Desconstruindo o prazer anal
Homens héteros e bissexuais falam dos dilemas sobre o sexo anal tanto em relações hétero quanto homoafetivas
Ânus. Quem diria que essa região pequena e escondida do corpo humano se transformaria em um leque tão grande de assuntos. Palavrões, piadas e tabus se originam a partir dele e, apesar de não parecerem assuntos promissores, se mostram fonte inacabável de reflexão. A diversidade sexual faz com que seja necessário rever o que é um palavrão, já que por causa dela um xingamento pode deixar de ser ofensivo por perder o sentido. E quantas piadas infames não surgem a partir do ânus e suas funções?
Mas por que ele também é alicerce de tabu? O senso comum diz que os homossexuais estão sendo bem mais aceitos do que antigamente, e são eles os donos do prazer anal, certo? Errado. Tem muito homem hétero e bi por aí que também sente desejo de explorar esse lugarzinho escondido. Pelo menos é o que confirma o estudante heterossexual Anderson Morais*, de 31 anos: “Com 14 anos, vendo vídeos pornográficos, eu era assaltado pela curiosidade: como seria ser penetrado? Demorei 3 anos para tentar. Comecei com os dedos; foi curioso, mas não chegou a ser prazeroso num primeiro momento. Com o passar dos anos tentei outras vezes e consegui sentir prazer”.
Anderson levantou a primeira questão sobre o tabu do prazer anal para homens que sentem atração exclusivamente por mulheres: o perigo de manter segredo. “Tenho conhecidos que são héteros e também gostam de explorar a região, mas têm medo de pedir para a parceira ou de comprar um acessório adequado. Numa dessas muitos homens improvisam utensílios domésticos que não são próprios para a prática e que podem machucar. Não vejo os caras falando disso abertamente. É o tipo de coisa que o cara te confessa depois de muito tempo de amizade”, aponta.
[metaslider id=9411]
Já para Bruno Dias*, um supervisor de operações de 24 anos e também heterossexual, o que mais o incomoda no assunto é imaginar o que sua parceira vai pensar dele. “Eu demorei um bom tempo para querer experimentar. Ficava com medo de ela achar que eu era gay por sentir prazer nessa área, coisa que é até um pouco de preconceito da minha parte. Toda vez que ela fazia o famoso beijo grego, eu sentia o dobro de prazer comparado ao sexo oral ‘tradicional’. Apesar disso, quando terminávamos de transar me batia o arrependimento. Um tempo atrás, conversando sobre isso, minha namorada falou que no começo passou pela cabeça dela a possibilidade de eu ser gay, mas logo se esforçou para desconstruir esse pensamento e hoje estamos bem”, relata Bruno.
Os dois entrevistados concordaram que o maior motivo para o assunto não ser muito comentado em seus respectivos círculos sociais é justamente a preocupação com o que as outras pessoas vão pensar. Mas por que as pessoas julgam? O que tem de mal em explorar o prazer anal? A resposta deles foi a mesma: o que vem à cabeça quando se fala no envolvimento do ânus no sexo é o preconceito de que, caso a pessoa seja homem, automaticamente será gay se pratica ou já praticou tal ato. É como imaginar uma fruta redonda, vermelha e suculenta e pensar imediatamente numa maçã. Mas cuidado, porque a ameixa tem as mesmas características e não é a mesma coisa.
O tabu também aparece nas relações homoafetivas
Outro patamar de discussão é o fato de que, dentro das relações entre parceiros do sexo masculino, ainda se reproduz o conceito de macho e fêmea, como expõe o estudante Leonardo Guimarães, que tem 21 anos e é bissexual: “O tabu surge a partir do momento em que o homossexual/bissexual cria um estereótipo do que seria um casal hétero em sua relação – o mais másculo seria o homem da relação e o mais feminino seria a mulher -, desenvolvendo, assim, um universo de dualidade oposta. Não existe razão, não existe explicação plausível para que isso aconteça. É apenas uma questão de costume cultural e aceitação do que é tradicional sobrevoando as cabeças da sociedade em que vivemos”, aponta Leonardo.
Por causa dessa dualidade, o tabu do prazer anal aparece também com homossexuais e bissexuais, ao passo que alguns dos considerados exclusivamente ativos (expressão para designar aqueles que penetram os companheiros) não se permitem explorar sexualmente a região como os ditos passivos (os que são penetrados). “Existem muitos gays que não usufruem do prazer anal. Conheço pessoas que são extremamente partidárias quando o assunto é sexo; chega a ser estranho conversar com um gay que tem preconceito ao falar de ânus”, reflete Leonardo.
Sobre esse assunto, o estudante de filosofia Rogério Matos*, de 19 anos e também bissexual, opinou sob outro ponto de vista. De acordo com ele, assumir que transa com outros homens é fácil, mas declarar a passividade é outra história. “Uma pessoa ser gay ou bi, não quer dizer necessariamente que está livre do machismo. Quem se identifica como ‘o homem da relação’ sente, quase sempre, uma necessidade de ser o ‘agente dominante’ das coisas”, diz Rogério.
Falando sobre desconstrução
Carlos Alexandre de Alencar tem 28 anos e trabalha com mídias sociais há algum tempo e também tem uma loja online de camisetas e canecas. No Facebook, é administrador do grupo “Sipolares do Bite”, que com 14.855 membros (entre brasileiros e estrangeiros), aborda desconstrução social e humor. Carlos trabalha rigorosamente para que os membros sejam apenas pessoas interessadas em aprender sobre a luta de cada minoria sem deslegitimar nenhuma delas e, é claro, passar um tempo agradável na internet.
Alencar comentou que, como qualquer outro tabu, o prazer anal precisa ser desconstruído para que as pessoas se sintam mais livres e possam se comunicar e desmistificar o assunto. Apesar disso fez a ressalva de que com o passar dos anos, o debate vem aumentando e as pessoas têm mostrado menos medo de falar e de se expor, mesmo que a contribuição para o debate ainda seja pequena.
Ainda de acordo com o gerente de mídias, um homem hétero sentir medo de expor esse tipo de desejo ao mundo por medo dos outros o taxarem de homossexual é, de forma inconsciente, reproduzir homofobia. Por mais desconstruído que um sujeito seja, imaginar que outras pessoas podem colocar rótulos sobre sua orientação torna-se inconcebível. Se os héteros pararem para refletir, pelo menos vão saber como é, em porcentagens ínfimas, o que é ser considerado homossexual na sociedade. O medo de sofrer preconceito pode ser tão grande que eles reprimem os próprios desejos sexuais para que sua virilidade não seja questionada.
“O prazer anal para os héteros é ‘ruim’ porque existe sim essa coisa de ‘ser homossexual é ruim’ na cabeça das pessoas. Homossexuais ainda são muito marginalizados na nossa sociedade e ser gay te tira uma porção de privilégios. Se você é gay, nem doar sangue você pode. É meio absurdo estarmos vivendo em 2016 como se ainda estivéssemos em 1970”, comenta.
Veja algumas das páginas administradas pelo Carlos:
Página Barroca, Inovadora, Vanguardista
Uma vez que os problemas são identificados, o que fazer para resolvê-los?
“Saber que pessoas compactuam de tal assunto é extremamente reconfortante. Não é saudável deixar o que é saudável de lado por motivos triviais. Sinto que o que falta é justamente as pessoas se exporem um pouco mais no sentido de compartilhar experiências e conhecimentos que possam vir a ajudar outras pessoas presas na própria mente sociopoliticamente deturpada.” – Leonardo Guimarães, 21.
“Falar mais sobre esse assunto é um bom começo. As pessoas aprenderem que é uma forma de sexo como qualquer outra e que isso não descreve a totalidade de um indivíduo é fundamental.” – Rogério Matos, 19.
“Homens que têm vontade de experimentar, mas que estão com medo de conversar com a parceira: deixem o medo de lado e conversem, expliquem o motivo pelo qual vocês querem experimentar. Com a comunicação franca elas vão entender que isso não tem a ver com sua orientação sexual, mas sim com um jeito diferente e novo de sentir prazer. Lembrem-se, porém, que elas não são obrigadas a fazer só porque vocês gostam, da mesma forma que vocês não são obrigados a fazer nada que não queiram.” – Bruno Dias, 24.
“Vamos falar cada vez mais a respeito. Homens héteros: falem abertamente disso. Porque realmente não há problema algum. Mais discussões e debates acerca desse assunto. A desconstrução é diária e tem mesmo que ser martelada até que as pessoas entendam. Fomos socializados de maneira muito errada, e a desconstrução é necessária para socializarmos melhor as próximas gerações e assim sucessivamente.” – Carlos de Alencar, 28.
*Nome fictício
Reportagem e Edição: Caroline Balduci de Mello
Produção Multimídia: Monique Ferrarini