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Opinião | A vida e o tormento de uma ninfomaníaca

“Quando um homem deixa suas crianças por causa do desejo ele é aceito de volta, mas você como mulher teve que assumir um fardo, uma culpa que jamais poderia ser aliviada”

Segundo Laura*, que tem compulsão sexual, pessoas pequenas criam tabus para esconderem seus medos (Foto: Helena Nogueira)

“Já fui chamada de tarada algumas vezes por minha mãe. Ela achava que eu transaria com qualquer pessoa que aparecesse”, conta a jovem de 20 anos. Nascida no sul da Itália, hoje residente da cidade do Rio de Janeiro, Laura* se recorda de ainda pequena se contorcer em desejo ao brincar de vestir bonecas na internet. Estagiária em um colégio estadual, ela diz que quer ser professora e acredita que a ninfomania foi algo desenvolvido para preencher sua alma, devido a sua grande carência fraterna. Dentre seus hobbies, ela adora escrever poesias. “Sou bastante romântica, apesar de tudo”, alega.

Mesmo reconhecendo sua hipersexualidade, Laura não gosta do nome ninfomaníaca. A classificação também caiu em desuso entre médicos e psiquiatras, que hoje optam pelos termos Apetite Sexual Excessivo ou Impulso Sexual Excessivo. A ninfomania (ou satiríase, nos homens) acontece quando a prática sexual prejudica a saúde, deteriora os relacionamentos e prejudica a vida profissional da mulher, causando seu isolamento social. No diagnóstico da doença, avaliar o grau de ressentimento e o prejuízo que o apetite sexual provoca na vida do paciente é fundamental.

As consequências do transtorno vêm em muitas formas. Laura já foi despedida por passar muito tempo no banheiro. No colégio, conta que assistia à aula de Filosofia no fundo da sala para se masturbar ao som da voz do professor. Ela esclarece que seu apetite sexual é sensibilizado por percepções de momento. “Uma vez durante uma manifestação em julho de 2013 eu fui presa com alguns manifestantes. Estávamos no ônibus da PM e toda aquela adrenalina me despertou uma vontade enorme de sexo. Eu transei com uma garota no fundo ônibus com dezenas de pessoas vendo, inclusive alguns eram meus professores. Mas isto nunca mais se repetiu, nem nada parecido”, relata.

As fantasias vêm à tona com frases e objetos do dia-a-dia, mas isso não necessariamente acarreta no ato sexual. “[A ninfomania] não é algo do tipo ‘nossa, eu preciso transar com essa pessoa se não vou morrer’, mas algo como uma visão sexual em objetos simples. É sentir molhar a vagina apenas por ver um homem que lhe chame atenção. É querer tocar-se dentro do ônibus e chorar por não poder”, Laura refuta.

Da mesma forma que outros transtornos psíquicos, as causas do Impulso Sexual Excessivo estão ligadas a predisposição genética e a condições ambientais desfavoráveis, o que pode ou não ter relações com complicações familiares e abuso sexual na infância. O tratamento costuma combinar psicoterapia e medicamentos que diminuem a libido. Diferentemente de outros vícios, como o de álcool e de drogas, o objetivo do tratamento não é a abstinência total, mas o autocontrole. Por esse motivo, as chances de recaídas são maiores. Laura nunca foi diagnosticada, apesar da insistência de familiares, e diz aceitar sua condição. “Eu não sinto vergonha pois não faço mal a ninguém com isso. E hoje já não tento mais conter. Eu sei quem sou, e minha compulsão sexual será sempre aceita por mim até o momento que machucar alguém”, explica.

Em 2014, os dois volumes de “Ninfomaníaca”, de Lars Von Trier, trouxeram o transtorno a discussão geral. Joe, a protagonista, apresenta-se como uma pessoa perversa e má, algo que demonstra o comportamento autodepreciativo dos compulsivos sexuais. Porém, o filme foi responsável pela reafirmação de um tabu: a mulher ninfomaníaca transa com todos os que passam por seu caminho.“Minha mãe dizia que não levava amigos em casa porque eu iria assediá-los. Ela tinha vergonha de mim. Queria que as pessoas entendessem que a ninfomania não é a vontade de transar com qualquer um, mas um constante e difícil desejo de se satisfazer”, reclama Laura.

Para satisfazer-se, Laura diz precisar apenas de si mesma, ao contrário do que mostra o filme de Lars Von Trier. “Eu posso me satisfazer com vídeos pornôs e sexo virtual, por exemplo. Não necessariamente preciso de alguém. Muitos homens que se consideram homens com H maiúsculo, inclusive, desistiram em pleno sexo e foram embora antes mesmo do meu primeiro orgasmo. Pessoas pequenas criam tabus para esconderem seus medos do novo. Se você não se aceitar, todos que lhe atiram pedra por ser ‘uma puta’ terão razão”, manifesta.

Opinião

O Impulso Sexual Excessivo está presente em cerca de 5% da população geral, havendo uma suposta predominância do sexo masculino. A proporção de pessoas que buscam tratamento é de 8 homens para cada mulher, segundo o psiquiatra Marco Scanavino, coordenador do Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo (Hospital das Clínicas de São Paulo).

Será mesmo? É de fato mais comum que o homem tenha compulsão sexual?

É ele que pensa em sexo a todos os momentos. Ele inclusive tem que se controlar diante da mulher que usa decote ao passar por ele na rua. É natural que ele traia, pois tem mais dificuldade de conter o libido. A culpa, claro, é da testosterona. Até mesmo diante da satiríase, podemos ouvir de alguns que é próprio do homem um apetite sexual acentuado. Culturalmente, o sexo é e sempre foi coisa deles. Dizer que os homens apresentam mais transtorno sexual que as mulheres é não levar em consideração interferências de cunho moral e cultural.

É provável que nem todas as ninfomaníacas busquem tratamento. Muitas, inclusive, devem suprimir suas fantasias e desejos por vergonha e culpa. A mulher é impedida moralmente de explorar a vivência sexual, pois se perpetua a visão de que elas devem ser castas, maternas, contidas. Qualquer comportamento que desvie dessa linha é um escândalo. A autodepreciação, em casos de mulheres como Laura, pode ser um tormento, e isso é bem ilustrado em “Ninfomaníaca”. A discrepância entre gêneros quanto ao Impulso Sexual Excessivo é bem resumida na fala de Seligman para Joe, no final do segundo volume: “Você foi um ser humano exigindo seu direito. E mais do que isso, você foi uma mulher exigindo seu direito. Você acha que se dois homens entrassem em um trem procurando por mulheres alguém teria notado? (…) “Quando um homem deixa suas crianças por causa do desejo ele é aceito de volta, mas você como mulher teve que assumir um fardo, uma culpa que jamais poderia ser aliviada”.

Ninfomaníacas, mais do que satíricos, são marginais sexuais. Então, como averiguar o número de compulsivas se elas aparecem menos? Vivemos em uma sociedade que sempre temeu a expressão do desejo feminino. Diante dessa expressão, mais uma vez só se atiraram pedras.

*Nome fictício

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Reportagem: Helena Nogueira

Produção Multimídia: Monique Ferrarini

Edição: Rafaela Nogueira

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