A naturalização dos relacionamentos abusivos
No Brasil, a cada quatro minutos uma mulher é vítima de agressão. Apesar das estatísticas, a violência contra a mulher ainda é chamada de “crime passional”.
Durante a segunda semana de agosto, a história de Gisele Santos chamou a atenção dos veículos de comunicação e dos usuários das redes sociais. No dia 2 deste mês, a jovem de 22 anos teve as duas mãos decepadas pelo companheiro quando decidiu terminar o relacionamento de sete anos. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Gisele contou que foi agredida diversas vezes durante a relação, mas sempre se defendeu. O marido foi denunciado pelo Ministério Público por tentativa de homicídio qualificado.
Casos como esse não são raros na grande mídia e no cotidiano da maioria das pessoas. Em 2013, o Instituto Avon, em parceria com o Data Folha, promoveu uma pesquisa intitulada “Percepção dos homens sobre a violência doméstica contra a mulher” como parte da campanha “Fale sem medo – não à violência contra a mulher”. A maioria dos entrevistados eram homens, casados, com idade entre 25 e 59 anos e pertencentes à classe média. A pesquisa mostrou que a visão dos homens sobre os papéis destinados a eles e as mulheres na sociedade ainda é conservadora, o que dificulta a percepção da violência dentro dos relacionamentos. De acordo com o levantamento, 41% dos brasileiros conhecem um homem que já foi violento com a parceira, no entanto, apenas 16% admitem já terem sido violentos com a companheira (atual ou ex).
Esse número aumenta quando, ao serem apresentados a uma lista de atitudes violentas, 56% dos homens admitem já terem cometido uma dessas agressões contra a parceira e, a maioria, mais de uma vez. Algumas das ações citadas são: xingar (53%), empurrar (19%), ameaçar com palavras (9%), impedir de sair de casa (7%), humilhar (5%) e obrigar a fazer sexo (2%).
“As pessoas veem isso como algo normal e aceitável, que se a mulher se ‘submete’ a isso é porque ela é uma safada”, afirma Juliana Cardoso, que viveu um relacionamento abusivo por seis meses. Ela conta que, no início, seu parceiro era atencioso e sensível, até começar a fazer exigências, como: que ela saísse do emprego, não usasse algumas roupas, não conversasse com determinadas pessoas e falasse pouco com a sua família.
Juliana diz que a primeira agressão ocorreu porque ele achou que ela estava olhando para outro rapaz. “Se falava algo eu era louca e, por vezes, achei que era mesmo. Minha autoestima e personalidade foram minadas por completo”, conta. Ela morava junto com o companheiro e, quando conseguiu se separar, descobriu que estava grávida. Ele não queria a criança e por isso a violentou. Juliana afirma que ficou com sequelas físicas, como ossos rachados e infecção urinária, além das emocionais. “O que me ajudou a melhorar foi ter conhecido uma casa de parto, onde recebi apoio psicológico e médico, e consegui me concentrar em ter meu filho”, explica.
Para ajudar as mulheres que estejam envolvidas em um relacionamento abusivo, desde 2006 está em vigor a Lei Maria da Penha, que enquadra as violências física, quando a integridade da mulher é comprometida; psicológica, que causa dano emocional; sexual, quando a mulher é forçada a participar ou presenciar um ato sexual indesejado; patrimonial, quando o parceiro a impede de ter acesso ao seus bens; e moral, que envolve calúnia, injúria e difamação. Essa lei protege as mulheres que estejam em um relacionamento matrimonial ou não e tem ganhado reconhecimento internacional no combate à violência contra a mulher.
A maioria dos abusos ocorre em relacionamentos amorosos, entre um homem e uma mulher. Entretanto, relacionamentos abusivos podem ocorrer entre casais homoafetivos e não casais, como pai e filho ou chefe e empregado. Para tentar ajudar quem se encontra em um relacionamento abusivo, existem iniciativas como o site Livre de Abuso, que busca divulgar o assunto e oferecer auxílio a quem precisa.
Saiba mais sobre o projeto Livre de Abuso e sobre como superar relacionamentos abusivos clicando aqui.
Reportagem: Moema Novais
Produção multimídia: Ana Oliveira
Editor: Jonas Lírio