Centrinho de Bauru: a humanização do tratamento hospitalar
Um lugar que não só atende, mas acolhe seus pacientes e familiares
Malformação craniofacial. Um nome grande, complicado de se dizer e que afeta a vida de muita gente. Trata-se de toda alteração congênita, ou seja, que surge no período da gestação, e que envolve o crânio e a face. A anomalia craniofacial mais frequente é a fissura de lábio e/ou palato, conhecida como fissura labiopalatal ou fissura labiopalatina (FLP).
A fissura labiopalatal é uma abertura na região do lábio superior e/ou do palato (céu da boca) ocasionada pelo não fechamento dessas estruturas. Ela pode acometer apenas o lábio, apenas o palato ou ambos. Durante a gestação, tanto o lábio como o palato se desenvolvem separadamente, cada um vem de um lado da boca e depois se juntam no meio. A fissura ocorre, portanto, devido ao fato dos tecidos não se unirem. Para compreender melhor esse processo, você pode conferir este vídeo didático do canal TV Saúde.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 1 em cada 1000 bebês no mundo nascem com uma fissura. No Brasil, uma pesquisa feita por professores da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) apontou que essa incidência é maior: de 1 em cada 650 bebês. As FLPs são geralmente causadas por uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Os fatores genéticos englobam a hereditariedade (se há algum caso de fissura na família) enquanto os fatores ambientais são aqueles em que a mãe é exposta durante a gravidez.
Exemplos de fatores ambientais: infecção congênita (rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus, herpesvírus, HIV); fumo; álcool; drogas ilícitas; deficiência nutricional da gestante; estresse; deficiência de ácido fólico; diabetes gestacional; hipotireoidismo; hipertensão arterial; medicamentos (anticonvulsivantes, corticóides, benzodiazepínico para tratamento de insônia ou distúrbios de ansiedade, isotretinoína – popularmente, Roacutan – para tratamento de acne e de rejuvenescimento, etc).
Em geral, as FLPs não são graves nem letais, mas geram um impacto significativo sobre a fala, audição, aparência e cognição. Por isso é recomendado que o tratamento comece o mais cedo possível para uma melhor reabilitação e prevenção de distúrbios da fala. Além disso, pessoas com fissuras têm maior chance de contrair infecções respiratórias e de ouvido.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece cobertura para esses casos de malformações craniofaciais. Dentre os Centros especializados, o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da Universidade de São Paulo, localizado em Bauru (SP), é tido como referência internacional.
História
A trajetória do Centrinho tem início na década de 1960, com a iniciativa de um grupo de sete professores a partir dos resultados de uma pesquisa que detectou uma estatística até então não trabalhada: uma em cada 650 crianças nascidas no Brasil apresentava malformação labiopalatal.
Em 1967, impulsionados pelo resultado desse estudo, docentes e profissionais da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP passaram a dar atendimento por meio de um serviço integrado de ensino, pesquisa e assistência social. Desta forma, funcionando nas dependências da própria faculdade, nasceu o Centro de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais.
Em 1976, o Centrinho – como já era conhecido – é transformado em unidade hospitalar autônoma e passa a receber o nome de Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais, destacado como centro de excelência no atendimento pela USP e como referência mundial pela OMS.
Na década de 1980, tornou-se o primeiro hospital universitário do Estado de São Paulo a ser conveniado com o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps – atual SUS) para prestar assistência especial e integral aos portadores de malformações faciais e iniciou o atendimento na área da deficiência auditiva.
Em 1998, recebeu nova denominação, em vigor até hoje: Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), devido à ampliação do seu campo de atividade. Com o passar das décadas, a instituição colecionou conquistas que lhe renderam premiações e o reconhecimento como centro de excelência dentro e fora do Brasil.
Só em 2014 foram feitas 4 mil internações e mais de 5 mil cirurgias. O número de pacientes matriculados ultrapassou os 98 mil, incluindo casos de anomalias craniofaciais e deficiência auditiva.
Acolhendo os pacientes
Por ser um hospital de referência, o Centrinho recebe pacientes de todo o país – seja por encaminhamento de outros serviços de saúde ou pela própria família que busca o atendimento. Quando o paciente chega, ele e sua família são recebidos por uma equipe diagnóstica do hospital composta por um fonoaudiólogo, um ortodontista, um cirurgião plástico, um pediatra e um otorrinolaringologista. “Nesse momento eles avaliam que tipo de fissura o paciente tem e se há alguma outra malformação associada de maneira mais complexa”, pontua Ana Maria Crisci Bertone, que é Chefe Técnica do Departamento Hospitalar e trabalha no Centrinho há 30 anos.
Após essa avaliação prévia, os profissionais esclarecem para a família quais são as etapas de tratamento: qual a idade ideal para fazer a cirurgia, como ela será conduzida e quais os atendimentos que o paciente e a família irão receber. O objetivo nesse primeiro encontro, segundo Ana Maria, é que seja feita “uma abordagem geral para que a família seja orientada de que forma será feita essa sequência de tratamento e até mesmo para que eles nos conheçam”.
Em alguns casos a mãe entra em contato antes do bebê nascer, por isso o Centrinho oferece um atendimento à gestantes. Ana Maria conta que a experiência tem trazido resultados muito positivos: “Ela [mãe] acaba saindo daqui mais segura, entendendo todo o atendimento e vendo que não é só o filho dela que tem fissura”.
Além dos preparativos para a cirurgia, o pós-operatório é fundamental. O paciente e familiares recebem toda a orientação necessária de acordo com o caso tratado. Ana Maria pontou alguns cuidados básicos:
- evitar a exposição ao sol no primeiro mês para não evidenciar a cicatriz
- alimentação: ela passa de líquida para pastosa até voltar a normal (para não traumatizar nem ferir o local da cirurgia)
- higienização: crianças pequenas não sabem fazer bochecho nem escovar os dentes; os pais devem oferecer líquidos após as refeições.
- ficar atento para que as crianças não machuquem a boca nem tentem mastigar objetos.
Outras anomalias
Como foi dito, a fissura labiopalatal é anomalia mais frequente e pode apresentar variações. Além dos tipos que podem ocorrer (lábio ou palato), o tamanho dessas aberturas também pode variar: da labial até aquelas que acometem lábio, nariz e pálpebra inferior.
Outras anomalias craniofaciais também são tratadas pelo Centrinho. Uma delas é a malformação da orelha, que pode comprometer a audição. De acordo com o caso, é feito o implante coclear multicanal (“ouvido biônico”) e a reconstrução da orelha.
O hospital também faz a cirurgia ortognática, que visa corrigir deslocamentos buco maxilares, quando o maxilar se posiciona muito a frente ou atrás do rosto. Também há o tratamento de casos mais complexos que envolvem a malformação do crânio em si, mas ocorrem com uma incidência menor.
Briquedoteca
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Recursos financeiros
Todo o tratamento recebido no Centrinho é custeado pelo SUS. Mas, para pessoas de fora, ainda há gastos como viagem e estadia. Em alguns casos, é possível conseguir auxílio financeiro do município de origem do paciente ou mesmo com o apoio de instituições e Organizações Não Governamentais (ONGs). No entanto, às vezes o paciente tem que arcar com estes gastos.
Em relação ao transporte, muitos podem contar com a Carona Amiga, projeto desenvolvido pelo hospital em parceria com prefeituras municipais que, mediante a liberação de uma condução municipal, procura agrupar o maior número de pacientes da mesma cidade e região para facilitar a vinda dos pacientes. A Carona Amiga atende mais de 500 municípios e tem potencial de cobertura para mais de 10 mil pacientes.
A experiência de quem é acolhido
“Sou eternamente grata”. É assim que Priscila Ferreira, 35 anos, se sente em relação ao Centrinho. Priscila descobriu que seu filho André Gustavo, 6 meses, tinha fissura labial após seu nascimento. Para ela, foi um momento angustiante: “Na minha cabeça só vinha a pergunta ‘como ele vai mamar?’, enquanto tentava segurar as lágrimas”. Como seu parto foi feito em Sorocaba, ela recebeu informações e assistência da Associação dos Fissurados Lábio Palatais de Sorocaba e Região (Afissore) que a encaminhou para o Centrinho.
Após todos os procedimentos, a cirurgia de André Gustavo foi feita no dia 13 de agosto e sua reabilitação é muito satisfatória. “Tirando o fato dele estar com os movimentos dos braços restritos por talas*, o que o deixa um pouco chateadinho, e os cuidados pós operatórios que devem ser observados por 30 dias, ele está muito saudável, mamando e feliz”, afirma Priscila.
Em relação à sua experiência com o Centrinho, Priscila se diz extremamente satisfeita:
“Os profissionais do Centrinho são de tamanho preparo, profissionalismo e humanidade que a gente esquece que está em um hospital público. No meu caso, que sou solteira, sem família, o tratamento carinhoso, prestativo e porque não dizer caridoso dos profissionais, é uma grande ajuda, apoio e força numa hora tão difícil para uma mãe que é ver seu filhinho ser levado para uma sala cirúrgica. Eles pensam em cada estágio: antes, durante e após a cirurgia, para que em nenhum momento a pessoa se sinta desolada. Sou eternamente grata e espero que se houver mudanças que mudem o físico do hospital e não a estrutura de pessoal.”
* As talas de André Gustavo foram colocadas para que ele não coloque a mão na boca enquanto passa pelo pós-operatório.
Serviço
Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho)
Endereço: Rua Sílvio Marchione, 3-20 – Vila Universitária
Telefone: (14) 3235-8132 / 3235-8139 / 3235-8129
E-mail: spp@centrinho.usp.br
Site: http://www.centrinho.usp.br
Facebook: https://www.facebook.com/Centrinho.usp.bauru
Reportagem: Lívia Lago
Produção Multimídia: Amanda Fonseca
Edição: Bibiana Garrido