As verdadeiras dores do parto
Ofensas, descaso médico e privação de anestesias: entenda como a violência obstétrica está mais próxima do que parece
Para grande parte das mulheres que são mães, o nascimento de seus filhos é um dos momentos mais importantes de suas vidas. Porém, muitas vezes, o que deveria ser um momento de celebração e cuidado total à grávida e ao bebê pode se transformar em um verdadeiro tormento.
Uma recente pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, organização criada pelo Partido dos Trabalhadores para desenvolver projetos de caráter social, mostra que 25% das mulheres que tiveram filhos pelas vias naturais na rede pública e privada sofreram violência obstétrica no Brasil.
Na prática, isso significa que um quarto das mulheres do país sofreram os mais diversos tipos de abusos nas horas que mais precisaram de amparo e assistência – quando trouxeram ao mundo seus filhos. E as consequências desses números são devastadoras.
Definições Gerais
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define “violência obstétrica” como o conjunto de atos desrespeitosos em qualquer momento do parto que se configurem como violação de direitos humanos fundamentais – como abusos, maus-tratos e negligência contra a mulher e o bebê. O problema é que muitas vezes a maior parte das pessoas sequer imagina que foi vítima de abuso.
A Universidade de São Paulo (USP), localizada em Ribeirão Preto, também realizou uma pesquisa no intuito de classificar de uma maneira mais clara os tipos de abusos sofridos pelas grávidas. Entre eles estavam o abuso verbal, a restrição de acompanhante no parto, a contenção física da mulher na mesa de cirurgia e a péssima relação entre os profissionais da saúde com a gestante. Mas é importante lembrar que a violência obstétrica também pode significar todo o tipo de comportamento da equipe médica onde a paciente é submetida a qualquer procedimento sem a sua ciência e contra sua vontade.
João Paulo Souza, um dos professores responsáveis pelo departamento de medicina social da USP, explica: “Um tratamento que não seja digno e respeitoso não é correto. Então, esse é um ponto de partida, comunicar isso e assegurar as mulheres que elas devem ser tratadas de forma digna e respeitosa, que é um direito que ela tem”.
Ainda segundo o professor, as mulheres que sofreram com essa violência podem apresentar prejuízos à autoestima, depressão pós-parto e estresse pós-traumático. “Ao serem maltratadas, elas se afastam dos sistemas de saúde, e isso é muito ruim porque quem se afasta é justamente a população mais vulnerável, a que está sob mais risco e precisa mais. Apesar disso, é errado pensar que esse é um problema que atinge apenas os pobres. Outros dados brasileiros mostram que a classe média alta também é atingida com um tipo diferente de agressão: a realização de procedimentos sem consulta. As mulheres devem saber que são merecedoras de respeito, e todos devemos fortalecer mecanismos de consulta e defesa, como ouvidorias de hospitais e defensorias públicas.”
Os tipos de violência
Recentemente a OMS também realizou uma pesquisa sobre violência obstétrica que contou com 34 países. Essa pesquisa gerou um documento detalhado sobre os diversos tipos de violências sofridos pelas gestantes. São eles:
1- Violência física: Espancamentos, agressões e qualquer tipo de força excessiva usada durante o procedimento. Mulheres do Brasil e da Tânzania relataram durante o estudo casos de uso de mordaças e cordas que prendiam a gestante à cama.
2- Violência verbal: Linguagem severa e qualquer tipo de comentário rude que possa ofender crenças, gênero, sexualidade ou qualquer aspecto da vida da gestante. Ameaças de agressão física à mãe e ao bebê em qualquer circunstância.
3 – Estigma e discriminação: Qualquer tipo de discriminação por etnia, religião, classe social, idade, gênero ou condições médicas. Mulheres da África do Sul, por exemplo, relatam que o fato de serem HIV positivas tem grande influência na maneira como são tratadas pelos médicos.
4 – Não cumprimento de padrões de cuidados: Exames vaginais excessivos e dolorosos; recusa da parte dos profissionais de prover analgésicos; falta de processo de consentimento – como no caso de algumas cesáreas, por exemplo; brechas de confidencialidade; negligência, abandono e demora no atendimento.
5- Mau relacionamento: Má comunicação entre a equipe e a gestante e privação de informações sobre cuidados do pós-parto, por exemplo.
Panorama de mudança
Em contrapartida ao cenário violento, a OMS exigiu novas políticas para ressaltar a assistência obstétrica com respeito. A organização sugeriu que algumas medidas sejam tomadas pelos próprios governos, ao redor de todo o mundo, para evitar o desrespeito e diversos abusos contra as gestantes durante a assistência institucional ao parto. Algumas dessas medidas são:
1) Maior apoio dos governos e de parceiros do desenvolvimento social para a pesquisa e ação contra o desrespeito e os maus-tratos;
2) Começar, apoiar e manter programas desenhados para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde materna, com forte enfoque no cuidado respeitoso como componente essencial da qualidade da assistência;
3) Enfatizar os direitos das mulheres a uma assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o parto;
4) Produzir dados relativos a práticas respeitosas e desrespeitosas na assistência à saúde, com sistemas de responsabilização e apoio significativo aos profissionais;
5) Envolver todos os interessados, incluindo as mulheres, nos esforços para melhorar a qualidade da assistência e eliminar o desrespeito e as práticas abusivas.
A ONG Artemis, organização comprometida com a promoção da autonomia feminina, prevenção e erradicação de todas as formas de violência contra as mulheres, organizou um crowdmap (mapa colaborativo) chamado “Violência Obstétrica”, que tem como objetivo reunir denuncias das gestantes brasileiras. Nesse completo mapa, é possível ver os índices de violência em cada cidade do país bem como o relato completo da denúncia. Também é possível denunciar e fazer doações para a Organização.
Para saber mais sobre o assunto, dois documentários populares realizados a partir de ações coletivas podem ser assistidos no YouTube:
Violência Obstétrica – A voz das brasileiras
Como denunciar essa violência
Se você já passou por isso, ou conhece alguém que foi vítima de violência obstétrica, procure a Defensoria Pública de seu município com cópia do prontuário médico. Para obtê-lo é preciso procurar o setor administrativo da instituição. Lembrando que o único custo que pode ser cobrado é o de cópia das folhas e que toda gestante tem direito ao prontuário.
Reportagem: Letícia de Maceno
Produção multimídia: Catherine Paixão
Edição: Izabella Pietro