Parto humanizado: muito além de um parto normal
Procedimento cresce em adeptos no Brasil, apesar da resistência de setores médicos e hospitais
A escolha de qual parto realizar está entre tantas dúvidas que uma gestante pode ter. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais da metade dos bebês brasileiros nascem através de uma cesárea, em detrimento do parto normal.
Todavia, um grupo de futuras ”mamães” decidiram optar pelo parto humanizado. Esse tipo de procedimento não consiste apenas no nascimento do bebê pela via vaginal, seja no hospital ou em domicílio, numa banheira de água quente ou com um acompanhante ao lado, e sim na mulher como protagonista desse momento. Essas mulheres defendem que o parto pode não precisa ser ”traumático” e sim uma experiência prazerosa.
Camila Casagrande, enfermeira da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), explicou que o parto humanizado é diferente do parto normal. ”O parto normal é o nascimento por via vaginal, havendo intervenções, como administração de medicamento para aumentar as contrações, romper a bolsa entre outros. Quando ele acontece sem intervenções é chamado de parto natural. Já a humanização do parto não deve ser entendida como um tipo de parto, mas, sim, o respeito à fisiologia do parto e à mulher”, diferencia Camila, que fez residência em obstetrícia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ela teoriza que essa conduta é uma maneira de devolver à grávida seu protagonismo, “garantindo o seu direito de conhecimento dos riscos e benefícios envolvidos no processo, e sua liberdade de escolha”, completa.
Camila esclarece ainda que, “assim como acontecem partos naturais humanizados, também é possível se ter um parto normal humanizado, pois, em alguns casos, intervenções podem ser necessárias. Acredito que o parto humanizado é o que os profissionais de saúde podem oferecer de melhor na assistência individualizada à mulher”, argumenta.
Segundo a enfermeira, falta informação às gestantes, assim como incentivo por parte de muitos médicos. “Com a realidade vivenciada no cenário obstétrico brasileiro atualmente, penso que também falta incentivo de grande parte dos médicos para a realização do parto normal/natural/humanizado. Muitas mulheres que desejam um parto vaginal são levadas à cesárea por indicações, na maioria das vezes, fictícias” afirmou.
A respeito dos benefícios da realização do parto humanizado, Camila comenta que o esse tipo de procedimento reduz o risco de hemorragia materna e depressão pós-parto, além de oferecer uma recuperação mais rápida. Já o bebê tem menos desconforto respiratório. Vale ressaltar que não ocorre nenhum tipo de corte provocado na região genital para facilitar a saída do bebê, a episiotomia.
O momento do parto
Dentre as mulheres que já vivenciaram o parto humanizado, as experiências são diversas, e, na maioria das vezes, positivas. Luana Criata, artesã de 22 anos, residente de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, diz que quando optou pelo parto humanizado, sofreu diversas pressões tanto familiares como médicas, mas, no fim, valeu a pena. “Era 6:24 h da manhã de uma segunda–feira, o sol estava subindo e o Artur descendo finalmente para nossos braços”, relatou Luana. Seu parto foi domiciliar, em uma banheira, e durou cerca de 27 horas.
Rhayane Peres, 24 anos, natural do Rio de Janeiro, também teve uma experiência com o parto humanizado. Seu bebê, Saulo, nasceu no Hospital Universitário Antônio Pedro, em Niterói. Segundo ela, os médicos obstetras procurados não queriam fazer o parto normal, apenas a cesárea. “Uma amiga minha da faculdade ficou grávida e com um mês de gestação já tinha marcado a cesárea’’, lamenta Rhayane, principalmente sobre a de falta incentivo médico para realizar o parto normal.
“Fazer o parto humanizado sempre foi uma escolha minha, eu não queria cesárea. Não houve incentivo médico nenhum. Eu passei por cinco obstetras para ter o meu parto com o plantonista do SUS’’, explica a mãe de primeira viagem, que também teve um saldo positivo ao final de tudo. “O meu parto foi muito tranquilo, eu caminhei bastante dentro do quarto, fiquei bem tranquila, alonguei esperando o Saulo nascer’’.
Marília Sampaio, 28 anos, servidora pública de Brasília também está entre as mulheres que possuem experiência com o parto humanizado. Seu bebê Miguel, nasceu no Hospital Daher, depois de muita procura pelo procedimento e pouco apoio dos profissionais. “Queria poder parir em um ambiente acolhedor, queria o meu direito a um acompanhante (meu marido) o tempo todo comigo, queria liberdade para me movimentar livremente durante as contrações e gritar, gemer, chorar, o que fosse, sem ser reprimida, enfim, tinha descoberto que sou uma mulher e não um objeto à mercê da medicina’’ , desabafa Marilia, que explicou também que o parto a ajudou muito em seu crescimento pessoal. “Esse foi meu parto. O parto que sonhei. Que lutei para ter. Que consegui. Hoje sou outra pessoa. Mais forte. Mais mulher’’
Aconselhamento e orientação especializada
Dado a pressão que recebem as gestantes que optam pelo parto humanizado, grupos e clínicas têm se organizado para dar apoio e assistência à essas mulheres, como o Grupo de Apoio ao Parto Humanizado (GAPH), de Marília. A coordenadora do grupo, Bárbara Otre, reessalta a importância do projeto. ‘‘As gestantes chegam com milhões de dúvidas desde a gestação, sobre o parto, o que acontece, se dói, quais os direitos e a cada encontro eu costumo dizer que cada um que participa contribui, pois, cada pessoa tem uma bagagem de vida, explica Bárbara, que também é e doula do grupo. “ O que me levou a lutar pela existência do grupo foi quando comecei a ler sobre maternidade e gestação e ver como é difícil ter parto normal no Brasil”.
A menos de 100 km, em Bauru, a Clínica Existere, especializada em partos humanizados, promove encontros para gestantes, promovidos pela fisioterapeuta e doula Andréia Cristina e a psicóloga com especialização em perinatal, Celma Godoy Araújo. Nesses encontros é mostrado a importância de se ter conhecimento a respeito do parto humanizado, e seus benefícios para mãe e o bebê, além de informações básicas como a função da doula como auxiliadora da mulher, que orienta atividades como a respiração, agachamento e até dando apoio emocional na hora do parto, assim como a derrubada de mitos sobre o parto normal, como o medo de não ”ter dilatação suficiente” ou o bebê ”passar da hora de nascer”.
Reportagem: Camilla Gabrielle
Produção multimídia: Herculano Foz
Edição: Lucas Ayres
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