Maternidade Santa Isabel é a única a atender pelo SUS em Bauru
“Intenso e tenso”, assim a enfermeira Andréa Carvalho define o dia-a-dia na instituição médica
A Maternidade Santa Isabel (MSI), foi criada em outubro de 1978 e é gerida pela Famesp desde junho de 2012. Lá, nascem cerca de 10 bebês por dia e os 72 leitos ficam ocupados, em média, 76% do tempo. De junho de 2012 até junho de 2015, o número de partos chegou a 10 mil.
O quadro de funcionários é composto por 293 pessoas, sendo 58 delas médicas e médicos, e 235 profissionais de outras áreas, que vão desde o setor de enfermagem à gestão administrativa. Além do atendimento de urgência em casos obstétricos e ginecológicos, é realizado uma vez ao mês o Curso de Gestante, que traz às futuras parturientes orientações básicas: o que é o trabalho de parto, quem são os profissionais que atendem, o que é a amamentação e quais são os primeiros cuidados com os bebês.
Andréa Carvalho (39) é enfermeira há 10 anos, e especializou-se na área de obstetrícia, com a qual se identificava desde a graduação, em 2009. Sempre trabalhou na MSI, onde hoje atua como enfermeira obstetriz e gerente de enfermagem.
Repórter Unesp: Qual é o trabalho da enfermeira obstetriz?
Andréa Carvalho: É a enfermeira que tem a competência técnica da saúde da mulher e no parto em si. A gente tem todo esse conhecimento de atendimento pré-natal, porque enfermeira obstetriz não é só para o hospital; ela pode fazer o atendimento de pré-natal e até trabalhar em serviço de saúde pública. Dentro do hospital, a gente tem a competência técnica para conduzir o trabalho de parto e realizar o parto normal sem a presença do médico.
R.U.: Quem pode recorrer à maternidade?
A.C.: Nós somos referência para parto de baixo risco em Bauru e alto risco em Bauru e região. São 18 municípios em que nós somos referência. Nós já tivemos pacientes, quando entra no sistema da CROSS [Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde], do Paraná, de outros lugares. A CROSS faz uma busca na região, e às vezes a gente recebe [mulheres] de outros estados, pelo fato de sermos referência para alto risco e UTI neonatal.
R.U.: E vem bastante gente da região?
A.C.: Vem. Porque tem muitos municípios que nem estão mais realizando o parto. Um exemplo: de Agudos, de janeiro até junho a gente atendeu 52 pacientes. Tem municípios que a gente atende um pouco mais de expressão em número, que nem Arealva, Avaí. E tem municípios que às vezes manda só um paciente. Depende do tamanho da cidade.
R.U.: O que é considerado um parto de alto risco?
A.C.: Aquilo que coloca em risco a vida da mãe ou do feto. Um trabalho de parto prematuro, uma hipertensão que está descontrolada, diabetes descontrolado, ou qualquer outra coisa. Às vezes ela [a gestante] é cardíaca, tem uma patologia de base que faz com que a gestação dela seja de alto risco, para ela ou para o feto. E às vezes o feto pode ter uma má formação, algum problema que já foi detectado intra-útero.
R.U.: Nos casos de partos de baixo risco, como a gestante pode procurar a maternidade?
A.C.: A procura pode ser espontânea. Nós temos uma porta aberta como é o Pronto Socorro Municipal, que é o Pronto Socorro da gestante. Ela pode vir de ambulância, de SAMU, de carro. A porta é aberta 24 horas. Todo horário tem médico aqui, todo horário tem enfermeira obstetriz. A equipe permanece no hospital, a qualquer momento que a gestante chegar a equipe vai estar estruturada pra atender.
R.U.: Vocês fazem acompanhamento de pré-natal?
A.C.: Não, a gente é atendimento de urgência e emergência, é pronto socorro. Pré-natal é na unidade básica. Às vezes acontece de estar chegando perto do nascimento e a gestante vai à consulta de pré-natal, e precisa de uma avaliação mais detalhada, algum outro exame, e o médico acaba encaminhando ela pra cá.
R.U.: Como é o dia-a-dia aqui?
A.C.: Intenso e tenso. A gente tem bastante trabalho aqui, o hospital é sempre cheio, porque é a única maternidade SUS de Bauru. E pela gente atender a região também. É muito movimento! A gente tem uma média de lotação de 70%, 80%. A gente já chegou a fazer 20 partos por dia. Na média mensal, quando você divide, dá no máximo 10, mas é um dia pelo outro; tem dia que nasce 3 e tem dia que nasce 20.
R.U.: O que é o Manual de Orientação a Pacientes?
A.C.: É uma orientação breve, bem simples, que direciona. São orientações de horário que pode entrar, o que tem que trazer no dia, para a gestante e para o bebê. A gente entrega na entrada, às vezes quando a paciente procura internação.
R.U.: A maternidade prioriza o parto normal?
A.C.: Fazemos cesáreas, é claro; tem que ser feito às vezes, tem caso que tem indicação. A primeira escolha da via de parto é o parto normal, desde que não esteja colocando em risco a saúde da mulher e nem do feto. A gente espera evoluir o trabalho de parto e se houver alguma intercorrência que precise interromper esse trabalho de parto com a cesariana, aí o médico faz.
R.U.: Qual é a sua opinião, enquanto profissional, sobre o Brasil ser um dos países que mais faz cesáreas desnecessárias?
A.C.: É assim: a paciente tem a escolha da via de parto. Precisaria trabalhar melhor o pré-natal dela, pra ela entender que o parto normal faz parte dessa evolução do trabalho de parto. Ela não é preparada para isso. Às vezes o meio em que ela vive influencia muito; se ela vive num meio em que as pessoas incentivam o parto normal, ela vem pronta para o trabalho de parto. Num contexto geral o que a gente percebe é que as mulheres da nossa região, aqui do Estado de São Paulo, consideram o trabalho de parto um sofrimento. E ninguém quer sofrer. Perdeu-se a concepção de que é um processo natural do nascer. Agora que está tendo mais essa ênfase na questão do parto normal, quem sabe retoma um pouco isso. Mas acho que a maioria do processo é esse, ela não é muito bem preparada durante o pré-natal.
R.U.: Vocês recebem muitos casos de mulheres que fizeram aborto?
A.C.: Não, muitos casos, não. Na verdade a gente não tem muita certeza, então a gente não pode afirmar. Às vezes pelas condições que chega nos faz pensar que poderia ter sido um aborto provocado. É muito difícil de a gente ter essa certeza.
R.U.: O médico pode denunciar para a polícia uma paciente que relata ter forçado um aborto?
A.C.: Pode, com certeza. O aborto provocado é criminal, porque nós não temos lei, ainda, que favorece essa questão. Tem países em que é liberado. Então se uma paciente relatar que ela provocou, o médico pode sim chamar a polícia, fazer um boletim de ocorrência e ela pode ser até presa. Porque a lei do nosso país não permite que isso aconteça. Ela matou um ser vivo – é assim que a lei entende. O médico tem todo o respaldo, não é nem questão de ética médica.
R.U.: Como a questão da violência obstétrica é trabalhada dentro da maternidade, entre os profissionais?
A.C.: Eu acho que pra termos um conceito disso, a gente tem que ter competência e experiência técnica. Eu falo isso enquanto profissional da área da saúde, em termos de obstetrícia. Existem várias fases do processo de um trabalho de parto em que, às vezes o fato de você colocar um soro, colocar um comprimido intra-vaginal para trabalhar o colo, não necessariamente você está violentando a paciente. Existem indicações e indicações. Tem que se tomar um pouco de cuidado quando se acusa uma violência obstétrica sem se conhecer a parte técnica de se aquilo tem uma boa influência ou não. O que a gente trabalha aqui é assim: se a gente vê que uma paciente chega em franco trabalho de parto e que não tem nenhuma necessidade de uma indução, não é feito. E tem aquela própria paciente que fala “Rompe a minha bolsa que se não, não vai nascer!”, porque ela já teve vários filhos e conhece o processo. Quando você trabalha diretamente com a urgência e emergência obstétrica, quando você tem muito anos de profissão, quando você conhece a rotina e o contexto, tem momentos que você vê realmente que [a intervenção] não é necessária, que é o que se trabalha aqui. Ou não; é claro que a paciente tem o direito de escolha. Se o médico falar “Vamos induzir o trabalho de parto com o soro” e ela falar “Não, eu não quero”, a gente não põe. As coisas precisam ser muito bem esclarecidas. As coisas são jogadas na mídia às vezes por pessoas que não tiveram essa experiência e é claro que ninguém tá aqui pra maltratar ninguém. Não é esse o objetivo de nenhum serviço. A gente tenta ao máximo, hoje, buscar a parte mais natural possível, com às vezes algumas indicações de indução de parto, mas se a paciente não quiser a gente não coloca.
R.U.: E como vocês trabalham essa “parte mais natural possível”?
A.C.: A gente cumpre a questão do acompanhante, a questão da livre escolha dela; é ela quem escolhe quem quer que fique com ela, sendo do sexo feminino ou masculino. A gente não recolhe os nenéns, eles permanecem com a mãe até o momento da alta. Começamos com a amamentação assim que ele nasce. Mesmo no centro cirúrgico, quando tem indicação de cesárea, o acompanhante entra, assiste ao parto. Esse neném permanece com a mãe no centro cirúrgico, depois segue com ela para o alojamento conjunto. A gente tem algumas ações dentro do pré-parto, em termos de humanização da assistência do trabalho de parto. A nossa cama é PPP – que é pré-parto, parto e pós-parto; nasce na mesma cama em que ela tem o trabalho de parto, a gente transforma na cama de parto. Deixou-se de ter aquela posição de litotomia, a gente tem a bola suíça, o cavalinho, que ajuda a relaxar. Colocamos ela no banho, e ela fica o tempo que quiser. Às vezes a gente insere o acompanhante, quando ele é mais participativo, nesse contexto, ele faz massagem. Quando tá tranquilo a própria equipe faz massagem. A gente procura sempre fazer essas ações de humanização.
R.U.: O que é a humanização do parto?
A.C.: Acho que, primeiro, é você fazer um bom acolhimento dessa paciente e da família, porque eles vêm com uma expectativa em relação ao nascimento. Humanização é você dar atenção, é você poder esclarecer as dúvidas, você conversar e acolher de uma forma respeitosa, respeitando a crença da parturiente; às vezes desmistificando algumas situações que elas vêm, um medo, uma certa angústia. É complicado, porque nós só vamos conhecer ela no dia do nascimento, e ela teve toda uma influência durante 40 semanas. É muito tempo para você desmistificar na hora que ela chega. Mas na maioria das vezes a gente consegue.
R.U.: Como você enxerga a questão da saúde da mulher e da criança no sistema público de Bauru, fora da maternidade?
A.C.: Toda a saúde hoje tem as suas dificuldades. Eu tenho muito contato com o pessoal da Saúde da Mulher, nós conversamos bastante porque nós trocamos o paciente, né. Na verdade a gente é um trabalho em conjunto. Eu acho que o que precisaria, e eu acredito que eles já vão começar a fazer esse processo de trabalho, é preparar melhor a gestante e a família para que, ao entrar aqui no hospital, ela saiba o que vai encontrar. Eu vejo que eles já estão articulando com as unidades básicas de começar grupos com as gestantes; inclusive faz parte desse programa trazê-las para o hospital, para fazer uma visita, se ambientar, para no dia que ela chegar, não chegar tão perdida. Esse trabalho já está sendo programado pela rede, e eu acho que isso vai ajudar bastante.
Serviço
Reportagem: Gabriela Baraldi Passy
Produção de multimídia: Carolina Baldin Meira
Edição: Mariana Caires
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