Oxente, tem São João para todo lado
As tradições locais se refletem nas comemorações de festas juninas do Nordeste, onde cabem grandes espetáculos, como o São João de Campina Grande e também os históricos festejos que exaltam a religiosidade
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“O Nordeste é logo ali”. A facilidade das viagens e a massiva presença de migrantes nordestinos em São Paulo explicam a sensação implícita nessa frase. Mas a troca cultural entre o povo “lá de cima” do mapa do Brasil e os paulistas ainda é pequena em muitos aspectos. A resistência dos povos do Sul em aceitar e entender a cultura nordestina é uma das razões para não se saber tanto sobre as tradições dessa região brasileira. Isso se reflete em vários segmentos culturais, inclusive nas festas juninas. Em São Paulo, pouco se sabe sobre as festividades do Nordeste e, quando alguma característica delas é incorporada, acaba se enquadrando em estereótipos disseminados pelo Sudeste.
Independente das barreiras culturais, quando se trata das festas juninas paulistas e as nordestinas, é natural que elas apresentem diferenças. Afinal, as manifestações culturais são um reflexo da identidade dos povos. “As festas juninas estão relacionadas aos cultos agrários milenares. Cada lugar possui sua especificidade em transmitir seus saberes”, comenta Rúbia Lóssio, socióloga, professora na cidade cearense de Juazeiro do Norte e coordenadora do Centro de Estudos Folclóricos Mário Souto Maior. “Entre segredos e manifestações, vivem os homens e, nesse aspecto, cada lugar possui seu cotidiano, seu imaginário e seus rituais”, completa.
Sendo assim, as festas juninas paulistas tendem a mostrar mais misturas culturais, assim como o próprio estado de São Paulo. Na mesa, misturam-se o cuzcuz e a tapioca nordestinos com pastéis e, em alguns casos, até mesmo com o pão de queijo mineiro. De acordo com Rúbia Lóssio, “o ritmo do forró pé de serra, a culinária feita com milho, as plantações e a influência religiosa são incorporados ou transfigurados por outros símbolos”.
A linguagem também mostra diferenças. Claramente, o jeito que o caipira das festas paulistas fala não se relaciona com o nordestino. Ana Carolina Ramalho é natural de Campina Grande e atualmente mora na cidade paulista de São José dos Campos. Ela lembra que nas festas juninas de sua terra natal não existe a figura do caipira, mas sim do matuto. Já a paraibana Fernanda Lins, que acompanha o São João de Campina Grande e se diz apaixonada pela cidade, acredita que o diferencial das festas juninas do Nordeste é o próprio povo nordestino e sua alegria.
Um bocado de Nordestes dentro de um Nordeste só
A região brasileira que é berço do forró, do axé e do baião guarda em si muitas diferenças e amplitude o suficiente para ter diversas manifestações das festas juninas. São nove estados e culturas, climas e ambientações distintas. Portanto, há áreas que evidenciam mais ou menos as comemorações de São João. A soteropolitana Cristal Bittencourt ressalta esse aspecto. “Cidades como Amargosa, Cruz das Almas, Bonfim e Jequié sempre tem uma boa festa para todos os gostos, com atrações maiores e festas mais tradicionais. Já em Salvador, o São João é mais tímido. Todos os anos, o Governo patrocina uma festa no Pelourinho e é praticamente só isso.”
Em muitas cidades do Nordeste, o dia de São João é feriado e comemora-se também a véspera, assim como o Natal e o Ano Novo, por exemplo. A pesquisadora Rúbia Lóssio esclarece que “em Pernambuco, o dia de São João é feriado, já no interior do Ceará, não há uma preocupação com o referido festejo e, portanto, não há feriado. Cada interior se apropria em seu cotidiano, ritual e imaginário para exibir suas manifestações”.
Há também as cidades em que o festejo junino acompanhou a modernidade e se tornou atração turística. É o caso das famosas festas de Campina Grande, na Paraíba e Caruaru, em Pernambuco. Nesses casos, como aponta Rúbia Lóssio, “os festejos juninos que se configuravam como brincadeira nos quintais, hoje são espetáculos que seguem um padrão global e midiático”.
Campina Grande atualmente ostenta o título de “maior São João do mundo”. Mas toda a visibilidade não faz com que tradições e características locais se percam. Na programação do evento, ainda se sobressaem nomes da música nordestina, sejam artistas paraibanos ou grandes nomes com reconhecimento nacional, como Alceu Valença e Elba Ramalho.
Ana Carolina Ramalho cresceu vendo e ouvindo essa comemoração e confessa que sente muita falta da cidade natal na época do evento. Para ela, a modernidade e a tecnologia não deixam a tradição de lado. “Sou de Campina Grande e frequentei a festa durante anos, desde o seu início. É uma festa que vem se aprimorando a cada ano, linda de se ver, uma festa democrática que vale a pena ir!”
Também paraibana, Fernanda Lins visitou o São João de Campina Grande neste ano e só vê ganhos na popularidade do evento. “Essas festas movimentam o comércio e a economia do local onde elas são realizadas, pois recebemos muitos turistas que gastam em todas as áreas da economia. Além de não deixar a tradição acabar”, aponta.
Festa do Interior
Não é por acaso que no Nordeste e entre os nordestinos, o termo “festa de São João” é mais recorrente do que no Sudeste, onde se convencionou a denominação de “festa junina (ou julina)”. A relação religiosa com os santos São João, Santo Antônio e São Pedro, celebrados no mês de junho é muito mais forte do que em São Paulo. A atribuição de feriado é uma reafirmação disso. Assim, mesmo comunidades muito pequenas não deixam de exaltar a época. Quando não são feitas grandes festas, existem as quermesses, rezas e novenas.
Tão presente em diversos contextos, o São João nordestino acaba ganhando um lugar especial na memória afetiva do seu povo. ‘O nordeste se veste de colorido. Eu me lembro das casas enfeitadas com bandeirolas, com uma fogueira na frente da casa esperando a família, as crianças vestidas de “matutos” comendo comidas regionais e escutando forró. Dançávamos quadrilha e/ou danças regionais’, lembra a paraibana Ana Carolina Ramalho.
No caso da baiana Cristal Bittencourt, o fator da conexão familiar é o que se destaca em suas memórias. Para ela, a festa é um período de integração, principalmente para as famílias que são originárias do interior. “Tenho ótimas lembranças do São João no interior. O soteropolitano normalmente viaja no São João. Se não tiver família no interior, tem amigo ou amigo do amigo. Nas cidades mais tradicionais, tem muito forró de pé de serra, fogos de artifício, comidas típicas e visitas às casas dos amigos”, comenta.
Para cada nordestino, existe um Nordeste diferente e para cada festa de São João visitada, uma memória. Para aqueles que não têm uma festa ou cidade preferida, quem disse que não se pode gostar de todas? Afinal, o próprio Luiz Gonzaga cantou que “gosta de Juazeiro, mas adora Petrolina”.
Reportagem: Amanda Moura
Produção de multimídia: Caroline Braga
Edição: Gabriela Baraldi Passy
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