Uma breve história da beleza (padrão)
Da Vênus de Willendorf às passarelas e como chegamos até aqui
A beleza é uma construção histórica e social. Como tal, o belo se transforma; os ideais de corpo e rosto se apresentam ao longo de história humana como forças flutuantes, se impondo de maneiras distintas a homens e mulheres, sociedades e momentos. A magreza nem sempre foi regra, os músculos nem sempre foram objeto passível de culto, tamanho e formato de narizes e seios, por exemplo, nem sempre foram quimerizados igualmente.
Essa história tem seu primeiro grande registro numa estatueta que nos leva a algo entre 22 mil e 24 mil atrás: a Vênus de Willendorf, nos seus 11 centímetros de altura, representa uma musa com seios, barriga e quadril volumosos – sinais de fertilidade e de amplo acesso a comida, numa sociedade pré-agrícola -; braços e pernas, por outro lado, são curtos. De fato, uma série de sociedades matriarcais revela nas suas esculturas e pinturas idealizações parecidas, os quadris e seios são recorrentemente relacionados à fertilidade e retratados nas musas.
Herança à grega
A Antiguadade Clássica da Grécia traz a esse debate um dos maiores lugares-comuns quando se fala em beleza, a simetria. O comprimento do rosto, supostamente, deve corresponder a uma vez e meia a largura; a distância entre queixo e nariz, nariz e testa e, por último, entre a testa e o começo dos cabelos também deve ser a mesma; naturalmente, as duas metades da face devem ser idênticas. Tudo isso segundo os profetas – e os pesquisadores – do rosto perfeito. Paradoxalmente, o culto ao rosto simétrico é um clássico popular do debate sobre a beleza que contradiz outro chavão, aquele que diz que a beleza está nos olhos de quem vê, relativa, subjetiva. A discussão segue aberta. Um trabalho de 2012 do fotógrafo australiano Julian Wolkenstein transformou rostos comuns em faces perfeitamente simétricas, e questionou a verdade por trás da simetria.
Também na Grécia, numa sociedade essencialmente hedonista e antropocêntrica, o corpo masculino ganha destaque e culto. Considerado mais quente que o corpo feminino, o homem passou a ter nos músculos um ideal de imagem, a prática de esportes e a ideia de virilidade se aproximam do atual padrão ocidental. As mulheres passaram a ser idealizadas mais magras – ainda que nada comparável à última fashion week – e a assepsia ganha importância e status na sociedade grega, com banhos públicos cada vez mais disputados. Em outros termos, podemos dizer que a antiguidade clássica, nascida na Grécia, e que se estende a Roma, criou o alicerce do nosso belo. Mas, por outro lado, isso não quer dizer que foi assim desde então. O crescimento do cristianismo, culminando na Idade Média, transformou radicalmente a relação do sujeito ocidental com o seu corpo.
A morte e a ressureição da beleza
A Idade Média, uma época de enfraquecimento dos estados nacionais, e de consolidação de microestruturas de poder como os feudos, leva à ascensão da Igreja Católica como força dogmática, política e filosófica maior do período. O corpo, na Idade Média, se coloca em uma sensível contradição; aqui, “o corpo é a abominável vestimenta da alma”, como disse o Papa Gregório Magno, mas é, também, morada do Espírito Santo. Com a vida terrena reduzida a um estágio e uma provação, e o prazer cada vez mais condenável, o culto ao corpo é abominado, o esporte desestimulado e o sexo é restrito a uma série de normas. A mulher, sob a sombra de Eva, é demonizada, “toda mulher se regozija em pensar no pecado”, diria o monge Bernard de Molas. Toda forma de vaidade, especialmente feminina, é repugnante e, em última análise, sinal de bruxaria.
Como naquele pêndulo, a Idade Média oscila no sentido oposto ao da Antiguidade, para retornar a partir do Renascimento. A reforma protestante e o êxodo rural enfraquecem o Vaticano, as cruzadas estouram a bolha europeia e as belezas e delícias do oriente fascinam servos e senhores. Os mercadores de veneza fazem-se mecenas e financiam uma produção artística efervescente e a ciência e a filosofia abandonam o seio da Igreja – o homem se volta, de volta, para si mesmo. O corpo é, paulatinamente, reconquistado.
Mesmo hoje, em meio a uma certa norma cultural global, que se impõe de modo cada vez mais agressivo dentro e fora dos limites do mundo ocidental – iranianos são os campeões em cirurgias para afinar o nariz; coreanos passam pelo bisturi para “abrir” os olhos -; malaios se besuntam em protetor solar e chegam até a se banhar com alvejante enquanto brasileiros esticam – arriscadamente – suas cangas numa Copacabana-quarenta-graus; com ampla oferta de alimentos, a anorexia se revela a maior assassina de meninas na adolescência no lado de cá, mas na Mauritânia, ao noroeste da África, garotas vão a campos de engorda aos cinco anos, onde comem ao menos 16 mil calorias por dia – a obesidade, outra pandemia da modernidade, lá é sinal de sucesso.
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Reportagem: Michael Barbosa
Produção multimídia: Vitor Almeida e Vinícius Cabrera
Edição: Adriana Kimura
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