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Arraial de dar água na boca

Encontro entre tradição e inovação recheia os cardápios das festas juninas paulistas

Bandeirinhas, fogueira, trancinhas, chapéus, forró, quadrilha e, claro, comida. Muita comida! É assim que se celebra a festa junina em terra verde e amarela. Com várias histórias e diferentes tradições regionais, a festa de São João, como também é conhecida, se caracteriza por seu cardápio que leva o milho e o amendoim como ingredientes principais da maioria dos pratos. E isso não é obra do acaso, não. Além de conquistarem paladares, os quitutes juninos são uma verdadeira aula de história sobre a população nativa brasileira e a relação do país com a Europa.

História

Antes da era cristã, no período de solstício de verão (segunda dezena de junho), diversos povos – dentre eles os celtas, egípcios, persas e sírios – já celebravam a fertilidade do solo e faziam rituais invocando chuvas e a fartura nas colheitas. Mesmo após a comemoração junina ser associada à Igreja Católica, homenageando Santo Antônio, São João e São Pedro, ela continuou a incorporar os cultivos e a produtividade agrícola.

No Brasil, os itens já largamente cultivados pela população indígena eram o milho, a mandioca, a batata-doce e o amendoim. Com a chegada dos portugueses, dos equipamentos e das técnicas de preparo de receitas compostas a partir dessas produções locais, os tradicionais pratos juninos começam a nascer. Porém, cada região os desenvolveu de uma maneira, levando em conta os costumes locais e o clima. As expedições com fins econômicos, como as produções no período colonial, o ciclo do ouro em Minas Gerais e a exploração do café em São Paulo, influenciaram nas alimentações regionais.

Segundo a historiadora Rafaela Basso, autora do livro A Cultura Alimentar Paulista – uma Civilização do Milho?, o período colonial contribuiu fortemente para a dieta dos paulistas. “O milho está na alimentação paulista desde os primórdios da formação de sua sociedade. Alimento trivial dos colonos, servia de alimentação base em tempos de necessidade. Tais fatores foram fundamentais em um capítulo específico da história dos paulistas, a partir do século XVII, nas expedições sertanistas que partiam continente adentro em busca de mão de obra indígena e também de metais preciosos. Neste contexto de vida em movimento e na ocupação de novos territórios pelos paulistas, o milho se mostrou como alimento essencial. Ele se adaptava à mobilidade das gentes de São Paulo, pois era fácil de transportar, sem perder seu poder germinativo e podia ser levados em grãos, ocupando pouco espaço na matalotagem”, analisa. Dessa forma, Rafaela reitera a importância dos escravos indígenas e africanos para a consolidação da cultura do milho na vida paulista, pela facilidade de cultivo e transporte do produto.

Assim se deu o protagonismo do milho nos pratos tradicionais de festa junina, como a pamonha, o curau, o cuscuz, o bolo de fubá e a canjica. Difundido também com a colonização e a escravidão, o amendoim divide lugar com o milho nas famosas receitas juninas; afinal, quem não associa essa celebração com a paçoca e o pé de moleque? Sem contar, é claro, com os característicos aromas do quentão e do vinho quente que contagiam todo o arraial.

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> Leia mais: História do amendoim

“Não gosto de milho nem amendoim… E agora?!”

O protagonismo desses dois ingredientes nas receitas juninas pode ser um problema para aqueles que não se identificam com o sabor. É o caso de Cesar Yukio, formado em gastronomia pela Universidade Anhembi Morumbi e pelo Institut Paul Bocuse, na França. Para Cesar, era sempre um “sofrimento” escolher as comidas em festas juninas, pois grande parte delas eram constituídas pelo milho e amendoim. Decidiu, então, reinventar as receitas com sabores que mais lhe agradavam, com a preocupação de manter a textura e cor dos pratos. “Basicamente, nos produtos de milho troquei o ingrediente principal por abóbora, doce de ovos, arroz e até tapioca. E nos de amendoim, por outros tipos de oleaginosas, como amêndoas, macadâmias, pistache e castanhas”, conta.

Porém, por se tratarem de ingredientes tão presentes na mesa do brasileiro, Cesar aponta a importância de manter a sutileza na troca dos sabores, para não causar estranhamento: “Só precisa ter um pouco de limites e não exagerar. Os pratos tradicionais são os que mais sofrem com esta gourmetização, pois a lembrança das pessoas desses mesmos pratos é muito grande… E não pode haver um choque tão brusco!”.

Arraial gourmet

Assim como Yukio, outros chefs também propuseram inovações no tradicional cardápio dos arraiais. E criatividade é o que não faltou para rechear as novidades. Em 2015, os food trucks substituíram as barraquinhas juninas, oferecendo uma variedade de opções de dar água na boca. Alguns dos destaques oferecidos na Festa Junina do Butantan Food Park, que ocorreu entre os dias 24 a 28 de junho na grande capital, foram os brigadeiros gourmet de milho verde, abóbora com coco e quentão do Enrolado e Granulado Brigadeiro Gourmet, as maçãs carameladas cobertas com paçoca e pé de moleque da Caramapples, o Baião de Dois da Cozinha com Z e o Arraiar Burguer feito com pão de milho e recheado com cebola caramelada no vinho quente do Burguer Garni. Os restaurantes PicNic Gastronomia e Chocolate Du Jour, também de São Paulo, não ficaram de fora das inovações em homenagem à festa de São João, oferecendo receitas exclusivas para essa época do ano, dentre elas o bolinho de fubá com goiabada e cachaça do primeiro, além do milho krispies e o bombom de paçoca do Chocolate Du Jour.

Tendência do mercado gastronômico, os food trucks levam às ruas as mais requintadas e criativas receitas a preços acessíveis. Mesmo com as “limitações de operação e espaço, ele pode e deve ser um emissário de cultura”, segundo Zeca Amaral, chef e dono do restaurante Cozinha com Z. Outro desafio desses restaurantes ambulantes é modernizar e gourmetizar os pratos juninos, resguardando a tradição, que deve ser respeitada. “Cada prato tem sua raiz, sua história, mas podemos incrementar, harmonizar cada prato sem deixar sua essência, de acordo com o estilo de cada chef”, complementa Daniel Machado, do Enrolado e Granulado Brigadeiro Gourmet.

> Leia mais: Food Trucks apimentam mercado gastronômico

Seja o pé de moleque habitual ou em colher, a maçã do amor vermelhinha ou caramelizada, é inegável a relevância da gastronomia como integrante do movimento cultural junino, juntamente com a música e a dança, o que, segundo o chef de cozinha Luis Jucá, é o “segredo do sucesso”. “Acredito que a gastronomia é uma das principais formas de se manifestar a cultura de um povo, pois podemos conhecer o modo de vida de cada um a partir de suas experiências gastronômicas. E, como qualquer movimento cultural de sucesso, não deve abranger somente uma vertente cultural, mas sim uni-las”, afirma Luis. Ele realça, também, a necessidade de manter a tradição em meio a essa modernização culinária: “Tentamos trazer sempre a tradição com a gente, e respeitá-la acima de tudo. Não se pode deixar de lado algo que é tão significativo e importante para nossa cultura”.

Agora é hora de experimentar essas delícias! Que tal fazer uma receita super fácil de paçoquinha de colher? Fica uma delícia!

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Reportagem: Camila Pasin
Produção de multimídia: Bianca Arantes
Edição: Gabriela Baraldi Passy

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