Cartola comemora 40 anos de folia
A história da Acadêmicos da Cartola, uma das mais tradicionais escolas de samba de Bauru
Cartola não é uma pessoa, mas tem um coração batendo, tem milhares de pessoas que a admiram, e uma casa. Nascida em 13 de Março de 1976, a quarentona escola de samba terá no desfile desse ano uma festa digna de toda sua história.
Sua trajetória começou no carnaval de 1974, quando algumas pessoas, entre elas Valmir Negrão e Paulo Madureira (atual presidente), decidiram criar e desfilar com o Bloco Nega Maluca. “Que nós era tudo maluco também, né!”, disse Paulo, que de seus 60 anos, 40 foram dedicados à Cartola. A intenção do bloco era bem simples e direta: se divertir. Não pretendia maiores comprometimentos e responsabilidades. Porém, alguns meses se passaram e surgiu a vontade de se organizar, e de ser organizado dentro do carnaval bauruense. “A gente via muita escola de samba sem organização, sem o preparo para estar desfilando”. Com isso surgiu a Acadêmicos da Cartola (O nome se refere ao chapéu, e não ao compositor ícone da escola de samba carioca Mangueira).
Em seu primeiro desfile, a Cartola levou com ela mais de 170 pessoas para a avenida (mais do dobro dos presentes no bloquinho), e mesmo sem experiência, agradou e encantou a todos com a felicidade, que nas palavras de seu presidente, é o grande objetivo da escola. “É isso que nós procuramos, é dar alegria para a camada mais carente da população”.
Desde quando a escola era apenas uma ideia, a intenção era tratar do carnaval como algo sério. Não apenas um período de “bebedeira” e farra, mas sim como uma manifestação cultural importante do Brasil. E com esse objetivo em mente a Cartola foi crescendo e se tornando o que é hoje.
O Sonho da Casa Própria
Como todo mundo, a Cartola sempre quis um espaço para chamar de lar. Foi então que em 1986, ela decidiu reivindicar junto de outras escolas de samba de Bauru um terreno para a construção de sua casa. A vida nômade de ensaios em estacionamentos e circos não funcionava mais, “ou nos organizamos, ou não seremos nada”, disse Paulo.
Para pressionar a prefeitura, as escolas combinaram que não sairiam na avenida, mas a Cartola foi traída, e enquanto ela permaneceu firme em seus ideais, os outros quebraram o movimento devido às pressões e promessas políticas.
Mas o sonho não tinha morrido, e em 2000 elas novamente se organizaram para buscar um espaço. Todas juntas saíram em um blocão e finalmente a prefeitura aceitou doar terrenos públicos para a construção de quadras.
A Cartola escolheu a quadra 4 da Alameda dos Jasmins e lá construiu e permaneceu. Infelizmente, de todas as escolas de samba de Bauru que brigaram por um espaço próprio há 16 anos, apenas a Cartola continua em pé.
A quadra acomoda todos que querem aproveitar a festa, além de ter espaço para as alegorias, confecção das fantasias, lanchonete e o espaço da bateria tropa de elite (que é o incansável e pulsante coração da escola). É um ambiente para não por defeito.
Porém, como em toda grande história, a Cartola passou por momentos difíceis em sua vida.
10 Anos de Solidão
Em 2001, a prefeitura de Nilson Ferreira Costa decidiu suspender o carnaval na cidade, e por 10 anos essa foi a regra em Bauru. A festa só voltou a fazer parte do calendário oficial em 2011, com Rodrigo Agostinho.
Durante esses 10 anos de solidão a Cartola continuou suas atividades. Sua casa continuou aberta e o seu cantinho continuou sendo cuidado. E desde a volta, a Cartola ganha cada vez mais importância.
Os seis anos consecutivos de festa não garantem, porém, um clima de confiança. O medo da suspensão do carnaval é constante e a hipótese é duramente criticada. “O prefeito que acaba com o carnaval é aquele que não tem compromisso com a cultura, a alegria e com a felicidade da camada mais carente”, ressalta Paulo.
Dias de Luta, Dias de Glória
Nesses 40 anos, a Cartola ganhou 12 títulos. O primeiro foi com José Horácio Gonçalves em 1986. Horácio começou sua carreira de carnavalesco por coincidências do destino. Ferroviário, ele trabalhava na antiga Tilibra, até que surgiu a oportunidade de fazer o carnaval na Mocidade Independente da Vila Falcão. Lá ele ganhou alguns carnavais, até ser convidado para montar o enredo da Cartola. E entre idas e vindas, essa relação já dura 15 anos.
A preparação da festa desse ano começou em março de 2015, com os desenhos e as primeiras ideias. Em novembro começou o trabalho pesado, toda a equipe da Cartola montou as fantasias para as mais de 1200 pessoas que irão desfilar entre as 13 alas e os 5 carros alegóricos.
Coordenar tudo isso cansa, e não é pouco. Nessa reta final Horácio chega a ficar até as 3 da madrugada, organizando tudo junto com a equipe de aproximadamente 18 pessoas.
As fantasias são feitas à mão, uma por uma. Os materiais são trazidos de São Paulo, comprados em Bauru ou reaproveitados dos carnavais passados, o que garante economia e cuidado com a natureza.
Todos os enredos apresentados pela Cartola emocionam e tornam-se memoráveis a todos, mas dois ganharam mais destaque na lembrança. O tema do ano passado, que apresentava o número 7, e o dos cinco sentidos, ambos campeões em seus anos.
Com todo o trabalho que se tem na preparação de um carnaval, Horácio se pega pensando em parar e descansar, mas o amor acaba falando mais forte. “O bom da vida é isso: ser brasileiro e ser carnavalesco”.
Amor que não se mede
Em 40 anos, a Cartola cresceu e apareceu. Hoje é uma das maiores escolas de samba de Bauru e conta com grandes admiradores e membros.
Dalva Marli Terzo tem 64 anos e 20 de Cartola. Ela é responsável por produzir as fantasias. Trabalha incansavelmente até às 3 da manhã se for preciso, e faz tudo com muito amor. As pontas dos dedos queimadas de cola quente não apagam o sorriso e a admiração pela Cartola. Esse amor passou para sua filha, Elaine Terzo, 27 anos. Ela está na Cartola desde pequenininha, e hoje é o braço direito da Rosimeire. Ela ajuda na parte de organização da escola, com a compra de materiais e semelhantes. Com quase toda sua vida dedicada à escola, Elaine afirma que “ [a Cartola] é minha segunda casa, é a minha vida, é tudo.” No desfile desse ano ela será o destaque do carro de aniversário.
Daisa de Luna, cartolense de coração, define a escola como família e se emociona sempre ao lembrar do samba do ano passado. O tema era o número sete. Ela guarda no refrão do samba-enredo as emoções que viveu na avenida em 2015.
Rosimeire Capelini de Moraes, 57 anos, está presente na Cartola desde 1984. Ela é esposa do presidente Paulo e ajuda a manter o funcionamento da escola. “De tudo tem um pouco eu, tudo passa pela minha mão”.
O esforço de todos é compensado quando a Cartola entra na avenida sambando. O objetivo de levar felicidade para as pessoas é atingido com grandiosidade. Só de pisar em sua casa o sorriso se alarga e o coração acelera, para bater no mesmo ritmo que o dela.
Reportagem: Lara Sant’Anna
Produção multimídia: Caroline Balduci
Edição: Vinícius Passarelli
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