Histórias do lar
Ela se identifica somente como Dona Ana. Já trabalhou em diversas casas de família e repúblicas de estudantes. Em um desses lugares, moravam 16 meninas, “ainda hoje trabalho para uma delas, que é a Marcela”, comenta. Já trabalhou em uma casa só de rapazes e afirma: é mais fácil trabalhar em casa de meninos do que de meninas. A Dona Ana trabalha também em uma clínica dentária nos dias de hoje, mas diz que gosta mais das republicas estudantis.
“Por que, Dona Ana?”, pergunto curiosa.
“Ah, porque eu achei mais legal trabalhar em casa de república do que de família. Não precisa lavar roupa ou fazer comida. É bem mais simples”, explica ela.
O trabalho nas casas de estudantes pode trazer suas desvantagens, como a falta carteira registrada que garante os direitos trabalhistas. Citando nome por nome, Dona Ana diz que não tem nada para reclamar da república com 16 meninas, e comenta que as garotas sempre foram acolhedoras e respeitosas. Dona Ana não é a única por essa preferência.
Lúcia trabalha em republicas há muito tempo e até pediu a Pedro, um dos moradores da casa que trabalha, que fizesse um vídeo dela agradecendo tudo que os alunos das universidades fizeram por ela. Os universitários são unânimes na preferência. Posso até citar por experiência própria: Lindaci Alves, a famosa Dinha, costumava chamar eu e minhas amigas da república de filhotes. A postura é materna e acolhedora, preenchendo um espaço de vazio causado pela saída do estudante de sua casa anterior.
Por um outro lado, o que acontece em uma relação trabalhista de uma doméstica em uma casa tradicional familiar, muitas vezes, é a falta desse vínculo e de um reconhecimento pessoal no tratamento das diaristas ou domésticas. Assim, elas acabam sendo apenas um item invisível da estrutura e funcionamento da casa.
Para ambos os casos, dotados do privilégio de um salário mínimo excedente que pode trazer uma pessoa a mais para cuidar da casa, é preciso pensar em como acontece a relação entre as pessoas da casa e a doméstica, que raramente completaram a educação formal e, dificilmente, optaram por esse trabalho. Tal profissão, na verdade, é fruto de uma favelização e de um herança do racismo, que gera poucas oportunidades para essas mulheres no mercado de trabalho.
Uma solução? Investimentos em educação formal e trabalhos de empoderamento cultural podem ser uma saída para fazer acabar com essa invisibilidade da profissão.
Dona Ana talvez não tenha noção do debate por traz do seu emprego. Ela trabalhou 26 anos em fábrica, depois começou a atuar em repúblicas. Nos dias de hoje, continua o trabalho para aluno, professor, etc. “Quem precisar, tenho agenda livre às quartas, ok?”.
Reportagem: Nathalie Portela
Produção multimídia: Maria Esther Castedo
Edição: Catherine Paixão
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