Gabriela Diniz, negra, 2,4% da USP
Gabriela Diniz tem 19 anos, cabelos cacheados e um sorriso no rosto. Nascida em Bauru, criada na Vila Santista, depois na Vila Independência e agora no Núcleo Habitacional Presidente Geisel, ela estudou a vida inteira em escola pública. Hoje, cursa o primeiro ano de Fonoaudiologia em Bauru e tem plena consciência do que significa ser mais uma entre os 2,4% de alunos negros da Universidade de São Paulo. “Acho que no meu curso tem três ou quatro pessoas negras”.
Dentre as universidades públicas do estado de São Paulo, somente a Universidade Estadual Paulista adotou cotas raciais. Na Universidade de São Paulo, os negros e negras que decidem prestar o vestibular contam com um “bônus” de 5% sob a nota total do processo seletivo, dado somente se o candidato acertar um determinado número de questões na primeira fase – para aqueles que fizeram o ensino médio em escolas públicas a bonificação é de 12%, e pode chegar a até 20%, dependendo da quantidade de anos cursados integralmente em rede pública.
Mas foi bem antes da faculdade que Gabriela se deu conta que as coisas funcionavam de um jeito diferente para quem é negro. O racismo aparece na infância, quando ninguém sabe direito a que veio, o racismo já está lá, marcado nas crianças, de prontidão.
“Eu vi que o mundo era dividido entre pessoas ‘normais’ e pessoas ‘negras’ quando comecei na escola. Lá a gente tem um contato muito direto com as pessoas e por muito tempo, várias horas por dia, então dá para perceber bem isso. Quando um colega de classe, por nada, faz ofensas diárias a você. ‘Sua macaca!’, ‘sua negra!’, tentando me ofender. Foi quando eu percebi que era tratada diferente simplesmente pelo fato de ser negra. Falar com professor, com diretor, não resolve. Eu não fiz nada e fui ofendida”.
“Não lembro direito como e quando foi que eu decidi me assumir como negra. Quando eu era criança queria ter o cabelo liso, queria tirar o volume. Pedia para a minha mãe deixar igual o da minha prima, que é branca. De repente eu decidi que não queria mais. Eu queria meu cabelo cacheado, crespo, do jeito que ele é. E eu tenho orgulho disso. Eu tenho orgulho dos meus antepassados e esse é um dos jeitos de mostrar isso. A minha bisavó conviveu um pouco nas fazendas e eu tenho o maior orgulho dela. Mesmo tendo passado por tudo isso, era uma pessoa super feliz e alegre com a nossa família. Eu não sei nem descrever como é isso, é um sentimento enorme. E não é motivo para se envergonhar”.
Quando entrei na faculdade vi a falta do movimento negro, a falta de negros como eu neste espaço. Na USP não há nenhuma articulação em Bauru, qualquer atividade de conscientização tem que vir, quando vem, da capital. Nós somos a minoria aqui dentro. Os outros estudantes, os brancos, talvez não façam tanta diferenciação porque somos poucos, porque não incomodamos. Talvez, se tivessem mais negros aqui, se nos organizássemos, iriam começar a surgir pichações racistas em banheiros também.
Sentamos em uma calçada, com alguma sombra – o sol estava quente e lembrou o verão em pleno inverno – e conversamos ali mesmo em frente à faculdade, no horário de almoço, um dos poucos que Gabriela tinha livre na rotina corrida de caloura. Me surpreendi quando ela disse ter apenas 19 anos, não que eu seja muito mais velha ou mais experiente, pelo contrário, mas eu, aos 19, não tinha noção de muita coisa. Creio que, para ela, a sociedade exija mais em todos os sentidos, a visão crítica, a maneira de se colocar, o argumento. A consciência negra.
Muitas coisas que as pessoas falam para a gente é racista e elas nem percebem. “Nossa, mas você é bonita, para uma pessoa negra”. E eu acabo relevando, mas por dentro eu sei o que aquilo quer dizer. Aqui na universidade não lembro de nada que tenha me marcado nesse sentido… Mas as pessoas tem que saber o que estão dizendo. Mas, sinceramente, eu não sei porque as pessoas são racistas até hoje, porque não fizemos nada de errado. Temos mais melanina na pele, temos o cabelo diferente, temos os traços do rosto diferentes e isso causa um ódio enorme, não faz sentido. Todo mundo acha ruivo lindo. São diferenças aceitas e diferenças não aceitas. O racismo está no cotidiano. Ele está incrustado nas pessoas pela história.
As pessoas que estão marginalizados hoje precisam entrar nos espaços públicos. Eu, por exemplo, não tenho nenhum professor negro. Nós precisamos ocupar esses espaços para que comecem a nos respeitar como merecemos e como temos direito.
Reportagem perfil: Bibiana Garrido
Produção Multimídia: Giovanna Diniz
Edição: Vinícius Cabrera
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