uma loja que vende o biscoito de arroz 100% mais caro do que no mercado. Havia, claro, 100% mais opções. Uma infinidade de pães, torradas, bolachas, farinhas, cereais…tudo sem glúten. Vale destacar, também: sem lactose, sem gordura, reduzido em sódio e calorias, zero açúcar e assim por diante. A dieta sem glúten conta com alimentos naturalmente livres da proteína ou com produtos que, no geral, evitam ter ingredientes.
Marília Bueno, uma amiga estudante de Ciências Sociais, descobriu que sofre de doença celíaca já adulta e precisou aprender a abrir mão de determinados alimentos. Ao contrário do que se espera da dieta sem glúten, Marília ganhou peso após o diagnóstico de intolerância. Ela explica que a exclusão da proteína não implica necessariamente em uma alimentação saudável. A opção de comer um lanche natural, por exemplo, muitas vezes acaba por se reduzir a alternativas como batata frita ou pão de queijo. Os pães e torradas especiais para celíacos, além de custarem mais caro que outros alimentos, são difíceis de encontrar.
No quinto dia, fui a uma praça de alimentação em São Paulo tentando passar por uma experiência celíaca no shopping. A atendente de uma hamburgueria do tipo ‘gourmet’ e de inspiração natureba foi taxativa – nosso hambúrguer não tem glúten – deve ser orgulho para eles; o caixa de uma gelateria italiana, por sua vez, respondeu que os sem glúten tinham acabado – pareceu até que eu tinha perguntado sobre o sabor gianduia; passei naquela sorveteria de iogurtes e a moça me trucou – lactose eu sei que todos têm, exceto o de açaí. Pô!
Apesar de estar associada a uma doença, a restrição do glúten tornou-se popular em dietas para emagrecimento e condicionamento físico. O fato de a proteína estar presente em grande parte dos carboidratos cria a falsa sensação de que o glúten faz com quem as pessoas engordem. Débora Tarcinalli explica que uma dieta sem glúten é indicada somente para pessoas intolerantes à proteína: “toda dieta muito restrita, que é o caso da dieta sem glúten, se não for bem acompanhada por um profissional nutricionista pode trazer danos ao organismo, desde um leve emagrecimento até situações mais complicadas incluindo a deficiência de nutrientes”.
O sexto dia ficou marcado pelos pãezinhos de tapioca – lembram um pão de queijo, sem o queijo -, uma experiência que desencadeou o espírito da culinária junina lá em casa – com direito a quentão e pipoca, tudo sem glúten. As frutas desidratadas também foram opção durante os sete dias. Eu concluí que paguei em média 180 reais no quilo da maçã porque tiraram a água dela – e fizeram-na crocante!, eu admito que ficou bom. Experimentar a manga desidratada, por outro lado, foi apenas um erro. Os sequilhos de coco com farinha de feijão branco que minha irmã me deu abriram um sétimo dia de êxito. O meu primeiro nhoque – prato meu tão preferido! – foi feito nesse sétimo dia, sem glúten. À parte a epopeia na busca pela farinha de arroz, maravilha. Segue o link de modo de preparo da massa, nhoque sem glúten
A dieta sem glúten, durante míseros sete dias, não me permite avaliar sensações físicas, impactos sobre a massa corporal ou comportamentos gastrointestinais recorrentes. Mesmo quanto às vontades, meu tão sonhado pão de mel, uma semana envelhecido, só ganhou em expectativa. Essa foi uma semana principalmente sobre ler rótulos e sobre a preocupação em planejar refeições. A restrição à cerveja, um clichê da dieta sem glúten, não foi um problema concreto nos últimos sete dias, mas a convivência com uma dieta sem glúten não deixa de ter uma implicação na vida social. Não é tão simples comer fora, não é tão simples aceitar uns chocolates, não é tão simples passar pela bomboniere do cinema ou tomar um chopp com uma amiga.
Enquanto eu fazia o esforço de não consumir glúten, ainda que eu tenha deixado passar o detalhe de algum tempero ou sorvete mal entendido, nunca chegará ao meu próprio conhecimento o rompimento da dieta. É um alívio não ter de prestar atenção às letrinhas – não tão garrafais assim – das embalagens e abrir uma nova semana a pão com manteiga. O glúten, diferentemente da carne, do ovo e do leite, é quase invisível, indetectável. Nunca se sabe por onde anda essa proteína. Enquanto alguns tentam combater o inimigo invisível por livre e espontânea vontade, outros percebem claramente quando consomem um pouquinho sem querer: a barriga vira uma bagunça.
Ingredientes para o nhoque sem glúten:
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Reportagem: Adriana Kimura
Produção Multimídia: Vinícius Cabrera
Edição: Lívia Lago