Compro De Quem Faz: uma alternativa à moda padrão
Quando você quer comprar uma camisa, um sapato ou uma bolsa, qual é o primeiro lugar que você pensa em procurar? Uma loja sofisticada? Alguma das lojas de departamento? Num shopping center ou no centro da sua cidade? Quando se fala em moda, você pensa nas grandes grifes e nas passarelas internacionais ou naquela costureira que mora a algumas quadras da sua casa? E quando se fala em moda brasileira, em quê você pensa? Em crise ou em sucesso?
Carla Costa é consultora de moda, além de coordenadora e professora dos cursos de moda do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) de Bauru. Para ela, o cenário da moda brasileira apresenta duas variantes. A primeira delas “envolve fatores de complicação representados pela crise econômica atual, impostos abusivos, falta de incentivo fiscal aos criadores e confeccionistas de moda e a abertura ao mercado chinês, que não deixa chances para concorrência”, devido ao valor agregado muito inferior ao dos produtos ofertados no Brasil.
A segunda variante apontada por Carla é a de que existe uma produção de artigos de moda extremamente originais. “Muitas grandes e pequenas marcas mantém, com bastante dificuldade, a produção de coleções que estão repletas de originalidade brasileira, que são feitas com trabalho artesanal e diferenciado. Acredito que esse seja nosso ponto forte”, diz ela.
No caminho contrário ao das grandes empresas, que trabalham com a manufatura em larga escala, com a separação entre os setores de criação e produção e com a impessoalidade na hora de vender os produtos, surgem movimentos como o Manifesto Compro De Quem Faz (CDQF), que incentiva a produção e o consumo artesanal. Micro e pequenas empresas têm, nos últimos anos, ganhado espaço no mercado de moda brasileiro. Elas fabricam produtos originais e/ou exclusivos, que, na maioria das vezes, são comercializados via internet.
Essas produções independentes em moda se enquadram na economia criativa, definida pelo Observatório Brasileiro de Economia Criativa (OBEC), do Ministério da Cultura, como “um setor estratégico e dinâmico, tanto do ponto de vista econômico como social: suas atividades geram trabalho, emprego, renda e inclusão social”. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), esse tipo de economia “foca no potencial do indivíduo ou do coletivo para produzir bens e serviços criativos”.
Carla acredita que essas produções são a grande revolução para o quadro atual da moda, e acha necessário atingir e conscientizar o maior número de pessoas possível. “Trata-se de uma evolução cultural e de costumes, que fará com que as pessoas escolham pagar por um produto, reconhecendo seu valor agregado e exclusividade, e não trocá-lo por algo comum, produzido em massa, em condições muitas vezes precárias e abusivas”, aponta.
A professora opina que, ao dar prioridade para o ramo da moda que foge das grandes empresas, priorizamos também nosso país. “Valorizamos e enriquecemos a cultura local, alavancamos a nossa economia, incentivamos a criação de emprego para nós e nossos semelhantes. Afinal, o setor da moda é um dos que mais gera empregos no Brasil, mesmo com a informalidade de empresas que não oficializam o seu negócio”, lembra Carla.
Quem compra?
Camila Futamata, 34, editora de vídeos e moradora de São Bernardo do Campo (SP), é uma das pessoas que se encantaram com o movimento CDQF. “Eu nunca fui uma pessoa magrinha, e sempre tive uma certa dificuldade para encontrar roupas do meu tamanho”. Outro problema indicado pela consumidora é a grande variação entre os tamanho de fabricação das marcas: “o 44 de uma loja nunca é igual ao 44 de outra”, reclama.
Insatisfeita com a maioria das roupas vendidas pelas grandes lojas de departamento – salvo exceção da Marisa, que lançou uma coleção plus size –, Camila encontrou na produção independente uma solução para seu problema. Ela conheceu o CDQF através de um grupo no Facebook, e conta que passou a adquirir mais produtos vindos das produções independentes do que das lojas tradicionais. “Além de encontrar coisas muito diferentes do que a gente vê na rua, elas ainda se importam com nós, mulheres que usam tamanho grande. Posso dizer, com certeza, que ando me sentindo até mais bonita por conseguir comprar, finalmente, o que eu quero”, revela.
A única desvantagem apontada pela Camila é a de que, quando se compra pela internet, é impossível experimentar o produto. “Como tudo comprado pela internet, a gente sofre com essa possibilidade. Mas nada como aquela costureira de confiança, para dar um jeitinho”, arremata.
Quem faz?
Carla Musa tem 24 anos de idade, e mora em Novo Hamburgo (RS). Começou a vida profissional investindo na carreira em Comércio Exterior, mas frustrou-se e resolveu começar uma nova faculdade: Design. “Junto com isso, sempre me senti muito frustrada tentando entrar em roupas que não eram pensadas pra mim. Ia a lojas grandes e achava modelos lindos, mas que quando eu vestia me faziam sentir triste com meu próprio corpo”, conta.
Quando percebeu que esse era um problema enfrentado por tantas outras mulheres, Carla decidiu investir numa marca própria de roupas, a Miranda, especialista em vestidos e saias. Quem pensa as peças, os modelos, as estampas e os tecidos é a ela mesma. Gabriel, o namorado dela, é responsável pela logística e pelas ações offline. Quem confecciona todas as peças é a mãe dele, que tem anos de experiência em costura. Há um mês, Carla largou o último estágio e dedica toda a atenção à marca.
Quando idealiza as peças da Miranda, a designer volta a atenção para quem vai receber o produto. “Penso em suprir as necessidades da cliente e jamais repetir a frustração que eu sentia ao tentar comprar roupas para mim. Não quero que mulher nenhuma se sinta triste com o próprio corpo por gostar de uma roupa e não poder usá-la, porque a roupa não foi pensada para ela”, diz.
Carla sente o mercado da grande moda muito comercial, sem a preocupação com o corpo e as preferências do cliente. “É um mercado que se preocupa com um tipo de cliente padrão, normalmente magro. E ao mesmo tempo existe o movimento de pessoas que fogem desse mercado, justamente por não serem representadas, vistas ou ouvidas. E elas vêm na nossa direção”, afirma.
Marcela Marques, 23, que mora em São Paulo (SP), também trabalha com produção de moda, mas seu foco são as lingeries. Cresceu numa família cheia de costureiras, então sempre esteve em meio a retalhos e agulhas. Costura roupas íntimas há muito tempo, mas a marca de que é dona, a Satinè, existe oficialmente há 5 anos.
A designer confecciona a maior parte das peças sozinha, mas tem a ajuda de pessoas como sua mãe e sua avó. Para ela, tanto os clientes como os produtores saem ganhando na relação estabelecida pela moda independente. “O produtor tem liberdade de criar e produzir como preferir e os clientes têm a oportunidade de ter peças completamente diferentes das que teriam à disposição no mercado tradicional. Ninguém é refém na moda independente”, aponta.
Ela enxerga liberdade no movimento Compro De Quem Faz, e o considera uma fuga de um sistema de produção enlouquecedor. A produção de moda criativa e independente, para Marcela, fortalece economicamente e é uma compra mais humana. “Acho que o mais legal de comprar de um produtor independente é o cuidado que existe naquele produto. O meu objetivo, toda vez que envio uma encomenda, é que a minha cliente receba como quem recebe um presente”, conta.
Conterrânea da Miranda, a Moscada é uma marca de bolsas e acessórios que surgiu no final de 2012, quando Aline Romero, 29, terminou a faculdade de moda e se viu sem emprego, com a necessidade de decidir o que fazer nos próximos anos. “Resolvi juntar tudo o que aprendi e correr atrás do resto para começar o meu negócio”, conta ela. Depois de algumas mudanças na estética dos produtos, a Moscada cresce em grandes escalas. Atualmente, Aline confecciona, sozinha, todos os produtos da marca.
A designer viu, na moda independente, a oportunidade para colocar novos produtos no mercado, recebendo inspirações principalmente do dia a dia. Segundo ela, “hoje já vemos exemplos de negócios que vêm crescendo e mantendo essa percepção nova de mercado, mostrando que a desetorização empresarial existe e o núcleo de criação e desenvolvimento trabalham juntos, de forma igualitária, sem abuso, vinculando todas as etapas com uma consciência ambiental concisa”.
A aproximação entre o produtor e o cliente é um ponto bastante valorizado por quem investe no mercado independente. “O movimento Compro De Quem Faz é mágico. Traz de volta a essência do mercado, que é a proximidade com a pessoa que está te vendendo algo. Incentiva o pequeno artesão, faz o mercado local girar e ainda te proporciona a tranquilidade de saber que o produto consumido foi feito de forma justa e consciente”, afirma Carla Musa, da Miranda.
Aline Romero, da Moscada, ainda aponta que “o trabalho independente dá liberdade para que os seus clientes vejam que você, ainda que uma empresa, não é uma resposta automática do outro lado. Parece um exagero falar em amor, carinho e envolvimento no processo todo, mas não é. Exagero é achar que eles não existem, já que tanto de você fica depositado no produto”.
Reportagem: Gabriela Baraldi Passy
Produção multimídia: Carolina Rodrigues
Edição: Carolina Baldin Meira