Opinião | Estigmas sobre transtornos mentais são endossados pela mídia
Nas construções discursivas midiáticas, é comum observar que os sentidos atribuídos aos distúrbios psicológicos e psiquiátricos são formulados de maneira a reforçar estereótipos
Numa entrevista publicada pelo Jornal do Brasil em 1972, o médico psiquiatra Paul Sivadon afirmava: “Dentro de 30 anos as doenças mentais serão tratadas como as outras doenças. O asilo de doentes mentais terá desaparecido”. Mais de 30 anos depois da declaração, mesmo com os manicômios e a internação compulsória proibidos, percebe-se que os transtornos psicológicos e psiquiátricos não são ainda totalmente livres de estigmas.
“Embora existam casos com quadro de agitação psicomotora ou surto psicótico, a grande maioria dos pacientes psiquiátricos nunca é violenta, ao contrário do que se prega”, elucida um artigo do médico psiquiatra Daniel Martins de Barros (HC/USP), no Jornal Estado de São Paulo em 2002. É interpretado que “o que se prega”, na fala do médico, se refere a aquilo que é disseminado sobre o assunto e à opinião que se formula, e quanto a isso, cabe responsabilizar a mídia, como instrumento balizador do imaginário coletivo público.
Isto é, para entender os estigmas existentes em torno das patologias da mente, se faz necessário dedicar atenção às dimensões culturais que as envolvem, inclusive as ligadas aos meios de comunicação. Se por por um lado, é interessante reconhecer que a grande imprensa tem se mostrado, predominantemente, uma aliada da reforma psiquiátrica (vide, por exemplo, as peças jornalísticas citadas no texto, que visibilizam o tema ao longo dos anos); por outro lado, porém, é importante observar os modos contemporâneos de comunicação e informação e analisar suas construções de discursos e as opiniões que estes formulam.
Além dos exemplos de abordagens problemáticas expostos, lembra-se também de uma ideia que persiste no imaginário comum que considera que os transtornos da mente podem e devem ser resolvidos e superados. Isso se daria através de uma cura por tratamento e remédios ou então através da própria morte. Lidar desta maneira transmite uma ideia equivocada da real vivência dessas pessoas, que vivem e aprendem a lidar com seus transtornos diariamente, dia sim, dia sim, sabendo que podem tomar ações para suprimir os sintomas e melhorar a qualidade de vida, mas não esperando que vão (e sabendo que não vão) sumir de vez.
Em entrevista concedida ao Jornal da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre no ano passado, a psicanalista Jan Abram, do Instituto de Psicanálise de Londres, afirma que a mídia e a publicidade constituem brutal impacto sobre os transtornos da psique. Ou seja, é empírico que as mídias influenciam a ideia popular sobre o assunto e por isso é preciso ter sensibilidade e sensatez ao retratar o doente mental. Importa que ele seja representado de maneira correta, desmistificada, como uma “pessoa normal”.
A estigmatização dos transtornos a partir de construções discursivas equivocadas traz, entre suas consequências, por exemplo, entraves à reinserção social do doente – justamente visada pela luta antimanicomial e reforma psiquiátrica –, além de prejudicar a qualidade de vida do indivíduo que é tratado como diferente do que realmente é.
Reportagem: Ingrid Woigt
Produção Multimídia: Daniela Leite
Edição: Ingrid Woigt